Acontece-me sempre que vou ao Porto por razões de trabalho: faço os meus planos, calculo o tempo dos compromissos e defino a hora a que estarei de volta a Lisboa. E normalmente chego seis a 12 horas depois do que previa, com a barriga cheia para uma semana, um ligeiro complexo de culpa - não suficiente para me matar o sorriso de satisfação - e a sensação de ter passado o dia entre amigos. E com Nuno Botelho, homem experiente nas artes da mesa e dos negócios, de conversa pronta e alma aberta, não podia ser de outra forma..Quando veio ao meu encontro no lindíssimo Palácio da Bolsa, sede da Associação Comercial do Porto (que lhe desenhou o anteprojeto) desviando-me dos turistas que começam a regressar aos poucos para se maravilharem com a arquitetura que arrancou em 1842 e cuja construção se estendeu por três gerações para dar vida a um edifício merecidamente classificado pela UNESCO como Património da Humanidade - um dos mais procurados monumentos do Norte, tendo recebido, em 2019, meio milhão de visitas -, já trazia engatilhado o inevitável prolongamento da minha estada enquanto me guiava pelos traços neoclássicos e apontava peças de Serralves que ali repousam à vez em exposição temporária..Bebendo do Direito em que se licenciou, na Católica do Porto (a que somou uma pós-graduação em Banca, Bolsa e Seguros, pela Universidade de Coimbra), e juntando-lhe a larga experiência adquirida no turismo e nos vinhos, vai relatando as aventuras pelo mundo das publicações da especialidade e a conquista da revista Gula no Brasil, uma espécie de Guia Michelin local que juntou à sua Essência do Vinho. Esta, fundou-a aos 27 anos e é a âncora através da qual tem afirmado os vinhos nacionais e o seu Porto do coração, incluindo o maior evento nacional na área e a Revista de Vinhos..Na varanda que se debruça sobre o centro histórico da cidade, fazemos horas para um brunch que é na verdade almoço - que aqui não se faz a coisa por menos -, acompanhando o relato a canapés de fazer água na boca (crocantes de alheiras com sementes de sésamo e chutney de cebola e vinho do Porto; gambas envoltas em esparguete de batata com molho agridoce; mini-empadas de queijo de cabra com pólen de flores e mel; tártaro de salmão fumado sobre blinis) e Porto Tónico..A gastronomia é o que une as vontades e as atividades de negócios de Nuno Botelho - e está sempre a pensar no que pode acrescentar, como trazer valor. Reconhece-se no seu discurso essa vontade de sempre melhorar, seja no que dele depende diretamente seja nos destinos do país, que vê num momento particularmente difícil apesar de todo o potencial que tem para se engrandecer. E se nesta ambição maior é mais difícil agir - faz o que pode, partilhando a sua visão no programa semanal de debate com Carvalho da Silva, Conversas Cruzadas (Renascença), na RTP3 e nas colunas de opinião que escreve no JN e no Dinheiro Vivo, ambos do GMG, e ajudando as empresas a cumprir a sua missão, através da Associação comercial do Porto, a que preside há oito anos -, no seu universo empresarial está constantemente a dar passos maiores. Como a escola de chefs que se prepara para abrir ali na ACL, a mais antiga associação do país, com 187 anos, e que nele encontrou o seu mais jovem líder..Outra curiosidade da sua liderança - talvez não tão apreciada e apregoada pelos demais - é ser benfiquista ferrenho, herança da família paterna, de avô lisboeta. Nem uma vida no Porto e com constantes abordagens o empurraram a mudar, mas nos filhos - uma rapariga e dois gémeos - já prevaleceu a querença da mãe, advogada e portista..Nuno chegou à Associação aos 38 anos, sucedendo a Rui Moreira quando este saiu para a câmara do Porto e pela mão de quem entrara na organização logo em 2004. "Foi uma história curiosa", conta, enquanto no sentamos