Nepal elege uma mulher para presidente. É viúva de rebelde comunista
Na Ásia do Sul costumam ser as viúvas e as filhas a assumir o legado e a chegar aos cargos de topo, como nos casos de Sirimavo no Sri Lanka ou de Indira na Índia. No Nepal, que desde ontem tem a comunista Bidhya Devi Bhandari como presidente, a história não podia ser muito diferente. E pontuada, como também é já tradição regional, por uma tragédia. Afinal, foi só depois de o marido ter morrido num suspeito acidente de automóvel em 1993, que Bidhya se lançou na política. Madan Bhandari era um rebelde que saiu da clandestinidade para, como secretário-geral, levar o PC Nepalês ao sucesso nas urnas.
"Por ser uma sociedade tradicionalmente dominada pelos homens, ter a primeira mulher presidente é sem dúvida algo novo e esperançoso para o Nepal", afirmou ao DN Monalisa Maharjan, uma estudante nepalesa que vive em Portugal. Do ponto de vista mais pessoal, o entusiasmo desta futura doutora em História da Arte pela Universidade de Évora pela chefe de Estado não é total, pois Bidhya terá manifestado dúvidas sobre a nova lei da nacionalidade, que acabou inscrita na Constituição como atribuível a filhos tanto de pai como de mãe nepalesa, quando antes se reservava à via paterna.
Com 30 milhões de habitantes e encravado entre os gigantes Índia e China, o Nepal é sobretudo associado aos Himalaias, com os alpinistas a usarem o país como base para a ascensão ao Evereste. Mas nos últimos anos, os acontecimentos políticos têm sucedido de forma vertiginosa, primeiro em 2001 com o príncipe herdeiro a assassinar o rei Birendra e o resto da família no palácio de Catmandu antes de se suicidar a tiro de metralhadora. Depois, em 2006, a guerrilha maoista conseguiu impor um acordo de paz ao rei Gyanendra, com negociações sobre a forma do Estado. E em 2008, o impopular monarca (irmão do rei assassinado) foi mesmo forçado a abdicar, com o país a tornar-se uma república.
Mesmo com cisões, os ex-rebeldes comunistas mantiveram-se uma das forças principais, a par do Partido do Congresso, e graças a um governo de coligação conseguem agora ter tanto o primeiro-ministro, KP Sharma Oli, como a presidente. O cargo ocupado por Bidhya é, porém, quase protocolar, sendo sobretudo pelo seu exemplo que poderá influenciar os destinos de um país pobre que ficou muito destruído pelo terramoto de abril.
Constituição laica e federalista
Charles Haviland, da BBC, descreve esta mulher de 54 anos como uma das responsáveis por um terço dos assentos no parlamento estar reservado às mulheres, mas nota, tal como a estudante nepalesa, que há quem duvide das credenciais feministas por causa da questão da nacionalidade. Foi esse, aliás, um dos temas quentes da Constituição, aprovada em setembro e destinada a pacificar o país, dando-lhe uma organização federal e um estatuto laico apesar de a maioria dos habitantes, de dezenas de etnias, professar o hinduísmo.
Sobrevivente de cancro, como conta o jornal indiano First Post, Bidhya foi já ministra da Defesa e ganhou protagonismo quando em 2006 encabeçou os protestos contra o rei, que tinha demitido o governo e assumido todo o poder.
O alpinista João Garcia, visitante habitual do país, disse ao DN "estar contente pelo Nepal estar a evoluir em direção a uma melhor democracia com a elaboração de uma Constituição e agora com a eleição de uma sr.ª presidente".