"Nunca serei um problema no congresso do meu partido"
Foi recentemente homenageado na Assembleia da República por ser o deputado há mais tempo, está lá desde a Constituinte, em 1976, quando iniciou a sua carreira política deixando a vida de operário metalúrgico. Ainda conta fazer as próximas eleições autárquicas como secretário-geral do PCP? Sei que vai dizer que a resposta a essa pergunta não depende única e exclusivamente de si, depende do coletivo, e percebo que seja verdade e sincera a sua resposta. A pergunta é: pessoalmente, tem vontade de ainda fazer essas eleições como secretário-geral do PCP?
Quero dizer que a questão do secretário-geral não está colocada. Devo dizer ao Diário de Notícias e à TSF que a questão do secretário-geral não será um problema no congresso do PCP.
Não é uma questão para o próximo congresso?
Não será um problema, independentemente de qualquer solução.
O que é que isso quer dizer? Tem disponibilidade para ver essa questão discutida no interior do partido e, se achar que a solução melhor passa por encontrar um novo secretário-geral, não levantará nenhum obstáculo? É isso?
É evidente que nunca levantaria. Quem me conhece sabe bem que estou aqui para servir o meu partido dentro das suas decisões, mas a dificuldade de resposta é que, de facto, não está em questão. Não discutimos isso, ainda não iniciámos a discussão sobre o congresso, que será para o ano, mas a única garantia que posso dar ao Diário de Notícias e à TSF é que nunca serei um problema no congresso do meu partido. E que, alterem-se ou não as responsabilidades, a única coisa que sei é que continuarei a dar o melhor que tenho ao meu partido.
Ou seja... já está a pensar no que vai fazer com o tempo livre que vai ter?
[Risos] Não estou a ver tempo livre nenhum nos próximos tempos, antes pelo contrário, com tanta batalha eleitoral - presidenciais, autárquicas -, as questões do reforço da organização do partido como condição estratégica... Quanto às soluções, enfim, o meu partido determinará. Mas encaro isso com uma grande normalidade, na certeza de que tudo o que puder dar até ao limite das minhas forças será dado ao Partido Comunista Português.
O PCP ficou mesmo com a fava deste bolo que foi a geringonça?
Não, não é rigoroso afirmar que os resultados da CDU têm implicações naquela fase da vida política nacional, os quatro anos de 2015 a 2019. E aquilo que nós dizemos com uma grande convicção é que valeu a pena o nosso papel, o nosso empenhamento, a nossa intervenção, logo a partir de 2015. Havia um clamor nacional da maioria dos portugueses que se queriam ver livres de um governo que infernizou as suas vidas durante quatro anos, em que o lema principal das grandes manifestações começou a ser a exigência da demissão do governo. Daí o nosso empenhamento neste processo em que, para afastar o governo PSD-CDS, havia que encontrar uma solução institucional. Daí aquela afirmação de que o PS só não formava governo se não quisesse. Foi um processo muito atribulado, o Presidente da República de então, Cavaco Silva, pressionou, ameaçou, com a exigência de que era preciso um papel. O PS acabou por ser confrontado e acabou por propor isso, mas convém lembrar que aquilo não era nenhum acordo parlamentar, um acordo PS-PCP ou um acordo de esquerdas. Não.
Muito menos uma coligação formal.
Muito menos uma coligação, na medida em que do que se tratava era de fazer esse tal papel que tem umas referências mínimas. Porque, naturalmente, não nos limitámos a exigir o afastamento do governo do PSD, mas também a encetar uma política de reposição de rendimentos e direitos.
Valeu a pena para o país. Valeu a pena para o PCP?
