O atentado mais esperado

<strong>Quatro explosões feriram o coração de Londres. Contaram-se ontem 38 mortos</strong>
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Uma sequência de quatro explosões abalou ontem três estações de metro e um autocarro no centro de Londres , causando pelo menos 38 mortos, mais de 700 feridos e um caos controlado no centro da cidade. O atentado terrorista mais esperado, o mais aguardado e temido desde o 11 de Setembro de 2001 em Nova Iorque, consumava-se. Sempre que havia um atentado, sobretudo após o 11 de Março de 2004 em Espanha, a população londrina sentia a angústia de continuar como o alvo mais visível e óbvio do mundo - e as autoridades britânicas reforçavam as medidas de segurança. Ontem, quinta-feira, dia 7 de Julho, entre as 08.52 e 09.17 a ansiedade deu lugar à morte nas profundezas do metropolitano e ao pânico e à angústia nas ruas da City. O coração do Reino Unido não conseguira escapar ao ataque terrorista.

A notícia propagou-se à medida que milhões de pessoas saíam dos transportes públicos de Londres e se espalhavam pela cidade, hesitando em dirigir-se aos empregos ou em voltar para casa. Embora devagar, sem feridos visíveis ou um contacto directo com os locais dos atentados , o caos foi alastrando, perdendo-se qualquer possibilidade de viajar de carro.

A princípio, as autoridades fizeram muito poucas declarações - e cautelosas. O próprio primeiro-ministro só falou ao meio-dia: "Está razoavelmente claro que se tratou de uma série de atentados terroristas", disse Tony Blair, tacteando ainda, para não cometer uma "gaffe" política. O nome Al-Qaeda aflorava a todas as bocas mas nenhuma autoridade britânica ousara pronunciá-lo ainda.

Às 12h15, porém, os contornos fixavam-se: o semanário alemão Der Spielgel informou na sua edição on line que, numa carta enviada a um site "frequentado por islamistas", um grupo denominado como "Organização Secreta da Al-Qaeda na Europa" reivindicava os atentados "em resposta ao envolvimento militar do Reino Unido no Iraque e no Afeganistão".

08.52 - AS EXPLOSÕES. A primeira bomba deflagrou no túnel entre as estações de metro de Liverpool Street e Aldgate, na parte leste da cidade, em plena zona financeira da City. Faltavam oito minutos para as nove da manhã e a capital britânica vivia o pico da hora de ponta: cerca de três milhões de pessoas circulava no metro a essa hora.

Quatro minutos depois explodiu um comboio entre as estações King's Cross e a Russell Square: pouco depois King's Cross começou a ser evacuada e os primeiros rumores de "incidentes" chegavam às redacções. Às 09.17 uma terceira bomba explodiu num comboio dentro da estação de Edgware Road, fazendo saltar a composição e levando-a a colidir com outros dois comboios. A empresa do metropolitano decidiu então encerrar toda a rede. A estação de Edgware Road foi evacuada às 09.30, quando o University College Hospital já se encontrava em alerta total à espera de feridos.

Mas haveria ainda outra explosão, desta vez à superfície: às 09.47 a parte superior de um típico autocarro inglês de dois andares rebentou em chamas na confluência da Upper Woburn Square e da Tavistock Square, em Bloomsbury. Já com o centro de Londres em completo rebuliço, com milhares de pessoas a subirem à superfície e a vaguearem assustadas pela cidade, as equipas de salvamento começavam a retirar feridos do interior da estação de Edgware Road.

Às 10.00 da manhã já ninguém ignorava o que passava. A Grã-Bretanha acordava para o pesadelo, como o mundo. Outra vez.

10.13 - O CAOS URBANO. Jornalistas de todos os orgãos de comunicação, incluindo centenas de correspondentes estrangeiros, tentavam acorrer aos locais dos atentados . Era, porém, quase impossível fazê-lo. O metro parara, a maior parte das transportadoras ferroviárias com linhas para o centro de Londres suspenderam a sua actividade, as ruas atulharam-se de carros e de pessoas. Só a pé se conseguia progredir.

