O Banco de Portugal é agora quase tão grande quanto toda a economia
O ano da pandemia foi marcado por uma aceleração enorme do valor dos apoios dos bancos centrais às economias europeias e isso fez crescer o tamanho das autoridades monetárias para níveis recordes. O Banco de Portugal não foi exceção, claro.
As compras de dívida pública e outros ativos à banca por parte da entidade governada por Mário Centeno (seja por via do programa de expansão monetária, seja através do programa especial contra a pandemia) elevaram o valor do balanço do banco central português para o maior nível de sempre.
Analisando apenas o segmento das obrigações do tesouro absorvidas e vendidas/vencidas pelo BdP durante o ano passado, os valores em causa são de facto muito expressivos. Históricos, mesmo.
Ao abrigo daqueles dois programas, o banco central (e os outros da zona euro) conseguem fazer baixar as taxas de juro dos soberanos, secando a quantidade de obrigações que estão em transação nos mercados secundários (de retalho).
Como o BdP (e os seus congéneres, mais o BCE) se comprometeu a reter esses títulos até à maturidade (pelo menos), os balanços das autoridades monetárias aumentam automaticamente e de forma exponencial.
No caso de Portugal, e só na parte que diz respeito à dívida pública, o BdP comprou um total de 19 mil milhões de euros em títulos durante o ano de 2020, o que equivale a um crescimento brutal superior a 183%. Quase triplicou, portanto.
No caso das compras líquidas (descontando, portanto, as vendas e o valor dos títulos vencidos às aquisições brutas) ascendeu a 18,5 mil milhões de euros no ano que passou, ou seja, foi cinco vezes maior que o valor registado em 2019 (apenas 4,3 mil milhões de euros, segundo o BdP).
Assim, em termos nominais, o balanço do Banco governado Centeno cresceu de forma significativa em 2020 e já tem um valor que equivale quase ao produto interno bruto (PIB) anual nominal de Portugal, ascendendo já a 192 mil milhões de euros. A economia portuguesa valia cerca de 202 mil milhões de euros no ano passado, segundo o INE.
"As medidas não convencionais de política monetária implementadas pelo Eurosistema ao longo dos últimos anos continuaram a contribuir para o crescimento dos balanços dos seus bancos centrais", explica o BdP no novo relatório sobre a implementação da política monetária relativo ao ano passado, divulgado esta quinta-feira.
Assim, segundo a mesma fonte, "o balanço do Banco de Portugal atingiu um novo máximo no final de 2020, no valor de 192 mil milhões de euros, o que representa um aumento de 20,5% face ao final de 2019".
"Destaca-se a relevância dos programas de compra de ativos, com o balanço do Banco de Portugal a registar, no final de 2020, cerca de 69 mil milhões de euros em títulos", acrescenta.
Estes 69 mil milhões incluem 54,3 mil milhões de euros via programa de compra de títulos em vigor (APP, do inglês asset purchase programme), que segundo o BdP aumentou 4% face a 2019.
Em cima deste programa principal, o BCE avançou em março do ano passado com outra linha de apoio, de emergência, para fazer face à destruição económica provocada pelos confinamentos decretados pelas autoridades contra a pandemia covid-19.
Assim, o Banco de Portugal tinha no seu balanço mais 14,2 mil milhões de euros em ativos comprados aos bancos (dívida pública e outros títulos) no âmbito desse novo programa especificamente desenhado para responder à crise pandémica (PEPP, do inglês pandemic emergency purchase programme).
O banco central observa ainda que a implementação deste PEPP, anunciado originalmente por Christine Lagarde, a presidente do BCE, em meados de março de 2020, estava a pandemia a começar, "contribuiu para reduzir as taxas de juro da dívida pública da zona euro e para contrariar a subida nos diferenciais das taxas de juro da dívida pública entre os países da área do euro".
Por exemplo, "as taxas de juro da dívida pública portuguesa beneficiaram" deste PEPP, "tendo atingido ao longo do ano valores mínimos históricos".
"A dívida a dez anos de Portugal registou em dezembro, pela primeira vez, uma taxa de juro negativa, tendo terminado o ano num nível ligeiramente superior a 0%."
Face a 2019, o conjunto dos programas especiais de compra de dívida e outros ativos deu um salto monumental.
Este cabaz de programas alivia a vida dos bancos pois permite que estes acedam a dinheiro ultra barato (custo zero, praticamente) e tem feito baixar as taxas de juro de mercado e da dívida pública de forma dramática.
De acordo com cálculos do Dinheiro Vivo, o valor destas compras subiu mais de 29%, avançando de 53,3 mil milhões de euros em 2019 (quando apenas existia o APP) para os tais 69 mil milhões de euros em 2020. Os dados de base são do BdP.
Além do APP e do PEPP, o BCE e os bancos centrais nacionais operam outros programas de cedência de dinheiro.
"A pandemia de covid-19 e os seus impactos económicos suscitaram uma reação imediata do Eurossistema, com o objetivo de contribuir para a estabilização dos mercados financeiros e garantir a disponibilização de crédito à economia", diz o Banco de Portugal.
"Ao longo de 2020, o Eurosistema introduziu diferentes e sucessivos ajustamentos ao enquadramento de política monetária na área do euro".
Por exemplo, foram alteradas as condições da terceira série de operações de refinanciamento de prazo alargado direcionadas (TLTRO-III), criadas operações adicionais associadas à pandemia (PELTRO) e introduzidos ajustamentos no enquadramento de ativos de garantia, alargando o conjunto de ativos aceites".
"Em paralelo, o Banco Central Europeu (BCE) manteve os níveis das suas taxas de juro oficiais em mínimos históricos."
Os bancos na orla do BdP "aumentaram o recurso às operações de cedência de liquidez disponibilizadas pelo Eurossistema que, em Portugal, atingiam 32,2 mil milhões de euros no final de 2020, mais 85% do que no ano anterior". Ou seja, quase duplicaram em valor em 2020.
Na zona euro, esses apoios aumentaram a um ritmo avassalador. O Banco de Mário Centeno refere que subiu "187%, para 1793,1 mil milhões de euros". Quase triplicou o valor, basicamente.
Como referido, o sistema de bancos centrais do euro receberam mais ativos como garantia da liquidez cedido. "Verificou-se também um reforço dos ativos entregues em garantia. Em Portugal, o aumento dos ativos entregues em garantia foi de cerca de 15 mil milhões de euros (+29% do que em 2019), para um total de 67 mil milhões de euros no final de 2020".
Na zona euro, "o total de ativos de garantia mobilizados pelas contrapartes cresceu 68%, ascendendo a cerca de 2.600 mil milhões de euros a 31 de dezembro".