Alegramo-nos muito de ter dado uma contribuição positiva nalguns avanços de grande significado - reposição de rendimentos e direitos, alguns deles que se consideravam perdidos para todo o sempre. Isso é uma razão para que valorizemos o nosso papel nesse processo. Quanto à comparação com os resultados que a CDU teve, que ficaram muito aquém daquilo que nós perspetivávamos, há causas: naturalmente existirão deficiências nossas, dificuldades, mas pesou muito neste resultado a campanha brutal a que o PCP foi sujeito, não por razões de ordem política ou ideológica, mas com recurso à mentira, à calúnia, à difamação, por parte de alguma comunicação social, não digo toda, mas alguma. Uma das televisões chegou a dar três horas de entrada de telejornais com o processo das câmaras e o que tentou ofender o secretário-geral do PCP e o primeiro candidato ao Parlamento Europeu, o camarada João Ferreira. É daquelas coisas que mais magoam, porque com a idade que tenho e os anos que aqui ando sou uma pessoa normal, com virtudes e com defeitos, mas tenho da política uma visão que sempre marcou a minha conduta - a de procurar sempre servir os interesses dos trabalhadores e do povo e não servir a mim próprio. Esta marca da diferença foi contaminada por essa calúnia, por essa mentira, aliás, comprovada até por um parecer, embora tímido, da própria ERC, que reconhecia a razão ao PCP. Isso marcou muito, porque a semente da dúvida, do boato, projetada à escala de milhões, naturalmente teve reflexo no nosso resultado.
Está cansado?
Não, cansado não. Há o cansaço natural da campanha eleitoral, mas isso é facilmente compreensível. Não me sinto cansado, não me arrependo da contribuição que dei, mas, naturalmente, neste processo fiquei magoado porque me atingiu no plano ético, no plano moral, que era para mim um bem adquirido, o prémio, se quisermos, desta vida intensa que tive nestes anos de Abril e que foi atingido por essa campanha insidiosa que naturalmente deixa sempre marcas.
E a que o partido não conseguiu reagir a tempo e horas.
Não porque a campanha não era para ouvirem o PCP ou para me ouvirem, era uma campanha para me perguntarem: "O fulano de tal é seu genro?", " O fulano de tal é pai do João Ferreira?". Era isto que perguntavam.
Tinha quase um lado de ataque pessoal?
Era pessoal, naturalmente, mas com objetivos políticos muito mais vastos. Ou seja, este bem precioso de não sermos iguais aos outros, de estarmos na política de facto para servir e não para nos servirmos, ficou abalado porque foram muitos os portugueses que, pelo menos, ficaram com a dúvida.
O eleitorado da CDU é mais próximo do partido, mais fiel. Não seria o que deveria ficar menos afetado?
Admito que muita gente boa, gente até com a intenção de votar na CDU pela primeira vez, ficasse hesitante e com dúvidas. No momento em que se diz que são todos iguais, isso é um fator de desmobilização compreensível. Digo com grande franqueza que não fora a campanha, particularmente os 15 dias finais, onde a organização do partido, os ativistas da CDU, deram uma contribuição inestimável, o resultado teria sido diferente para pior.
Já disse que os resultados não foram aqueles que o PCP obviamente desejaria. O que é que o partido está a fazer para mudar isso?
Em primeiro lugar, não abdicamos de continuar, com os deputados que temos, a procurar manter a intervenção, a iniciativa, designadamente no plano legislativo, que possa permitir a continuação deste caminho de avanços que se verificou, e acrescentar outros novos. Por isso mesmo, apresentámos um conjunto de iniciativas de grande valor em torno da valorização do trabalho e dos trabalhadores, em torno das respostas sociais, como as creches para crianças até aos 3 anos, de procurar salvar o Serviço Nacional de Saúde com o reforço de profissionais de saúde que tanta falta fazem, de procurarmos, no que respeita aos transportes, dar novos passos adiante em relação à redução do tarifário... Ou seja, como disse assim a traço grosso, um conjunto de iniciativas, no quadro de relação de forças que atualmente existe, que podem determinar o êxito ou o inêxito dessas iniciativas, desses objetivos. Mas aqui estamos, não ficámos paralisados nem tristes a um canto, antes pelo contrário, estamos aqui para os combates que aí vêm.
