Novo míssil norte-coreano reforça receio de corrida às armas na Ásia
O disparo pela Coreia do Norte de um míssil balístico intercontinental na noite de terça-feira, que foi cair nas águas da zona económica exclusiva do Japão, abre um novo ciclo nas tensões regionais e vem reforçar os receios de uma corrida aos armamentos, não só na Ásia, como a nível global.
O disparo do novo míssil, um Hwasong-15, com autonomia teórica máxima de 13 mil quilómetros, vem colocar não só a maioria do território dos Estados Unidos, como a totalidade dos países europeus, sob o alcance das armas do regime comunista de Pyongyang. Para o secretário da Defesa dos EUA, James Mattis, o disparo vem colocar “uma ameaça para todo o mundo”. O anterior disparo de um míssil (que sucedeu em paralelo com um sexto ensaio nuclear) foi a 3 de setembro.
Até ao final do dia de ontem, a Coreia do Norte não tinha divulgado imagens que permitissem identificar o engenho, mas a trajetória e a duração do voo indicam tratar-se de um míssil mais potente. E embora os especialistas continuem a suscitar dúvidas sobre certos detalhes do programa de mísseis balísticos intercontinentais (ICBM, na sigla em inglês) de Pyongyang, nomeadamente a resistência das ogivas nucleares à enorme pressão no momento de reentrada na atmosfera, é evidente que o regime liderado por Kim Jong-un está a realizar importantes avanços neste capítulo.
No anúncio feito pela apresentadora televisiva, Ri Chun-Hee, que habitualmente surge nos ecrãs nestas ocasiões, é declarado ter a Coreia do Norte “realizado a (...) grande causa histórica que é a criação de uma força nuclear do Estado”. Por seu lado, um texto da agência oficial KCNA explica que o Hwasong-15 é um “míssil intercontinental armado com uma ogiva pesada de grandes dimensões capaz de atingir todo o território” dos EUA.
Artilharia apontada a Seul
Com o disparo do Hwasong-15, a Coreia do Norte veio reforçar os receios que se foram acumulando ao longo do ano de se estar na iminência de uma corrida às armas na região. Uma possibilidade que encontra sustentação no facto de os EUA terem colocado baterias de mísseis antimísseis balísticos THAAD em solo coreano (o que Pequim tem criticado), no incremento dos exercícios militares conjuntos de forças sul-coreanas e americanas e no desígnio declarado do primeiro-ministro japonês Shinzo Abe em alterar a Constituição do seu país em matéria de solidariedade militar a Estados aliados. E no que respeita à questão dos mísseis norte-coreanos, o governo de Abe anunciou no início de 2016 a instalação de baterias de mísseis Patriot-3 em Tóquio (algo que já fizera em 2012).
No que respeita à Coreia do Sul, além da ameaça atómica, o regime de Pyongyang tem milhares de peças de artilharia de longo alcance apontadas a Seul, que dista 50 quilómetros da fronteira e onde vivem cerca de dez milhões de pessoas.
O presidente dos EUA, Donald Trump, que foi informado do disparo quando o míssil ainda estava no ar, falou de imediato com Shinzo Abe e com o presidente sul-coreano Moon Jae-In, tendo os três reafirmado a sua determinação em enfrentar a ameaça norte-coreana. “É uma situação que iremos tratar”, afirmou Trump.
Os EUA colocaram recentemente, de novo, a Coreia do Norte na lista dos países apoiantes do terrorismo e aprovaram novas sanções a Pyongyang. Também os dirigentes nipónico e sul-coreano anunciaram a imposição de mais sanções ao regime de Kim Jong-un e garantiram que “não serão toleradas” as ameaças da Coreia do Norte.
O problema é que, como notava na Foreign Policy de fevereiro de 2016 um especialista na questão, Jeffrey Lewis, a dimensão do investimento feito por Pyongyang no seu programa nuclear torna claro que este não é moeda de troca, é um instrumento de dissuasão. O mesmo especialista sugere ainda que, a prazo, a tecnologia desenvolvida pelos norte-coreanos poderá ser vendida a países terceiros, contribuindo para a proliferação nuclear.
A primeira parte da tese de Jeffrey Lewis parece comprovada numa parte do comunicado oficial de Pyongyang onde foi anunciado o disparo do Hwasong-15: “não seremos ameaça para nenhum país ou região na medida em que os interesses da Coreia do Norte não sejam postos em questão”, sugerindo que foi desenvolvido apenas como defesa “contra a chantagem nuclear dos imperialistas americanos”.