Número recorde de mortes mais cedo do que especialistas previam
O número de mortes diárias por covid-19 ultrapassou mais rapidamente a centena e meia do que previam os especialistas. "Os nossos cálculos apontavam para que fossem atingidas as 150/160 mortes em duas semanas; neste caso, houve uma antecipação. Esperava que esse número não chegasse já e espero que baixe nesta quarta-feira, mas estamos a ir na direção errada. Se não pomos um travão em força, vai ser muito grave", teme o epidemiologista Manuel Carmo Gomes, um dos peritos que participaram na reunião de ontem no Infarmed.
DestaquedestaquePortugal já regista 8080 mortes devido à covid-19
É o coordenador do estudo desenvolvido pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, onde foram analisados os dados estatísticos da covid-19 referentes às últimas semanas, em série de sete dias, prevendo que o número de infetados alcançará os 12 mil até 9 de fevereiro, podendo chegar aos 14 mil. E, consequentemente, também subirá o número de vítimas mortais, o que, em média, se reflete duas a três semanas depois de ser declarada a doença.
"Por cada dia de atraso que perdemos, em que a epidemia está a subir, vamos levar dias para recuperar. Não sobe um dia e, depois, compensa-se com um dia a descer. Não, demora mais a descer do que a subir", alerta o epidemiologista. "No Natal foi claro, viu-se a rapidez com que subiu e, agora, vamos levar semanas para descer."
Descer abaixo das cem mortes diárias depende, segundo aquele especialista, das restrições que o governo aplicar e da sua duração. Sublinha Carmo Gomes: "Depende de como confinamos e durante quanto tempo. As nossas estimativas é que, entre pararmos a subida e conseguirmos descer, vai demorar pelo menos cinco semanas. Vamos estar confinados cinco semanas? É uma decisão que não nos compete. Limitamo-nos a projetar o que poderá acontecer. E isto é para reduzir os casos a metade."
Destaquedestaque608 mortes em cinco dias
São várias as explicações para o grande aumento de mortes. Inicialmente, os investigadores apontaram para as baixas temperaturas que se fazem sentir atualmente, causa que puseram de parte quando verificaram que a subida de óbitos era menor no norte do país, onde há temperaturas negativas.
Portugal ultrapassou as cem mortes diárias nos últimos cinco dias. Entre sexta e terça-feira, morreram 608 pessoas infetadas com o SARS-CoV-2. Destas, 49 % (242) ocorreram na região de Lisboa e Vale do Tejo; 26, 3% (160) no Norte e 23 % (140) no Centro.
Destaquedestaque Quinto dia consecutivo com mais de cem mortes diárias.
Outra hipótese, esta apontada pelo médico Ricardo Mexia, é o aumento de casos em residências para idosos. "Voltámos a ter vários surtos em lares, havendo mais infetados na comunidade, e isso implica que vai afetar todas as estruturas, nomeadamente os lares. E durante o Natal e Ano Novo houve uma maior mobilidade de pessoas, o que aumentou a probabilidade de contágios", explica o presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública. Acrescenta que tão importante como as mortes por covid-19 são as vítimas mortais por outras causas e que aumentaram em Portugal comparativamente com os meses anteriores à pandemia. "Apenas um quarto das mortes devem-se à covid-19, a mortalidade em exercício é muito elevada, e isso é preocupante."
O governo prepara mais restrições que, segundo os peritos, têm de ser acompanhadas de uma mudança de comportamento. "As restrições do Ano Novo tiveram muito pouco impacto. Já no Natal, os encontros de agregados familiares diferentes, a movimentação tiveram um impacto muito grande. Verificámos uma dissonância entre o número de testes e os casos naqueles dias. Cinco mil casos deveriam ter sido identificados mas não foram. Deve-se a uma coincidência muito má: o número de casos subia e o de testes descia. Não foi só porque os laboratórios fecharam, mas porque as pessoas se deslocaram para estar com as famílias, tiveram sintomas e desvalorizaram. Guardaram dois a três dias para voltar para casa e tratar do assunto. E isso foi terrível", argumenta Carmo Gomes.