"O Brasil folgou um pouquinho o cinto. O presidente Lula faz uma administração mais generosa"

Ministro brasileiro dos Transportes veio a Portugal procurar investimentos e confia que empresas nacionais não faltarão à chamada. Renan Filho conversou com o DN e salientou o novo clima político no país, que diz refletir-se nas perspetivas de crescimento económico.
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De Maceió, capital do seu Alagoas, a Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, vai a mesma distância do que de Lisboa a Varsóvia. E outras distâncias no Brasil são ainda mais impressionantes, afinal é o quinto maior do país do mundo. Avião, comboio, carro, qual destas é a melhor opção em termos económicos e, tendo em conta as políticas do presidente Lula da Silva, em termos também de ambiente?
A melhor opção para um país continental como o Brasil é a integração dos modais de transporte. Não tem como defender a presença de todos os modais em todos os lugares, é preciso verificar qual é o perfil da região para adequar o transporte à sua própria realidade. Então, em algumas regiões, é importante ter trens, comboios como se diz aqui em Portugal, e noutras as ligações aéreas são fundamentais a todos os lugares onde há viabilidade económica. Há lugares com mais dificuldade. E as rodovias são aquelas que integram mais definitivamente o país para aqueles que não têm rendimentos elevados. Sobretudo, e esse é o caso do Brasil, uma parcela significativa da população precisa de viajar de autocarro ou de carro, porque não tem condições para pagar passagens aéreas. E o comboio seria importante nessas localidades, mas também é preciso ver, porque num país continental, investimentos em comboios também são muito significativos, como demonstrámos aqui. E é isso que estamos a tentar articular no Brasil, através de investimentos públicos e de maior atração do capital internacional.

A rodovia acaba então por ser a solução mais pragmática para uma grande parte das regiões do Brasil?
Sim. É que cada modo de transporte exige uma renda associada e a rodovia é a mais democrática, porque é a mais barata entre os modos de transporte.

No entanto, há o fator poluição, mas o Brasil também tem argumentos, porque o etanol usado como combustível reduz as emissões de CO2.

Tem essa pegada menor no incremento do uso do etanol, e o Brasil está a elevar na gasolina para 30%, ou seja, cada litro de gasolina no Brasil já tem 30% de etanol. E uma boa parcela dos carros brasileiros são flex, podem usar etanol ou gasolina. O consumidor é que escolhe. Então o consumidor que deseja preservar o meio ambiente, usa etanol, porque não emite carbono. Isso é um grande ganho. Inclusive, o presidente Lula tem defendido que o mundo inteiro adote a mesma providência. E não vamos ampliar a área plantada para produzir mais etanol, porque o Brasil tem condições para aumentar a produção de etanol na mesma área plantada, com alto ganho de produtividade.

Falou da necessidade do investimento estrangeiro. Vindo da China, dos países árabes, dos Estados Unidos e da Europa. Como é este mix de investidores no Brasil?
Todos estão no Brasil. O Brasil já é o quinto país que mais recebe investimento no mundo. Mesmo de Portugal, pois a maior concessionária aqui de rodovias é a Brisa, que tinha 25% da maior concessionária brasileira, que era a CCR. Depois houve uma crise em Portugal e foi vendida, mas vendeu a participação lá com muito sofrimento. Aliás, ainda ontem estive na empresa e eles desejam voltar, porque os investimentos no Brasil são rentáveis. O mesmo ocorre com a maior construtora portuguesa, a Mota Engil. Os seus executivos também estiveram connosco e desejam ampliar investimentos no Brasil. Então, nós recebemos investimentos portugueses, alemães, chineses.

A sua vinda a Portugal significa que, apesar deste interesse global, Portugal pode ser um importante investidor?
Portugal é um investidor. O que é importante para o Brasil é o somatório de investidores, porque quem recebe muito investimento, não pode receber mais ampliando só para um. O nosso desejo é ampliar com o Médio Oriente, China, Europa, Estados Unidos e América Central. Esse é o nosso desafio.

