"O 1,5º não é possível em Glasgow. Por isso é que temo a frase "agora ou nunca""

O ministro do Ambiente e da Ação Climática, que na próxima semana irá participar nas negociações da COP26, fala ao DN do que já se anunciou e do que ainda se pode esperar, lembra o papel liderante de Portugal e da UE em matéria climática e crítica Greta Thunberg.
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Portugal é o único país da União Europeia que não esteve na cimeira dos líderes na COP26. Apesar dos compromissos assumidos na área do clima, esta ausência não passa uma mensagem errada de que o país não acredita que a cimeira possa trazer resultados?
Não passa certamente. Portugal é o primeiro país do mundo que decidiu ser neutro em carbono. Portugal era o país que liderava o Conselho Europeu quando a Europa aprovou a Lei do Clima, com o compromisso de sermos o primeiro continente neutro em carbono em 2050, a reduzir as nossas emissões em pelo menos 55% até 2030. A razão pela qual o primeiro-ministro não foi a Glasgow é evidente. Há uma crise política, eleições para serem marcadas, e portanto ele fez essa opção de ficar cá, que todos percebemos bem. Portugal é líder nesta transição: 60% da sua eletricidade provém de fontes renováveis, temos a meta do 80% para 2030 que a ERSE [Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos] já veio dizer que não vamos cumprir, porque a vamos cumprir em 2025, com a dinâmica que existe vai ser mais rápido. Vamos aumentar muito o nosso orçamento para os países em vias de desenvolvimento, portanto, o nome de Portugal será sempre um nome liderante dentro do papel liderante que a Europa tem que ter no combate às alterações climáticas.

Esses compromissos de que falou, quão avançados estamos e qual o impacto da crise política que citou?
A crise política em si não tem impacto. Se houver por qualquer razão, em função dessa crise política, uma mudança no rumo político do país, aí sim, pode ter e ter muito. Mas para isso conta o resultado eleitoral, não a crise política. Ainda assim, parece-me muito claro que não há espaço no mundo, nem em Portugal, para uma sociedade mais carbónica. Ainda há quem insista que devia haver mais carvão e petróleo e que devíamos parar com estas coisas, mas isso é uma tolice completa, sob todos os pontos de vista. Não quero acreditar que venha alguém, em momento algum, pôr em causa as conquistas de Portugal dos últimos anos. Nós já reduzimos em 32% as nossas emissões. São muito poucos os países que se podem gabar de tal coisa. E reduzimos em 32% com a economia a crescer, obviamente neste último ano e meio vimos de uma pandemia. Fomos dos primeiros países a mostrar o desacoplamento entre o crescimento económico e o aumento das emissões. Porque nos dois anos antes da crise, Portugal cresceu claramente acima da média da União Europeia, enquanto a redução das emissões da UE se centrou nos 4%, a nossa chegou aos 8%. Portanto, somos um muito bom exemplo.

Antes do início da COP26, não estava muito otimista. Está mais otimista depois dos primeiros dias e dos anúncios que já foram feitos?
Em face dos anúncios sim, claramente. A primeira entrevista que dei, há umas duas semanas, faltavam 75 NDC [Contribuições Nacionalmente Determinadas, as metas que cada país apresenta], hoje faltam muito menos e países como a China já entregaram a sua. Isso melhorou bastante. Ouvi os primeiros discursos, gostei particularmente do discurso do secretário-geral das Nações Unidas. Mas fico sempre preocupado quando alguém diz: "ou é agora ou não é nunca". Não concordo. Acho que é essencial que agora se deem grandes avanços, que os compromissos se reforcem. Temos que sair de Glasgow com um número. Nós saímos de Paris com dois números: 1,5 graus é o nosso objetivo, mas o somatório das contribuições de cada uma das partes levará a que o planeta ainda aqueça 3,1 graus até ao final do século. Já sabemos que, na pior das hipóteses, o número com que sairemos de Glasgow é de 2,7 graus, era muito bom que chegássemos aos 2, sendo que dificilmente sairemos com menos de 2,2. A avaliação deste número tem muito a ver com o ritmo. Se em Paris disséssemos que os 3,2 graus de hoje, daqui a cinco anos vão ser 2,2, essa era uma boa notícia. Era sinal de que os países e as partes já tinham feito muito do seu trabalho. Agora, a velocidade conta muito. E ao longo destes anos fomos sabendo, e este ano foi evidente, que o ritmo de aquecimento da Terra é maior do que aquilo que supúnhamos em Paris. O caminho vai na direção certa? Vai. Há quem já tenha feito compromissos estruturados? Sim. E a União Europeia é a líder desses compromissos. O Sr. Joe Biden diz que quer liderar, mas não vai. Acho muito bem que tenha esse propósito, que os EUA façam o que não fizeram, mas o compromisso do Sr. Biden é metade do compromisso da UE. Portanto somos nós que vamos liderar. É essencial para o crescimento económico nos anos mais próximos.

Mas esse 1,5º é possível em Glasgow?
Esse 1,5º não é possível em Glasgow. Não é possível e, com todo o respeito, será um wishful thinking. Por isso é que temo a frase "agora ou nunca", porque a frase pode dizer "bom, não foi agora, então é nunca". E era o que mais faltava. Não vai ser agora o 1,5º, mas daqui a cinco anos será certamente possível. Não vamos em situação alguma depreciar aquilo que já fizemos. Temos obviamente que continuar a trabalhar para chegar lá o mais depressa possível, de maneira estruturada, e sem deixar ninguém para trás. O que não é nada irrelevante.

