Numa casa de banho, o perigo de eletrocussão pode estar em todo o lado
As notícias sobre pessoas que morrem eletrocutadas são comuns. Em dezembro de 2018, a atleta e uma das principais promessas desportivas da Rússia, Irina Rybnikova, morreu quando deixou cair o telemóvel dentro da banheira onde estava a tomar banho. Meses antes, o mesmo aconteceu a uma criança de 12 anos, enquanto ouvia música no seu smartphone. No Vietname, uma menina de 14 anos adormeceu na banheira enquanto o telemóvel carregava, que caiu à água e provocou a morte da jovem. E ainda esta quarta-feira uma jovem portuguesa de 17 anos morreu eletrocutada na sua casa, em Armamar, Viseu, enquanto se preparava para tomar banho.
Será assim tão fácil um pequeno erro elétrico levar à morte? O presidente da associação Engenheiros Eletrotécnicos de Portugal (EEP), Mário Almeida, diz que sim e explica que é tudo uma questão de desconhecimento sobre eletricidade por parte da sociedade em geral. "Por uma razão simples: é invisível", disse em entrevista ao DN.
Em Armamar, o alerta foi dado como uma "situação de desmaio", informou ao DN o comandante dos bombeiros de Armamar, Nuno Fonseca. Mas quando as autoridades lá chegaram a adolescente já se encontrava sem vida. De acordo com a mesma fonte, "a casa de banho não tinha nenhuma barreira entre a banheira e o restante solo do espaço" e "no chão estava uma ficha tripla".
Mário Almeida explica que o que aconteceu não só é possível de acontecer com qualquer um como "bastante provável". "A questão não está em tirar a água do solo. A água pode estar lá por qualquer motivo. A questão é que há partes ativas (qualquer material que tenha potencial elétrico) que não estão isoladas e com as quais ninguém deve estar em contacto, pois é um objeto sob tensão (com voltagem)", começa por dizer. Por isso, ter uma tripla no chão da casa de banho é "impensável".
Contudo, este não seria elemento suficiente para causar uma eletrocussão fatal. "Por si só isto e a humidade não matariam a pessoa. Tanto houve aqui algum elemento com potencial elétrico mal instalado ou mal mantido, como não houve ou não funcionou o equipamento no quadro elétrico, obrigatório por lei, que desliga automaticamente no caso de haver passagem de corrente elétrica", esclarece. Em casas antigas, como é o caso, "tal não existe".
Por isso, segundo o especialista, "neste caso falhou tudo".
Até a idade da vítima. Mário Almeida explica que é possível tocar em todos os objetos "abaixo dos 50 volts" sem nos magoarmos. Já "tudo o que seja acima disso é suscetível de causar choque elétrico ou eletrocussão". Mas a ciência não é linear, pois "mesmo com 230 volts não significa que a pessoa morra". Este destino fatal não só depende do tempo a que a pessoa fica exposta à tensão como à idade da mesma. "Alguém com mais idade ou com outras condições físicas poderia suportar esta voltagem", por exemplo, acrescenta.
O presidente da associação Engenheiros Eletrotécnicos de Portugal (EEP) alerta que é muito fácil estes acidentes acontecerem. Tão fácil que, em muitos casos, "nem é preciso ligar a água". Tudo numa casa de banho pode constituir "um potencial perigo", uma espécie de bomba-relógio "que a qualquer altura pode deixar-nos sob risco de eletrocussão". Para tal, definiu alguns procedimentos aos quais se deve estar atento para que nada de pior aconteça.
"O primeiro aspeto é a própria instalação da casa de banho, o segundo são os equipamentos móveis (como o secador) e o terceiro é o comportamento da pessoa. São três vertentes que temos de considerar para precaver", explica. Em primeiro lugar, deve-se ter em consideração a "acumulação de humidade". "Ou seja, deve haver uma boa extração de vapor de água e de humidade na casa", explica.
Além disso, deve evitar-se o contacto com "partes metálicas que possam ter alguma ligação elétrica". Isto é, "se um secador de cabelo está ligado à tomada na casa de banho e esse secador de cabelo, por fora, é metálico", então "não se deve tocar com as mãos molhadas nesse equipamento, mesmo que seja só para mudá-lo de sítio".
Contudo, o risco a que podemos estar sujeito depende também das instalações da casa. "Não deve haver tomadas ou interruptores perto da zona da água", diz Mário Almeida. Isto "porque a água que pode escorrer para lá pode fazer com que a pessoa, quando tocar na parede, apanhe um choque elétrico, pois a água em contacto com estas partes ativas vai transmitir eletricidade à humidade que aparece nas paredes", esclarece.
O especialista recomenda ainda sempre que se toque nos materiais expostos à humidade se faça "com as mãos secas", embora "isso não garante tudo". "De preferência, não se deve tocar em partes metálicas ligadas a tomadas. Nem mexer na lâmpada de cima com as mãos molhadas ou mesmo descalço (pois é o facto de o corpo estar assente em cima do solo, de haver uma ligação à Terra, que o perigo existe)", remata.
O perigo pode mesmo estar em todo o lado e a informação nem sempre ser conhecida pela população em geral, mas segundo o engenheiro Mário Almeida o problema maior está na falta de inspeção que a lei prevê mas raramente é aplicada.
Em casa antigas, não previstas nos mais recentes acertos da legislação portuguesa, o caso complica-se. "Em zonas de água, as regras técnicas da legislação portuguesa obrigam a que não possa existir nada elétrico com porteção, mas em casas antigas essas regras técnicas não foram aplicadas", conta. Ainda assim, mesmo em casas construídas a posteriori, Mário garante que a Direção Geral de Energia e Geologia "infelizmente ainda não está em cima das instalações elétricas existentes". Ou seja, "há uma imensidão de instalações elétricas que estão fora do controlo, porque não são inspecionadas". Por isso, o perigo pode estar "em qualquer casa, em qualquer hotel, em qualquer escola ou infantário", acrescenta.
E lembra: "há estabelecimentos com instalações elétricas inseguras". O presidente da EEP recorda a vez em que foi levar a sogra ao lar de idosos onde passaria a ficar - "um que tinha tudo legalizado", sublinha. "Quando lá cheguei, fui à casa de banho e reparei que os interruptores e as tomadas, à volta, eram metálicos. E isto é completamente proibido. Vi também que havia um corrimão (metálico) que estava nas escadas, na passagem do rés-do-chão para o primeiro andar, com fios elétricos pendurados. E, no entanto, havia um alvará que mostrava como todas as instalações estavam legalizadas", conta.
Um pouco por todo o lado, Mário Almeida alerta que "há enorme falta de inspeção e que a ser feita poderia evitar que as pessoas estivessem sujeitas à maioria dos riscos".