à mesa posta com todo o requinte na magnífica sala do Palácio da Bolsa, e nos servem um Soalheiro Verde Primeiras Vinhas. "Estava eu a passear na Foz uma semana depois de ter deixado a autarquia - ao fim do primeiro mandato de Rui Rio - e a pensar no que iria fazer a seguir, quando nos cruzámos. Estávamos em 2014 e eu tinha lançado a Essência do Vinho, mas não imaginava que iria viver disso, era um evento com uma edição apenas, um projeto nascido dos tempos em que estive na Exponor e entendi que havia espaço para se fazer uma feira para consumidores. Esse projeto tinha-me levado a uma série de reuniões com Rui Moreira, que logo abraçou o evento e fez questão de fazê-lo em parceria connosco, mas não havia grande intimidade. Por isso, quando ele me abordou ali na Foz e disse que queria convidar-me para trabalhar com ele e me ligaria no regresso de uma viagem ao Brasil foi uma surpresa. Mas de facto, 15 dias depois, ligou-me, fomos jantar e ele fez-me um convite que me permitia conciliar a ACL com a Essência do Vinho e a coisa concretizou-se logo. Estava no lugar certo à hora certa.".Nuno simplifica, mas a escolha de Moreira tinha razão de ser na criatividade, no pensamento construtivo, na vibrante capacidade de fazer acontecer que decerto lhe reconheceu - e que o levou a puxá-lo também para a campanha quando, em 2013, se candidatou à autarquia pela primeira vez. "Foram tempos muito duros, mas correu bem", recorda, dessa experiência de diretor de campanha que lhe deu um mais amplo conhecimento de Moreira, a quem aponta enormes virtudes e clara capacidade de voltar a ganhar a autarquia..Não foi, portanto, surpreendente que se perfilasse como o sucessor reconhecido e aclamado na liderança da Associação Comercial do Porto, cargo não remunerado mas que o obriga a dividir o tempo geometricamente entre a ajuda às empresas e a Essência do Vinho, cuja gestão partilha com o sócio, Nuno Pires (também editor da Revista de Vinhos)..Diz que se tem uma qualidade é saber gerir o tempo: "Sou muito alemão nisso, muito pontual; marco início e fim das reuniões e cumpro sempre, sou muito pragmático a gerir." É a única forma de conciliar a empresa e os sempre novos projetos com as deslocações, representações, encontros, receções e reuniões a que a ACL o obriga. Sobretudo desde que mudou o seu escritório do outro lado Jardim do Infante Dom Henrique para o bairro da Boavista, na alta da cidade..Com um carpaccio de polvo a tentar-nos, leva-me a passear pelos temas que marcam a atualidade. A crítica enérgica e construtiva a marca o discurso, diferente do que lamenta ver em quem tem palco, com destaque particularmente negativo para a oposição, a quem não vê nenhum projeto de fundo ou linha de pensamento para o futuro do país. Diz que os estímulos ao interior estão montados ao contrário - "quando houver empresas, investimento e produção, vêm os serviços públicos". Passa pela Groundforce, que não entende porque não se deixa cair, e pela TAP - "devia assumir-se que só serve Lisboa e dar às regiões de turismo capacidade para pagar a outras companhias que assegurassem rotas, ligações, voos transatlânticos; ganhava-se viabilidade e o plano de reestruturação ficava a custar metade!". Critica o constante foco político na função pública e nos pensionistas apenas para garantir os seus votos e deixando desamparadas as empresas, sem as quais não há trabalho nem se produz ou desenvolve o país. "É inaceitável que em 2021, e por razões ideológicas, vamos dar mais dinheiro à TAP do que a todas as empresas do país, não cabe na cabeça de ninguém", lamenta..Considera, apesar de tudo, que os apoios em pandemia funcionaram e isso lhe permitiu manter todas as 32 pessoas que trabalham na Essência do Vinho, mesmo que a faturação tivesse caído de 6 para pouco mais de 