Há um dado importante, ainda sobre estas eleições, sobre o qual gostava de o ouvir: o PCP perde nalgumas zonas onde o Chega acaba por ganhar, sobretudo no Alentejo, que é um bastião comunista. Como é que se explica esta realidade?
Creio que é manifestamente exagerado dizer que o Chega fez uma penetração no eleitorado da CDU.
Houve bolsas vistas tradicionalmente como sendo do eleitorado da CDU que se mudaram para um partido que não terá muito que ver com aquilo que é esse eleitorado...
Há fatores objetivos e subjetivos que determinam o comportamento eleitoral. Se existem populações que foram afetadas por atos de insegurança, de vandalismo, e se alguém potencia isso com sentido racista e xenófobo, obviamente que há pessoas que podem ser atraídas por esse discurso populista, reacionário, que possa determinar este ou aquele sentido de voto. Mas não foi à escala geral.
Mas é assim que olha para o Chega, como um partido de extrema-direita, um partido populista? Como é que o enquadra?
O que eu posso dizer é que o melhor esclarecimento que pode haver para os portugueses é lerem o seu programa, os seus objetivos, desde rasgar a Constituição da República, procurar liquidar o SNS. Tanto o programa do Chega como o do Iniciativa Liberal indiciam claramente uma posição retrógrada, passadista, procurando destruir as grandes referências de Abril. Ora, não acredito que existam portugueses que estejam de acordo com o rasgar da Constituição, com o capitalizar o descontentamento, situações que são menos boas e que se têm verificado, através de uma via populista e reacionária. Como digo, é fácil chegar e criticar a comunidade cigana, é fácil levantar o problema dos imigrantes com discursos e tiradas de taberna e capitalizar alguns votos.
É fácil fazer isso, mas é difícil responder a isso?
Não entendo que se dê tanta visibilidade a esses partidos ou grupos, que têm tido uma cobertura excecional, e é por aí que eles podem crescer e avançar.
Esses três novos partidos que estão no Parlamento são o sintoma de mais pluralidade, com mais vozes, ou é o início de uma mudança que não é assim tão boa?
Continuo a confiar muito no povo português, que terá a inteligência e o discernimento suficientes para perceber que a solução dos seus problemas nunca passará por aí, nunca passará por esses dois partidos, por essas duas novas expressões parlamentares.
Por acaso são três, o Livre, o Chega e o Iniciativa Liberal.
Procurei aqui separar um pouco o Livre, independentemente do posicionamento crítico que temos em relação à sua visão, mas não o ponho no mesmo saco.
Crê que o Parlamento se está a radicalizar ou, pelo contrário, não está a saber responder a esse discurso mais radical?
Acho que e mais a segunda hipótese porque, de facto, são novidade e estes elementos perturbadores com grande visibilidade, naturalmente que têm algum impacto. Mas depressa o Parlamento se vai adaptar a essa realidade e agir em conformidade. Sem discriminações, mas com firmeza, tendo em conta a Constituição da República, tendo em conta o papel que a Assembleia da República tem no nosso regime democrático.
O PCP tem "ciúmes" da atenção mediática que tem sido dada ao Livre e nomeadamente à sua deputada?
Não temos ciúmes. Há ali uma situação muito sensível, como é compreensível, em que ninguém quer assumir qualquer papel de cavalgar sobre uma dificuldade real que existe.
Está a falar da Joacine Katar Moreira que obviamente tem um problema de gaguez.
É um problema que num parlamento onde fundamentalmente se fala é uma dificuldade objetiva. O que não significa que não tenhamos de ter em consideração essa realidade, essa dificuldade, procurando permitir espaços de intervenção, mas naturalmente é um elemento novo. Acho que o Parlamento tem dificuldade em agir, mas acho que vai acabar por se normalizar porque essa dificuldade não deve impedir a senhora deputada de exercer plenamente o exercício do seu mandato. Embora, como digo, seja uma dificuldade porque no Parlamento é onde se fala mais.