A cimeira não será um fracasso?
Nós temos ainda coisas muito importantes para discutir, diferentes deste número. O livro de regras de Paris tem que ficar encerrado. Era para ter ficado em Madrid e não ficou. Os mecanismos de transparência têm mesmo que ficar fechados agora. Eu percebo que há países com ritmos diferentes, com compromissos, no limite, por razões políticas, diferentes. Agora, as regras de avaliação do que é que faz um país e outro têm que ser absolutamente iguais, seja para um país com baixo nível de desenvolvimento ou com elevado nível de desenvolvimento. Não pode ser de outra forma. Também é preciso olhar para aquilo que são os créditos de carbono acumulados desde Quioto. Muitos deles feitos com as melhores das intenções. Mas sem qualquer métrica que nos possa hoje dar a certeza que foram bem estimados. Por isso, temos que retirar do mercado de carbono a maior parte desses créditos. Na minha opinião devíamos retirar a totalidade. É uma opinião para discutir e para chegar a um acordo. Não podemos é assumi-los todos como se fossem créditos muito bem estimados, porque não são.

Foi isso que falhou na COP25...
Sobretudo a definição de critérios claros para a apreciação de todos os créditos de carbono que foram gerados a partir de Quioto. Porque há países com uma enorme biodiversidade, é um facto, estou a pensar no Brasil, por exemplo, que muito depressa geraram esses créditos de carbono que hoje sentem que têm uma fortuna na mão, que lhes permite continuar a poluir, mas com toda a fraqueza, essa fortuna foi estimada de maneira demasiado caseira, sem arbitragem internacional, portanto não pode ser assim.

Mas será possível agora a acordo?
Temos que o fazer.

Não será então uma cimeira do "blá-blá-blá" como disse a ativista Greta Thunberg, uma expressão também já usada pelo primeiro-ministro britânico, Boris Johnson...
Confesso que as declarações que ouvi na segunda-feira da Greta Thunberg, a dizer que a liderança está na rua... eu não sei o que é que ela quer dizer com isso. E confesso que não fiquei nada bem impressionado. Se ela acha que o que está lá dentro é "blá-blá-blá", o que está lá fora é diferente de "blá-blá-blá" em quê? A liderança está na rua? A liderança faz-se com a eliminação das instituições? Desculpem lá, eu gosto muito da democracia e não tenho a certeza de que quem se pronuncia dessa forma tem a paixão pela democracia que eu tenho.

Nesta cimeira já foi anunciado um acordo contra a desflorestação e um compromisso de um corte de 30% das emissões de metano até 2030. São duas boas notícias?
São claramente duas boas notícias. Falar em neutralidade carbónica não é só falar em redução de emissões. É também falar no crescimento e na estruturação da capacidade de sumidouro, que é essencialmente florestal. Portanto, quanto menos desflorestação existir, ganhamos duas coisas. Por um lado, objetivamente uma capacidade de retenção de carbono e, além disso, uma estabilidade nessa mesma captação de carbono. No que diz respeito à redução do metano, sabemos bem que se falamos essencialmente de gases carbónicos, estes não são os únicos que provocam aquecimento. E esse valor é da maior importância.

Falou em Portugal aumentar o valor disponibilizado para os países em vias de desenvolvimento, em causa está triplicar o valor, tendo como alvo nomeadamente os PALOP. Outro dos números que se fala na COP26 é dos cem mil milhões de dólares anuais que era suposto os países mais desenvolvidos garantirem aos mais pobres. Acha que será possível chegar a esse valor em Glasgow, quando na realidade esse número já é insuficiente?Aqui
o regresso dos EUA ao Acordo de Paris é de maior importância. Quando os EUA saíram do Acordo de Paris, foi muito evidente que a sociedade americana não acompanhou a vontade da sua administração. Houve estados que continuaram a ser campeões da redução das emissões. Agora, quem disponibiliza dinheiro são, em primeira linha, os países. Daí o regresso dos EUA ser essencial. Portugal tem uma política muito própria, que é a de apoiar projetos de forma direta. Eu sou um cético do Fundo Verde das Nações Unidas. É um grande guarda-chuva de dinheiro, em que para aceder há um conjunto de exigências tal que me parece muito evidente que uma parte significativa desse dinheiro fica nos países doadores. Quando a complexidade de uma candidatura é de tal sorte que é preciso contratar uma universidade de um país doador... alguma coisa não está bem. Portanto, preferimos a ajuda direta a projetos concretos, relativamente aos quais temos obviamente sentido crítico, e onde tentamos envolver ao máximo organizações, empresas e instituições portuguesas. Mas claramente são decididos e desejados por esses mesmos países. O paternalismo é muito mau na cooperação. Aquela ideia de que "eu sei o que é que tu queres," é de facto uma ideia má, pífia até. E foi isso que resultou de Copenhaga. Por isso é que Paris é tão excecional. Porque Quioto é um acordo de ricos, Copenhaga é um acordo em que os ricos dizem aos pobres o que eles têm que fazer e Paris é um acordo multilateral. Para além daquela fotografia muito simpática do presidente [Barack] Obama no final das negociações com outros chefes de Estado e de governo, não ficou mais nada. De Copenhaga não ficou mesmo nada. Aí sim, foi "blá-blá-blá".

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