Há dez anos, ou menos, muitos teriam ficado maravilhados com a novidade que 2019 anuncia: a partir de agora, mais de metade da população do mundo vai ter acesso à internet. O problema é que isso não significa aquilo que antes pensávamos. A liberdade de aceder ao conhecimento, formar opinião, criar sabedoria, não está à distância de um clique..Pelo contrário. A única prova que temos, agora, de um efeito generalizado do acesso à rede digital é outra. O preconceito, a violência política, o ódio sobre as minorias, ou os adversários políticos, está a crescer, em todos os cantos do mundo: das Filipinas ao Brasil, dos EUA a Myanmar, da Europa à Índia, da Austrália ao Uganda..Em 2018 o Sri Lanka tentou bloquear temporariamente algumas redes sociais para impedir o crescimento da tensão étnica. O Uganda criou um imposto sobre os utilizadores de Facebook, Instagram, Twitter e WhatsApp. Mas ninguém descobriu, até agora, a melhor forma de fazer a quadratura do círculo: como manter intacta liberdade da rede - e garantir que o pluralismo e a dissidência tenham o espaço que nunca antes tiveram - prevenindo que a internet se transforme na mais eficaz máquina de propaganda?.Em 2019, a União Europeia vai avançar com uma das mais ambiciosas leis que regulam a nossa "e-privacidade". Aí serão criadas barreiras para alguns dos problemas mais sérios deste nosso tempo, como a publicidade "direcionada", os sistemas de rastreio sobre os utilizadores, a utilização de metadados. Ou seja, a nova regulação visa controlar a forma como as empresas (sobretudo as gigantes mundiais Facebook, Google, Apple, Skype, etc.) tratam e lucram com a informação que recolhem dos nossos hábitos online..Porque esse é o grande negócio do futuro próximo: as informações que damos, de graça, a essas empresas, de cada vez que falamos com amigos num chat, compramos um livro online, vemos um vídeo de uma celebridade, é uma nova matéria-prima. Muito valiosa, aliás. Serve, desde logo, para vender publicidade sem margem de erro. Todos vamos ser, como diz a última Economist, "códigos de barras com pernas". Os nossos perfis estão cada vez mais completos - e são vendidos pelo Facebook, por exemplo, a outras empresas. Se aquele cidadão comprou uma coluna Alexa na Amazon, pagou com um cartão de crédito que indicia rendimentos altos e costuma ver vídeos de Nigel Farage no YouTube, então ele deve gostar de ver isto ou comprar aquilo. E pode votar..E essa é a armadilha que ameaça o sistema democrático. Seja para organizar execuções extrajudiciais, nas Filipinas de Duterte, ou para conhecer a demografia exata que deu a Trump uma maioria no Colégio Eleitoral americano (mas não nas urnas), a nossa biografia online é uma ferramenta ao dispor de projetos políticos sem ética..No Brexit, nas eleições em França, em Itália ou no Brasil, já vimos como funciona. Mas veremos mais e melhor em 2019, ano de europeias e legislativas em Portugal. Até aqui era muito fácil propagar, aos milhares, uma foto falsa de uma dirigente partidária, usando um relógio de 20 milhões de euros, pelos cidadãos que não gostam das suas ideias. A partir de agora, será igualmente fácil propagar um vídeo manipulado com declarações falsas de um político. Um vídeo que parece real. Que pode até convencer o mais cético..A desinformação em escala industrial alimenta-se do mesmo ritmo "viral" que faz das grandes redes sociais monopolistas da publicidade. É um negócio. E ajuda a explicar como, de repente, logo após uma crise financeira, muitas das grandes democracias do mundo se tornaram "populistas", "identitárias", "nacionalistas"..A previsão, para 2019, não deixa dúvidas. Todos os euros de publicidade que financiavam os jornais serão usados online. Por isso, em países como a França ou o Canadá, surgem apoios do Estado aos media, com a justificação de que só a "literacia informativa" pode ajudar a combater a mentira online.