Acha que esse problema e o facto de ser mulher, africana, etc., explicam a eleição de um deputado por parte do Livre?
Não vou fazer juízos de valor. O Livre não é novidade, já concorreu a outras eleições e não elegeu, desta vez elegeu...
Por ter eleito desta vez é que lhe estava a fazer a pergunta, precisamente.
Não sou capaz de medir o pulso do eleitorado do Livre, mas com certeza algum efeito teria.
A verdade é que a chegada do Livre ao Parlamento pode ser sinal de que tanto o PCP como o Bloco de Esquerda poderão também estar a perder eleitorado à esquerda.
Não sou capaz de fazer essas contas em termos de perspetiva. Acho que o Livre não é, digamos, um concorrente destacado contra a CDU.
Esse continua a ser o Bloco de Esquerda?
Não, o BE faz de facto concorrência muito de perto em relação às nossas iniciativas, às nossas prioridades. É fácil verificar que o Bloco nos acompanha em muitas iniciativas, mas o Bloco faz pela vida e nós, naturalmente, temos de fazer pela nossa e pelos trabalhadores. Não temos um problema com o Bloco.
A Joacine Katar Moreira diz que quer acabar com a masculinidade no Parlamento. Há um problema de masculinidade no Parlamento, na sua opinião?
Sinceramente acho que não. Não estou aqui a discriminar ou a pôr-me em bicos de pés, mas não temos esse problema. Aliás, a própria composição da Assembleia da República alargou a participação do número de mulheres. Acho que é um fator positivo, embora continue a considerar que isso não devia ser por quotas, mas pela capacidade que as mulheres têm, e têm muitas e muitas. Desde a fábrica que conheci onde trabalhava uma maioria de mulheres, aprendi muito com o sentir, com a forma de agir das mulheres, particularmente daquelas mulheres operárias. Depois, na própria Assembleia da República não sinto que haja ali nenhum anátema nem nenhum condicionalismo para a participação e para a intervenção das mulheres.
Gostava de ter reeditado a geringonça ou ainda é cedo para dizê-lo?
Nunca concordámos com o termo, embora depois se popularizasse, porque partiu de um pressuposto errado. O Partido Comunista Português teve o papel que teve nessa nova fase da vida política nacional. Desde o primeiro encontro que tivemos com o Partido Socialista que ficou clara a nossa autonomia, a nossa independência, com base numa ideia básica e fundamental: o PS pode contar connosco naquilo que for positivo para os trabalhadores e para o povo, não contará connosco em situações em que haja prejuízo para os trabalhadores e para o povo. É esta a matriz que determinou a nossa ação e a nossa intervenção. Hão de reparar que em momentos importantíssimos o PS voltou à barriga da mãe, passe o termo, fosse em relação à restruturação do Banif, fosse em relação ao conflito entre a Uber e o táxi, em relação à legislação laboral, enfim, onde houve questões de fundo marcantes para o mundo do trabalho, mais uma vez houve ali a convergência, essa sim objetiva, por parte do PS com o PSD e também com o CDS. Portanto, não havia nenhuma exigência nem nenhum acordo escrito, nem a integração em qualquer dita maioria de esquerda, ou acordo parlamentar, ou um acordo com o PS secreto ou não secreto. Não. Não havia nada disso. Havia uma clareza do nosso ponto de vista, estávamos interessados em avançar, claro, e isso tinha de ser feito com o PS. Há uma questão que determina bem aquilo que eu estava a dizer: quando se tratou da questão do Orçamento do Estado, o PS queria naturalmente que nos comprometêssemos em aprovar. Dissemos que não, que disponibilizávamos para um exame comum, mas sem compromisso, porque será o produto final que determinará a nossa posição de voto. Isso ficou claro para o PS, que, naturalmente, fez um esforço, seja em sede de Orçamento seja em relação à consagração de avanços, que acabou por justificar a nossa posição de voto em relação ao Orçamento. Mas quero sublinhar isto com muita força: não havia, de facto, nenhum acordo prévio, havia a possibilidade de conversar, de procurar posições convergentes, o que veio a verificar-se nalgumas matérias, noutras não.
