"Noite Viva", uma peça de teatro com um filme dentro

Em "Noite Viva", com encenação de João Lourenço, a ação passa-se tanto no palco como na tela de cinema. Tudo para contar a história de amor que estreia amanhã no Teatro Aberto.
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Em vez do pano descido na boca de cena, uma tela de cinema. Em vez de atores no palco, um filme. É assim que começa o espetáculo Noite Viva. Com um homem a dizer boa-noite no bar dos Budas do Asfalto e a dirigir-se para a sua moto. A noite está fria e no parque de estacionamento um rapaz agride uma rapariga e parte depois no seu carro deixando-a no chão. Tomás não consegue ignorar. Leva-a na moto pelas ruas vazias da cidade. "Para o hospital não", pede ela. Vão então para casa dele. A porta abre-se. Já não na tela mas no palco. Já não um filme, o teatro.

Noite Viva é uma peça de Conor McPherson, autor que o encenador João Lourenço e a dramaturgista Vera San Payo de Lemos conhecem bem: esta é a quarta peça que fazem dele. "É um irlandês muito agarrado ao quotidiano, mas com histórias fabulosas. Tem uma linguagem muito simples mas essa linguagem tem muita coisa por baixo", explica João Lourenço. Em vez dos "nomes impronunciáveis" do original, as personagens chamam-se Tomás (interpretação de Vítor Norte) e Ana (Anna Eremin), em vez de ser a cave do tio numa cidade pequena da Irlanda, é uma garagem na vivenda velha do tio (Rui Mendes) em Marvila ou noutra zona assim de Lisboa. Ele tem mais de 60 anos, ela terá pouco mais de 20. Ele tem um amigo (Filipe Vargas), ela tem um inimigo (Bruno Bernardo). Apesar de pequenas adaptações, a peça de Conor McPherson está lá toda, como sempre. Só que, desta vez, tem mais. Muito mais. Tem um filme.

"Gosto muito da imagem, desde miúdo que gosta de cinema. Vim para o teatro mas sempre tentei que o teatro tivesse imagem", conta João Lourenço. O primeiro espetáculo que encenou foi Oh papá, pobre papá, a mamã pendurou-te no armário e eu estou tão triste..., do norte-americano Arthur Kopit, em 1973, ainda na Casa da Comédia. E nesse primeiro espetáculo já havia projeção de slides, recorda o encenador. Essa tendência foi-se acentuando nos últimos anos, os vídeos tornaram-se mais frequentes. Até que chegamos a Noite Viva. Que é um espetáculo que tem um filme dentro. Mas é também um filme que tem um espetáculo por trás.

As cenas no palco e na tela entrelaçam-se. No total, são mais 45 minutos de história, totalmente criada de novo. Palavras que não estavam na peça, personagens que eram apenas referidas e que ganham vida, memórias que se tornam visíveis, histórias que João Lourenço decidiu acrescentar e que dão novos sentidos às palavras de McPherson. "O filme é autónomo. Eu posso pegar em tudo o que fiz e, a partir do filme, fazer uma outra história", explica o encenador.

O filme é um objeto artístico por si próprio, feito em colaboração com o realizador Nuno Neves e a equipa da Other Features, com mais atores, que nunca vemos em cena (como Irene Cruz, Ivo Canelas, João Perry, Sílvia Filipe e outros). Foram doze noites de filmagens, até ao nascer do sol. "Não temos noites americanas, é tudo de verdade", conta João Lourenço. Porque aqui, como diz o título, a noite é viva. "A noite traz sombra, pode trazer amor, pode trazer medo, a noite pode mostrar coisas que o dia não mostra, dá-nos mais tempo."

A noite pode trazer uma possibilidade de uma vida nova, como trouxe a Tomás. "Ele é um homem que perdeu a família, perdeu os pais, separou-se, afastou-se dos filhos, faz biscates, ganha a vida como pode. E apaixona-se", explica o ator Vítor Norte. "É um velho, como eu. E esta é uma história de amor. Até quando uma pessoa pode apaixonar-se? Os velhos podem apaixonar-se por pessoas mais novas? Dá certo ou não dá? Está certo ou não está?"

Informação útil:

Teatro Aberto, Lisboa
De quarta a sábado, às 21.30;
domingos, às 16.00
Bilhetes: 15; até aos 25 anos - 7,5; mais de 65 anos - 12

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