Há dez anos, ou menos, muitos teriam ficado maravilhados com a novidade que 2019 anuncia: a partir de agora, mais de metade da população do mundo vai ter acesso à internet. O problema é que isso não significa aquilo que antes pensávamos. A liberdade de aceder ao conhecimento, formar opinião, criar sabedoria, não está à distância de um clique..Pelo contrário. A única prova que temos, agora, de um efeito generalizado do acesso à rede digital é outra. O preconceito, a violência política, o ódio sobre as minorias, ou os adversários políticos, está a crescer, em todos os cantos do mundo: das Filipinas ao Brasil, dos EUA a Myanmar, da Europa à Índia, da Austrália ao Uganda..Em 2018 o Sri Lanka tentou bloquear temporariamente algumas redes sociais para impedir o crescimento da tensão étnica. O Uganda criou um imposto sobre os utilizadores de Facebook, Instagram, Twitter e WhatsApp. Mas ninguém descobriu, até agora, a melhor forma de fazer a quadratura do círculo: como manter intacta liberdade da rede - e garantir que o pluralismo e a dissidência tenham o espaço que nunca antes tiveram - prevenindo que a internet se transforme na mais eficaz máquina de propaganda?.Em 2019, a União Europeia vai avançar com uma das mais ambiciosas leis que regulam a nossa "e-privacidade". Aí serão criadas barreiras para alguns dos problemas mais sérios deste nosso tempo, como a publicidade "direcionada", os sistemas de rastreio sobre os utilizadores, a utilização de metadados. Ou seja, a nova regulação visa controlar a forma como as empresas (sobretudo as gigantes mundiais Facebook, Google, Apple, Skype, etc.) tratam e lucram com a informação que recolhem dos nossos hábitos online..Porque esse é o grande negócio do futuro próximo: as informações que damos, de graça, a essas empresas, de cada vez que falamos com amigos num chat, compramos um livro online, vemos um vídeo de uma celebridade, é uma nova matéria-prima. Muito valiosa, aliás. Serve, desde logo, para vender publicidade sem margem de erro. Todos vamos ser, como diz a última Economist, "códigos de barras com pernas". Os nossos perfis estão cada vez mais completos - e são vendidos pelo Facebook, por exemplo, a outras empresas. Se aquele cidadão comprou uma coluna Alexa na Amazon, pagou com um cartão de crédito que indicia rendimentos altos e costuma ver vídeos de Nigel Farage no YouTube, então ele deve gostar de ver isto ou comprar aquilo. E pode votar..E essa é a armadilha que ameaça o sistema democrático. Seja para organizar execuções extrajudiciais, nas Filipinas de Duterte, ou para conhecer a demografia exata que deu a Trump uma maioria no Colégio Eleitoral americano (mas não nas urnas), a nossa biografia online é uma ferramenta ao dispor de projetos políticos sem ética..No Brexit, nas eleições em França, em Itália ou no Brasil, já vimos como funciona. Mas veremos mais e melhor em 2019, ano de europeias e legislativas em Portugal. Até aqui era muito fácil propagar, aos milhares, uma foto falsa de uma dirigente partidária, usando um relógio de 20 milhões de euros, pelos cidadãos que não gostam das suas ideias. A partir de agora, será igualmente fácil propagar um vídeo manipulado com declarações falsas de um político. Um vídeo que parece real. Que pode até convencer o mais cético..A desinformação em escala industrial alimenta-se do mesmo ritmo "viral" que faz das grandes redes sociais monopolistas da publicidade. É um negócio. E ajuda a explicar como, de repente, logo após uma crise financeira, muitas das grandes democracias do mundo se tornaram "populistas", "identitárias", "nacionalistas"..A previsão, para 2019, não deixa dúvidas. Todos os euros de publicidade que financiavam os jornais serão usados online. Por isso, em países como a França ou o Canadá, surgem apoios do Estado aos media, com a justificação de que só a "literacia informativa" pode ajudar a combater a mentira online.