Então nada mudou entre a anterior e a atual legislatura?
O nosso posicionamento não mudou. Enfim, o quadro político é diferente, não foi preciso assinar nenhum papel, não houve nenhum problema de entrada em funções do governo...
Digamos que o namoro já estava assumido.
Aquilo que era claro para nós manteve-se claro, e aquilo que era claro também para o PS em relação a nós não dá azo a nenhuma desilusão.
Ou seja, o PS, na legislatura que está agora a ser iniciada, pode contar com o PCP nos moldes em que contou na legislatura anterior?
Pode contar com esta disponibilidade para não desperdiçar nenhuma oportunidade para que esses avanços prossigam. O PS sabe que não pode contar connosco para aquilo que caracterizamos como política de direita, de medidas que beneficiem o capital e prejudiquem os trabalhadores, de prejuízo tendo em conta as orientações da União Europeia, seja em relação ao défice seja em relação à dívida. O PS tem esta consciência: estes têm uma só palavra. E é isso que vamos continuar a ter nestes próximos anos.
Imagine que há uma moção de censura ou uma moção de confiança. O PS pode contar com o PCP?
Bom, em relação a moções de censura, de rejeição, é evidente que nós nunca alinharemos com processos populistas, reacionários, que visem levar a água ao seu moinho. Não acompanharemos qualquer manobra ou qualquer operação deste tipo.
Essa é a tradicional visão institucionalista do PCP. Mas, em situações mais complicadas, o PS pode ou não ter uma via de diálogo e contar com o PCP para que o governo não caia?
Ao longo da história, e lembro que tivemos situações semelhantes com governos minoritários do PS, o nosso posicionamento sempre foi o de que a questão central continuam a ser as políticas, em relação a esta, aquela ou aqueloutra matéria. Muitas vezes, infelizmente, ao longo destes 40 anos, o PS não aceitou. Hoje, se o PS apresentar uma moção de confiança nos moldes que eu referia, de não se libertar dos constrangimentos, de manter esta visão da legislação laboral, e em relação a outras matérias, naturalmente é aconselhável que o PS não apresente uma moção de confiança.
Por exemplo, agora já, para este Orçamento, o governo estabeleceu um limite de 3% no aumento da massa salarial para a administração pública até 2021. Isto é aceitável para o PCP?
Creio que o movimento sindical da administração pública tem razões de queixa muito grandes, porque são muitos aqueles que há dez anos não têm um cêntimo de aumento. Estamos a falar de um setor fundamental, estamos a falar de enfermeiros, de médicos, de seguranças, mesmo dos militares, em que há razões fortes para que eles lutem pelo que lhes é devido, seja em relação aos salários seja em relação às suas carreiras profissionais. Por isso mesmo é que o governo do PS quando começa a fazer opções - o dinheiro não estica, nós sabemos -, quando existe uma sobra de seis mil milhões de euros, por exemplo, que vão praticamente direitinhos para a dívida e para o serviço da dívida... É evidente que se o governo quer ser mais papista do que o papa em relação ao défice, com esta obsessão do 0%, obviamente que depois - e isto são muitos milhares de milhões de euros - lá vem o argumento de que não dá porque não existe disponibilidade. Ora, isto é uma contradição. O governo diz que gostaria de fazer mas não faz porque tem dificuldades orçamentais, mas foi por opção do PS. Em relação ao défice, nem sequer foi imposição da UE, até tendo em conta outros exemplos, falo de França, Itália e outros. Tem de haver opções e o PS começou a fazê-las mal.
Falou, e bem, do Orçamento. Enfim, sei que não gosta muito da expressão linhas vermelhas, mas o que é que é essencial para o PCP admitir viabilizar o próximo Orçamento?
