Novo livro de Joanne Harris tem sabor a sangue
"Tenho uma pessoa conhecida que teve um acidente e ficou paralisada. Não sai da cama e todo o seu tempo é passado nas redes sociais da Internet, nos chats, nos blogues, mas não conta a ninguém sobre a sua situação. Tornou-se 'amiga' de pessoas famosas, tenta aproximar-se de outras, acredita que tem realmente relações de afecto com aqueles que nunca viu e sente que tem mais vida social hoje do que tinha antes", esta história conta-a a escritora Joanne Harris ao DN, na sua passagem por Lisboa, para lançar o seu último livro: O Rapaz de Olhos Azuis. Um thriller psicológico passado entre o mundo real e o virtual, onde se inventam novas identidades, novas vidas. Onde, sob a capa do anonimato, se ama, se manipula, se joga e se mata.
Tal como a amiga de Harris esconde a paralisia do seu corpo e cria uma existência paralela, na qual sublima a solidão, exibe vivências arrojadas, esconjura medos e traumas, o mesmo faz B.B., o rapaz de olhos azuis, protagonista desta história, que não é apenas uma narrativa mas um puzzle. "Uma espécie de cubo-mágico, onde muitas combinações são possíveis para conseguir uniformizar as cores nas várias faces", explica a escritora.
Longe da doçura romântica do best-seller Chocolate, e muito mais próxima do gélido filme Psico de Hitchcock, Joanne Harris da-nos um livro que rejeita a narrativa linear. A história é contada através dos textos que cada um dos membros de uma comunidade de criminosos vai escrevendo e publicando nos seus blogues. Uns exibem os seus feitos, outros deixam pistas, ou simplesmente memórias de cheiros ou sabores.
B.B., o rapaz de olhos azuis, é um homem de 42 anos que vive com a mãe que deseja matar. Albertine, uma mulher destroçada por traumas de infância que a tornaram destrutiva.É em torno destes dois personagens, que tentam inutilmente libertar-se pelo amor, que gravita toda uma comunidade de criminosos reais ou imaginários.
"Foi numa fase menos boa da minha vida que me levou a passar muito tempo a navegar na internet que comecei a reflectir sobre como ela pode ser cativante para pessoas com distúrbios emocionais graves", explica a autora.
Apesar do seu conhecido gosto pela culinária, (tendo livros publicados nesta área) Joanne Harris não gosta de formulas. "Sei que este livro é muito diferente, é mais difícil, não é uma história de amor mas de terror, mas não poderia continuar a escrever sempre livros iguais a Chocolate só porque aquele foi um sucesso." Sem temer perder leitores com uma história de terror, Harris afirma que precisa de colocar desafios aos leitores e a si mesma, por isso, "neste livro não há soluções fáceis, nem finais felizes. É como a vida", conclui sorrindo.