Travis Bomke estava dentro de uma das carruagem do comboio que explodiu na estação de Edgware Road. Ao conseguir chegar à superfície contou que estava na carruagem da frente quando sentiu "uma enorme explosão" na parte de trás, seguida de uma onda de pânico, com pessoas a gritar, a chorar e a pedir ajuda. "Todos os vidros do comboio rebentaram e, a seguir, uma nuvem de fumo negro cobriu toda a área", contou a testemunha. "Algumas pessoas conseguiram rebentar as janelas e as portas, por onde começaram a sair".

Às 10.50 um grupo de jornalistas consegue ouvir um comentário fugaz de um médico que estivera no interior de Edgware. Perguntam- -lhe: "O que viu?" E ele, visivelmente abalado: "Cerca de 90 mortos." A essa hora a confusão generalizara-se, com polícias e centenas de ambulâncias a tentarem romper pelo trânsito, destacamentos militares nas ruas e todos os hospitais em alerta.

Às 11.20 o exército já patrulhava as ruas de Covent Garden. E a polícia metropolitana anunciava que estava a ser organizado um centro especial de atendimento para informar familiares preocupados com o estado e paradeiro dos entes queridos. Afogada por dez milhões de portáteis a procurarem comunicar, há mais de uma hora que a rede móvel de Londres entrara em colapso. Quase ninguém sabia bem o que fazer. Com o aproximar do meio-dia foram para os 'pubs' ouvirem o que Tony Blair tinha para lhes dizer.

12.02 - O VAZIO INFORMATIVO. Passavam dois minutos do meio-dia quando o primeiro-ministro falou. Mas, percebeu-se logo, naquele momento sabia pouco mais do que os cidadãos. No terreno, aliás, o comportamento das autoridades agravava esse sentimento de impotência e desespero: nada era exibido, nada era mostrado, os espectadores do mundo inteiro estiveram horas sem ver um rosto ensanguentado, um escombro, um metal fumegante. As televisões, tão ávidas de sangue noutras ocasiões, pouco mais mostravam do que planos de uma Londres suspensa entre a tragédia e a ignorância, muito longe dos lugares dos atentados .

A informação foi sendo doseada. Os primeiros dados oficiais sobre o número de mortos só foram divulgados seis horas e meia depois dos atentados . E, na televisão, nem um ferido, nem uma cena de pânico. Nada. Só o reflexo do trabalho das equipas de saúde e de segurança e, aqui e ali, uma vítima com máscara para as queimaduras, ou uma maca coberta, ou passageiros ilesos a receberem capas plásticas transparentes. Nada mais.

Passava das 13 quando Jose Di Michele, analista de uma empresa financeira, emergiu à superfíce em King's Cross. Viajava na Picadilly Line quando, ao aproximar-se da estação, sentiu a explosão na rectaguarda do comboio: "As luzes apagaram-se e a carruagem encheu-se de fumo preto", contou. Houve depois uma fuga descontrolada dos passageiros com gritos e muito choro à mistura. Ao chegarem à estação, encontraram-na quase deserta; a polícia já tinha evacuado o local e, agora, ocupava-se a resgatar pessoas dos comboios presos nos túneis. "Estava naquele comboio, não sei onde estava a bomba", repetia. "Podia ter entrado na carruagem onde ela estava... foi uma questão de sorte."

13.12 - A DECLARAÇÃO. Uma hora depois da primeira comunicação Blair voltava à TV, agora rodeado pelos líderes dos restante sete países mais ricos do mundo. "As bombas de hoje não debilitarão, de nenhuma maneira, a determinação em manter os nossos princípios", afirmou. "Ganharemos. Eles não".

Durante a tarde, à medida que a noção do que acontecera se tornou mais clara, Londres começou a organizar o luto... e o regresso a casa. Centenas de milhar a dezenas de quilómetros dos seus bairros, sem metro, sem comboio, sem autocarros e sem táxis, encetaram longas caminhadas de volta. E procuraram expedientes para a facilitar: as lojas de bicicletas esgotaram os seus "stocks", tal foi a procura. "Vendemos tudo hoje", disse o gerente da Evans Cycles, uma loja no centro. "As pessoas estão a fazer tudo para voltar a casa."

ATENTADO TERRORISTA EM LONDRES

Uma história de atentados

Os ataques terroristas não são uma novidade para os londrinos. Desde os anos 70 que a capital britânica é ciclicamente atingida por atentados à bomba. Mas essa era uma questão doméstica, já que a autoria era do IRA. Este é um novo patamar.
 

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