Em primeiro lugar, corresponder àquelas que são grandes questões nacionais, designadamente os pilares de uma política alternativa que nós consideramos patriótica e de esquerda com elementos fundamentais, como a valorização do trabalho e dos trabalhadores. O Orçamento tem de conter medidas desta natureza. A questão de acudir aos serviços públicos, particularmente na saúde e na educação, em que a questão dos profissionais não é para daqui a não sei quantos meses, é para agora. Se, por exemplo, o PS insistir em manter e agravar a legislação laboral, naturalmente que estas serão medidas que determinarão o nosso voto. Não quero fazer juízos de valor antecipados, vamos ver se o PS percebe que ganhou apoios porque correspondeu a estes sentimentos e aspirações justas de quem tem sido martirizado ao longo destes anos. Se não o fizer, obviamente que não será acompanhado pelo PCP.
Se não o fizer, não vai durar quatro anos?
Creio que hoje existem ali soluções institucionais diversas.
Por isso acha que o governo vai durar quatro anos?
Isto é tudo tão relativo... aquilo que é verdade hoje pode não ser amanhã. Depende muito das opções do governo do PS.
Depende também da estabilidade governativa que a própria economia permitir, e também depende do que acontecer no PSD.
Sim, mas o PS só não encontrará estabilidade se provocar instabilidade com a sua política. Se não der as respostas sociais que são necessárias a problemas candentes, a problemas de fundo que existem na sociedade portuguesa, naturalmente que não terá êxito no futuro. Quando vejo sacralizarem a questão da estabilidade, é preciso lembrar que nós temos tido nestes anos de democracia governos minoritários, muitos que sobreviveram, outros não. Mas porque é que não sobreviveram? Porque provocaram a instabilidade social e a redução da sua própria base social de apoio que, naturalmente, se transmite depois ao seu eleitorado. Por isso mesmo é que continuamos a pensar que o governo não pode reclamar estabilidade, porque ele é que pode ser o fator decisivo, seja da estabilidade seja da instabilidade.
Quando o governo defende que o aumento do salário mínimo deve chegar aos 750 euros até ao final da legislatura - o PCP acha que deverá chegar aos 850 euros -, está ou não está a responder aos anseios das pessoas?
Em relação a essa matéria podemos dizer que já valeu a pena termos apresentado a proposta dos 850 euros. Consideramos justo, mesmo considerando insuficiente, é um passo adiante nesse grande objetivo de valorização dos salários. Falamos aqui do salário mínimo nacional e eu continuo a pensar que é preciso também olhar para os salários médios, que também têm sofrido erosão, particularmente com o governo anterior. Tem de se olhar para esta questão dos salários como um fator de potenciação do desenvolvimento da nossa própria economia, do nosso país, e, por isso mesmo, esta nossa proposta, perfeitamente suportável, tinha uma importância, um impacto extraordinários, seja na Segurança Social, através da criação de mais descontos, que potenciaria depois o próprio desenvolvimento económico. Essa é uma lição que se pode recolher dos quatro anos anteriores em que se demonstrou que quanto mais acerto de justiça social se faça, de valorização salarial e do emprego, melhor para a economia, porque foi esse fator interno que determinou muito a evolução positiva no plano económico
O PCP perdeu muitas autarquias nas últimas eleições e as próximas eleições são as autárquicas. Como é que o partido se está a preparar para elas?
Ainda faltam dois anos, mas estamos a preparar-nos, numa primeira fase com a prestação de contas, junto das populações para demonstrar não só a valorização da obra da CDU, mas também ouvir dificuldades, reparos. Depois, é um erro fazer qualquer comparação entre eleições autárquicas e eleições legislativas. Verifiquei na noite eleitoral alguns rodapés que diziam: "A ser assim, a CDU só ficava com três ou quatro câmaras." Ora, isso é uma leitura torcida e distorcida porque não se pode comparar o que não é comparável. Estamos confiantes em que vamos travar essa batalha com uma grande confiança.
*Nota: esta entrevista foi realizada antes da polémica com o tempo dos pequenos partidos nos debates quinzenais.