Nostalgia, comoção, Deus e o fim da liberdade na última aula do professor Presidente

Afónico autodeclarado aos jornalistas, o Presidente eleito deixou-os à porta do anfiteatro onde se despediu do ensino. Mas teve voz para 50 minutos de um discurso nostálgico, por vezes comovido, que levou alunos às lágrimas
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É uma aula igual às outras todas, disse, quase carrancudo, o Presidente eleito quando chegou, na tarde de ontem, ao anfiteatro 1, ou "Paulo Cunha", e afetou surpresa ante o estendal de câmaras, blocos de notas e microfones.

Acompanhado da jornalista da Antena 1 Maria Flor Pedroso e do fotógrafo Rui Ochoa, que fez a cobertura da campanha presidencial, Marcelo Rebelo de Sousa adiantou ainda que tinha ficado surpreso ao ver a sua última aula "anunciada na TV" antes de mandar sair da sala toda a comunicação social (à exceção da já citada jornalista) e iniciar a preleção que, de acordo com os relatos dos que assistiram, constou de "cerca de 20 minutos de matéria" para de seguida, durante 30 minutos, passar por uma oração de nostalgia, emoção e algum confessionalismo.

"Não tomei muitas notas", diz Luísa Viegas, 19 anos, da turma A do segundo ano, aquela à qual a aula era destinada. "Falou da evolução do Direito Administrativo, mas acho que o novo regente vai repetir esta parte. Foi sobretudo uma aula de despedida, em que falou das mudanças da vida dele, da vida que teve antes e vai ter agora." Por exemplo? "Conduzir", diz Inês, também de 19 anos e também da mesma turma. "Gosta de conduzir e agora vai ser sobretudo conduzido."

"Tudo muda depois"

A perda da liberdade como tema de uma aula em que exaltou a dos alunos, conta Salvador, 20 anos, aluno do terceiro ano que, como muitos outros, quis assistir à aula apesar de não fazer parte da turma a que se destinava. "Disse-nos para aproveitarmos ao máximo este tempo de estudantes, que é um tempo que passa a correr, para termos experiências, para a criatividade, para socializar. Porque não volta, tudo muda depois."

Marcelo também quis lembrar à sua plateia o quão privilegiada é. "Disse-nos que estamos na faculdade, e na melhor faculdade de Direito do país." Salvador, que assume ter votado em Marcelo, "obviamente por razões políticas, sou PSD", diz ter gostado muito dele como professor e querido, quando ouviu dizer que vinha dar a última aula, assistir. O amigo Bernardo, de 18 anos, também queria fazer o mesmo mas não chegou a tempo. Já o terceiro do trio, Diogo Vaz Guedes, 19 anos, do primeiro ano, teve mais sorte. "Não sou aluno dele , nunca tinha estado numa aula dele e gostei muito. Na parte em que deu matéria foi claro, sucinto. Muito bom. E é um contador de histórias nato, mas isso já todos sabemos. Sempre com um toque de humor."

Também achou que o Presidente eleito tinha sido "imparcial ao máximo". Como assim? "Fez questão de dizer que é crente, mas que estava ali rodeado de positivistas e deu a entender que pensa que se deve pensar o Direito desligado dessa crença." Um princípio com o qual Diogo não concorda: "As verdades absolutas não devem estar desligadas do discurso político. Não é ofensa a ninguém usar argumentos religiosos num discurso jurídico."

"Estava comovido"

"Ficámos com pena de o perder", resume Luísa. Só o tivemos um semestre. É um orador de exceção. E gostamos dele como professor e como pessoa." Inês faz que sim: "Gostei muito que se tivesse despedido de nós. E estava comovido." Joana Rebelo, 19 anos, confirma: "Eu estava quase a chorar." As outras duas riem. "Contou as lembranças dele de quando estava na faculdade. Que teve aulas com o Marcelo Caetano no anfiteatro 2."

Ninguém confirma a falta de voz certificada pelo Presidente eleito para falar pouco ou nada aos jornalistas. Que, passados os 50 minutos da aula, quando as portas se abriram, se precipitaram para o ver desaparecer, tendo de se contentar em entrevistar quem assistiu.

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