Novo restaurante em Setúbal quer inovar a partir do peixe e do choco
O Peixoco fica na avenida José Mourinho e tem uma bela vista para a doca dos Pescadores. Fosse só isso, apesar da fama internacional do treinador sadino que dá nome à artéria e do pitoresco das traineiras acabadas de chegar, e o restaurante aberto em outubro não se distinguiria muito dos outros em redor e que sobretudo ao fim de semana se enchem de turistas, portugueses e estrangeiros, em busca do reputado peixe de Setúbal ou do também afamado choco frito. Mas a chef Constance Bauer, parisiense de 31 anos, e o marido, o montemorense (o-Velho) André Lucas, de 27, decidiram ser diferentes da vizinhança. E sem deixar de oferecer o peixe na grelha e o choco frito, propõem pratos inovadores a partir dos sabores do mar e do rio, e logo da terra que tem fama de ter o melhor mercado de Portugal, o do Livramento, que cresci a ouvir ser chamado de "praça", e onde ainda hoje a minha mãe vai às compras.
Posso confessar que apreciei especialmente os croquetes de choco e as tostas de carapau e também fiquei com vontade de repetir o arroz negro. Mas há também ceviche de peixe branco (dourada ou robalo), fish and chips (sim, à inglesa, mas feito com peixe espada), mexilhões com manteiga de chouriço e espadarte fumado para comer com blinis barrados com crème fraîche. E devo confessar que a maior surpresa, no bom sentido, foi a alface grelhada com ovas de truta, cujo sabor fumado é obtido pelo assador fechado que o Peixoco possui (um testemunho da atitude ambiental responsável que os donos do restaurante reivindicam).
Como setubalense, devo confessar que sou um pouco tradicionalista na minha paixão pelo peixe, sejam massacotes ou salmonetes, que gosto assados na brasa. Também prefiro o choco com tinta, grelhado e temperado com azeite, ao choco frito, do qual também gosto. E desde há muitos anos que quando me perguntam por um bom restaurante de peixe em Setúbal respondo o Ribeirinha do Sado, ali perto, na avenida Luisa Todi, o nome da cantora lírica que juntamente com o poeta Manuel Maria Barbosa du Bocage eram a dupla de setubalenses conhecidos além fronteiras, até Mourinho ganhar taças europeias de futebol e fazer a cidade ter agora um trio de ilustres.
Ainda me recordo de como a primeira passagem do treinador pelo londrino Chelsea gerou reportagens na imprensa britânica sobre a Arrábida e a Troia, que trouxeram turistas a Setúbal. E ainda bem para a cidade, que entre as suas particularidades tem o falar local, o charroco (como o peixe que é essencial na caldeirada à setubalense), e que até deu origem ao um divertido blogue, o Charroque da Prrofundurra, que vende umas divertidas T-shirts.
Constance e André, pais de um menino de pouco mais de um ano, escolheram Setúbal para o seu projeto de restaurante (e de vida) quase por acaso, não por quaisquer reportagens na imprensa britânica. "Primeiro pensámos em Lisboa, mas os espaços eram todos muito caros para arrendar. E nós não queríamos ter de praticar preços altíssimos para conseguir seguir em frente. Uma pessoa da família falou-nos então de Setúbal e ficámos encantados pela beleza natural e pela qualidade de vida. E este local onde está o Peixoco, tão próximo do Sado, já foi fábrica de cordas, armazém, dizem até que chegou a ser um bordel e antes era uma discoteca", conta André, que estudou Economia em Coimbra.
André apaixonou-se pela luso-francesa Constance, de pai parisiense e mãe lisboeta, que cresceu sem aprender português mas já adulta quis redescobrir essa parte das origens e agora fala fluentemente, só com uma ligeira pronúncia que, digo a brincar, até parrece de Setúbal. "A minha educação francesa, a experiência anterior em restaurantes franceses, influencia o modo como cozinho, por exemplo, o uso da manteiga ou do crème fraîche, e a procura constante da inovação a partir dos produtos locais, de grande qualidade", diz Constance, que alerta, porém, que o Peixoco não promete cozinha francesa.
No almoço em que tive a oportunidade de experimentar os dotes culinários da chef Constance, André mostrou também artes de sommelier, explicando as características do Serra Oca, um branco da região vitivinícola de Lisboa, e do Regueiro, um alvarinho, produzido na região de Monção e Melgaço. Gostei de ambos, que acompanharam bem uma refeição que começou por umas belas ostras do Sado e terminou com umas sobremesas em que dá para perceber que também serão um ponto forte da casa.
Pormenor positivo extra no Peixoco, cujos preços não destoam na zona: a decoração simples, mas agradável, sobretudo as paredes a lembrar os muros caiados, e um ambiente musical bem cuidado. Quem optar pela esplanada do Peixoco (o restaurante fecha às segundas e terças-feiras) é mais certo ouvir as gaivotas que sobrevoam as traineiras que entram na doca.
leonidio.ferreira@dn.pt