Quando fala do investimento na infraestrutura de transporte, falou de passageiros, mas também é importante a carga. Nomeadamente, sendo o Brasil um grande exportador também na área agro-industrial e de minérios essa capacidade de fazer mover os bens é essencial, certo?
É essencial, sim. As ferrovias para transportar a carga do Brasil garantem mais competitividade, alimentos mais baratos para o nosso povo e para o mundo inteiro. Qual é o problema do Brasil? É que a produção, como é recente, move-se ainda. Aqui na Europa, a produção não se move mais, porque as economias já estão maduras. Sabemos o que a Alemanha, sobretudo, produz, o que a França produz, o que a Ucrânia produz, o que a Rússia produz e o que Portugal produz. No Brasil, há cerca de 25 anos atrás, a área mais produtora, a soja, nem sequer produzia. De maneira que isso ocorre apenas de há 25 anos para cá. Por isso, a infraestrutura tem de chegar, temos necessidades maiores de investimentos em infraestrutura porque a produção é crescente em algumas regiões e nascente noutras. Então, isso exige um planeamento diferenciado e mais investimentos.

Como é que está a economia brasileira neste momento?
Muito bem, a crescer acima da expectativa. Começámos o ano a achar que íamos crescer 0,7% do PIB e vamos, já hoje, bem próximos de crescer 3%. E a tendência é que cresçamos mais do que 3% neste primeiro ano do presidente Lula. Além disso, estamos a crescer com sustentabilidade fiscal, com o novo arcabouço fiscal já aprovado no Congresso Nacional e com inflação em queda. Já gerámos mais de 1,5 milhões de empregos nos primeiros seis meses e a expectativa é que até o final do ano o Brasil gere, só este ano, 2,5 milhões de novos postos de trabalho. Isso demonstra a pujança da economia e ajuda o crescimento futuro, porque rendimentos novos garantem mais consumo e o consumo é uma ferramenta muito importante para fazer a economia crescer.

Sendo ministro do atual governo, é sempre suspeito nesta resposta, mas a imagem do Brasil melhorou com a mudança política e por isso também a economia melhora com investimentos estrangeiros?
Com certeza. O que sentimos no Brasil é como se estivéssemos com o cinto puxado apertando a barriga. O Brasil folgou um pouquinho o cinto. O presidente Lula faz uma administração mais generosa, uma administração mais paciente, uma administração que conversa, uma administração que ouve, uma administração que respeita as diferenças, uma administração que conecta o Brasil com a sustentabilidade ambiental do planeta, sabendo que o mundo olha para nós com a sensação de que precisamos de proteger porque senão as pessoas vão pagar um preço no mundo inteiro. Isso também, de certa forma, às vezes, encarece a nossa produção. Isso precisa de ser dialogado com o mundo, mas o presidente Lula, com esta administração serena, faz o curso no Brasil andar mais calmamente. Além disso, a nossa própria democracia foi atacada nos últimos anos. As instituições republicanas estão agora a funcionar mais tranquilamente, o que certamente tranquiliza também o investidor nacional e o investidor internacional.

O Brasil tem um sistema partidário de muitos partidos, que impede maiorias absolutas. Por isso é que o seu partido, o PMDB, está nesta aliança liderada pelo PT, mas em que o PT não é um partido tão dominante assim. É complicado estar num governo em que há várias forças políticas a interagir?
Não, acho que complicado é um governo que só tem uma força política, porque aí não tem representação da sociedade. É bom ter um governo amplo. O presidente Lula foi eleito no Brasil agora por uma frente democrática em que ele é a principal figura dessa frente. O PT, que é o partido dele, é o maior partido dessa frente, mas o presidente ganhou a eleição numa frente democrática ampla que defendeu a democracia do país. Já esteve na capa dos jornais brasileiros que, no pós-eleição, o presidente anterior discutiu a tentativa de um golpe de Estado com a participação dos militares. E foi refutado, provavelmente, ainda está em investigação, mas só essa discussão já demonstra o risco que o país correu. Portugal sabe o que isso significa. A América do Sul sabe o que significou a ditadura no Brasil, na Argentina, no Peru, no Chile. Isso tudo são filmes com finais tristes no passado. Não podemos viver isso novamente. Infelizmente, no Brasil isso chegou a ser discutido recentemente. O presidente Lula, com muita sobriedade, reinsere o país internacionalmente. Aliás, ele pronunciou-se na abertura das Nações Unidas exatamente nessa direção.

