Dos seis cenários de guerra nuclear estudados recentemente pela americana Rutgers University, seria o conflito total entre os Estados Unidos e a Rússia, dois países que detêm juntos 90% do arsenal global desta arma, o mais destrutivo. Provocaria a morte de cinco mil milhões de pessoas, em boa parte pelas próprias bombas nucleares, mas também por causa da persistente radioatividade e impactos vários, desde a total perturbação das redes de comércio alimentar mundial até às alterações climáticas imediatas..Só este número, cinco mil milhões de pessoas, mais de metade da humanidade, deveria fazer pensar duas vezes os líderes políticos ou militares que com tremenda facilidade falam hoje da arma nuclear e da possibilidade do seu uso - sobretudo nos últimos meses responsáveis russos, mas não só -, tudo por causa da guerra na Ucrânia e do choque que esta está a gerar entre o Ocidente e Moscovo..Qualquer narrativa do sofrimento, há 77 anos, em Hiroxima e Nagasaki, quando as duas cidades foram bombardeadas pelos Estados Unidos para forçar o Japão à rendição na Segunda Guerra Mundial, deveria ser suficiente para controlar os espíritos mais belicistas atuais. E, no entanto, o SIPRI, instituto sueco para a paz, calcula que uma ogiva colocada nos mísseis a bordo dos submarinos americanos é hoje 40 vezes mais poderosa do que a bomba Little Boy, lançada a 6 de agosto de 1945, de avião, sobre Hiroxima. Mais poderosa significa mais destrutiva..Estive em Semipalatinsk, no atual Cazaquistão, onde em agosto de 1949 um teste nuclear permitiu aos soviéticos alcançar a paridade estratégica com os americanos. Depois, foi sempre em nome da dissuasão que sucessivas potências adquiriram armas nucleares: Reino Unido, França e China de início, a seguir, já em desafio de tratados internacionais, também Israel, Índia, Paquistão e Coreia do Norte..Em sentido contrário foram raríssimas as situações: crê-se que a África do Sul desistiu do nuclear em vésperas de passar do regime de apartheid para a democracia multirracial, o Cazaquistão entregou as ogivas herdadas da União Soviética à Rússia e passou a defender o fim do armamento nuclear, a Ucrânia renunciou também à sua parte nas partilhas soviéticas em troca de garantias de soberania, agora desrespeitadas..Além das nove potências nucleares, incluindo Israel, que teima oficialmente em desmentir que tem um arsenal, são vários os países no mundo com tecnologia para montar uma bomba em questão de horas, bastando que a tensão geopolítica os ameace e as opiniões públicas nacionais apoiem. O que significa que está longe de fechado o número de sócios do clube nuclear..Faz agora 60 anos sobre a crise dos mísseis de Cuba, quando a Guerra Fria esteve prestes a tornar-se quente. O mundo pode ter estado à beira da catástrofe nuclear naquela época, com americanos e soviéticos perto de ultrapassar todos os limites do bom senso. Talvez rever os acontecimentos daquela crise - e acaba de sair, de Max Hastings, o livro O Abismo (D. Quixote) - ajude quem governa a perceber que há ameaças que não devem ser feitas. E a nuclear é uma delas. A bomba existe e essa é a mensagem toda. .Diretor-adjunto do Diário de Notícias