1 milhão no último ano. Não sendo "empresário na Alemanha", onde as condições são bem diferentes, não se queixa, ainda que reconheça a dificuldade destes tempos em que se trabalha mais do que nunca e se produz tão pouco. "Mas estas também são as alturas certas para refundar, organizar, lançar projetos. E nós ajustámos e acredito que quando vier a retoma estaremos mais fortes e saudáveis, e vamos subsistir.".Chega-nos o pequeno tornedó de vitela branca sobre esmagado de batata e castanhas com molho moscatel, um fantástico Quinta do Crasto Tinto Vinhas Velhas a acompanhar, e inevitavelmente a conversa que já por aí se metia assume-se abertamente política. Nuno Botelho lamenta a falta de preocupação do PSD em mais do que a espuma dos dias, a falta de propostas para o PRR que apontem ao crescimento. "Não há nada estratégico no discurso de Rui Rio. O governo dança a sua música e se ninguém levanta ondas, não vai mexer. Eu defendo o que dizia Álvaro Beleza ao Dinheiro Vivo: a captação de investimento estrangeiro é que nos faz falta. Como é que vamos convencer alemães e italianos a vir aqui instalar indústria? E não há uma pessoa a falar disso", lamenta..Quanto à agenda da esquerda, é sempre feita em oposição às empresas. "Vão chamar-me extremista, mas dizem que não há gente para trabalhar quando vemos pessoas que passam o dia no café porque recebem o rendimento mínimo e não querem trabalhar. Repete-se que os patrões pagam pouco, mas isso é o contrário do que os empresários querem. Acontece que é impossível pagar bem com esta fiscalidade, ser competitivo com os custos altíssimos de impostos, eletricidade, combustíveis, etc. Eu digo estas coisas e chamam-me fascista, mas a verdade é que as pessoas estão a viver pior, o país está falido, sem rumo. E é por isso que André Ventura não larga o discurso que o faz subir mais e mais.".Vê essa tendência potenciada pela falta de ideias de PSD e CDS, que abre espaço à direita que o Chega representa - e em que vê tantos perigos para o país quantos os que encontra na extrema-esquerda. "Como é que se pode ter competitividade em Portugal com anos de Orçamentos do Estado aprovados por BE e PCP? Isto é gravíssimo, o custo é tremendo para as empresas e para as pessoas, para o governo funcionar.".O crumble de maçãs com molho de baunilha e frutos vermelhos frescos vem adoçar-nos o rumo da conversa, emparelhado com um Porto Graham"s 20 Anos, que empurra Nuno Botelho para o lado que mais gosta, o de ajudar a construir - "Gosto de pensar os assuntos da região e do país, de pensar como podemos ajudar a que as coisas corram melhor face aos desafios que enfrentamos", assume. E lamenta que essa ambição não se vislumbre no PSD de hoje.."O PSD tem de mudar. Não sei por onde, mas tem de mudar", vinca, recusando ter ele próprio ambições políticas e sugerindo que talvez Montenegro ou Paulo Rangel pudessem ganhar créditos no partido. E Moedas, o candidato à câmara da capital? "É bom, mas não o vejo a liderar o partido", diz o empresário, ainda que lhe encontre capacidade, inteligência e talento para fazer difícil a vida a Fernando Medina, com quem andou na escola..Tendo ele o turismo como prato principal nos negócios, acredita que Lisboa tem seguido uma má estratégia nessa área porque, ao contrário do Porto, que soube transbordar turistas para o Douro, para o Minho, para outras zonas da região, quis aglutinar e absorver tudo. "E tornou-se numa panela de pressão." É por isso que considera que a cidade é a maior vítima de si própria. Já com os cafés bebidos e os segundos a caminho, conclui: "Quando no Porto dizemos que não pode ser tudo para Lisboa, não estamos a ser provincianos, estamos a pensar no bem de todos. E na fatura que Portugal está a pagar, porque se está a saturar a capital e isso paga-se caro."