Aquela ideia de que o Brasil está de volta faz sentido para si?
O Brasil está de volta ao diálogo, de volta para conectar internacionalmente o seu discurso com outros países. O Brasil preside hoje o G20, tem uma relação histórica, é um país carismático. As pessoas gostam do Brasil internacionalmente, mas o Brasil estava fora do debate internacional. Estava a tentar desenvolver-se e a derrubar a Amazónia. Isso as pessoas não querem. Estava a tentar desenvolver-se desrespeitando os direitos trabalhistas, das mulheres, das minorias. Isso as pessoas não querem. Isso o presidente mudou e numa eleição dura, difícil. A extrema-direita no mundo cresceu ao longo dos últimos tempos e no Brasil também, mas a vitória lá é de uma frente ampla. Então sinto-me muito confortável de estar neste governo. Acho que o governo está no caminho certo e está a ser bom para o Brasil.

Como é que funciona o sistema federal no Brasil? Está agora no governo federal, mas já esteve no governo estadual do Alagoas.
O Brasil é uma república federativa. Temos 27 unidades da federação, que são os estados e cada estado tem o seu governador e tem o seu parlamento estadual. Temos também os municípios, que são as cidades, que têm o prefeito que representa o poder executivo, e ainda a Câmara de Vereadores, que representa o poder legislativo.

Mas quando se trata de um grande investimento de uma rodovia que, por exemplo, atravessa vários estados, quem tem competência?
A nossa Constituição estabelece as prerrogativas de cada um dos entes federados. Compete aos estados cuidar das rodovias estaduais e compete aos municípios cuidar das rodovias municipais, aquelas rodovias que levam à zona rural. E compete ao país cuidar das rodovias federais, que cortam mais do que um estado. Este programa que apresentei aqui em Lisboa é no âmbito federal. Cada estado brasileiro tem programas como este para as suas próprias rodovias.

Também podem procurar atrair investimentos estrangeiros?
Com certeza. Estados como São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, Pará, Goiás, os Estados do Nordeste, como a Bahia, Ceará, Pernambuco, todos eles recebem investimentos internacionais. Quando fui governador, concedi o sistema de saneamento básico de Alagoas. Recebi investimentos da Engeia, que é uma empresa com recursos espanhóis. Temos investimentos no Brasil de várias áreas, em vários segmentos e essa distribuição de competências facilita a atração de investimentos para o país.

Alagoas é no Nordeste. A ideia de que o Nordeste é a parte mais pobre do Brasil continua verdade?
O Nordeste brasileiro é a parte mais pobre em rendimentos do Brasil, mas é também a que mais cresce. Enquanto o Brasil vai crescer este ano 3%, o meu estado, Alagoas, vai crescer 7%. Está a crescer acima da média nacional. Cresce com o crescimento de investimento, com obras de saneamento básico, com o fortalecimento do turismo, com programas de educação e de profissionalização. O Nordeste, que no passado foi colonizado primeiro e ficou com marcas ainda da era da escravatura, cresceu durante muito tempo bem menos do que a média nacional. Mas agora, nos últimos 10 ou 15 anos, tem vindo a crescer mais que o Brasil. É uma região que melhorou muito e se modernizou muito. Por exemplo, temos voos da TAP para várias capitais do Nordeste, inclusive para a minha, diretamente de Lisboa para lá, levando turistas e trazendo turistas de lá para cá. E o Nordeste brasileiro tem 30% da nossa população, é uma região que está em franco crescimento e está agora na transição energética a dar grandes exemplos. É a região que mais produz energia renovável eólica, é a região que mais cresce em produção de energia solar e é a região que vai revolucionar a produção de hidrogénio verde no Brasil e no mundo, porque o Brasil tem o maior potencial de produzir hidrogénio verde.

Na Europa não é muito habitual haver o que chamamos de dinastias políticas, mas nos Estados Unidos existem, no Japão existem, no Brasil existem. O senhor é filho de um famoso político. Como é que se torna político o filho de um político? É quase um destino?
Não. Acho que é mais ou menos como outras profissões. Tenho uma formação política um pouco diferente do meu pai, que é um político muito relevante no parlamento, e eu sempre ocupei cargos no executivo. Fui prefeito, fui governador, agora fui eleito para o Senado, mas estou no governo do presidente Lula. É o contacto e a relação com as pessoas, a própria vocação familiar. As famílias têm vocação, às vezes não têm aqui na política, mas têm vocação para produzir na agricultura, no comércio ou ser dono de um restaurante. Isso, obviamente, na sua casa, onde você nasce, sofre uma influência doméstica.

Mas, por exemplo, um nome, um apelido, é importante ainda na hora do voto, porque a credibilidade do pai pode passar para o filho, é isso?
É, no meu caso no início foi muito, mas recentemente acho que tenho transferido mais voto do que recebido.

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