Quem tiver dúvidas sobre quão profundo foi o envolvimento de Portugal na história do Sri Lanka encontra uma agradável introdução ao tema no romance Taprobana, de Eduardo Pires Coelho. Sim, Taprobana, o nome herdado da Antiguidade Greco-Romana e que Luís Vaz de Camões usou na primeira estrofe d'Os Lusíadas, como se o limite do mundo conhecido fosse ali, tendo os portugueses de Quinhentos passado além dele..Durante século e meio, Portugal pôs e dispôs na ilha que começou a ser conhecida por Ceilão e que já no século XX passou a chamar-se Sri Lanka. Exércitos portugueses com aliados locais a tentarem conquistar os vários reinos budistas desta ilha, situada junto ao extremo sul da Índia. Depois vieram os colonizadores holandeses, que derrotaram os portugueses, e de seguida os colonizadores britânicos, que derrotaram os holandeses. Em 1948, a ilha reconquistou finalmente a independência, mas não a paz..É sobre o Sri Lanka em guerra que fala o romance mais premiado com o Booker em 2022. O autor é Shehan Karunatilaka, com quem conversei há dias em Lisboa, e o seu livro, agora editado em Portugal pelo Clube do Autor, tem como título As Sete Luas de Maali Almeida. E quem é este Almeida, alguém com um apelido inconfundivelmente português?.Maali Almeida é um fotógrafo de guerra. Um fotógrafo assassinado, que tem sete dias para encontrar os responsáveis pela sua morte. Não estou a revelar grande coisa. O livro começa logo com esta informação, mas o fascinante para um leitor português é como vão surgindo, aqui e acolá, pistas que remotamente têm que ver com o nosso legado: por exemplo, Fernando é comum no Sri Lanka como nome de família..A personagem que dá nome ao livro é filho de um cingalês e de uma burgher. É por via materna que lhe vem o apelido português. Estes burghers são um grupo de elite no Sri Lanka, descendentes de portugueses e de holandeses, famílias mestiçadas com cingaleses, que tradicionalmente eram cristãs e usavam um crioulo de português. Como me disse o romancista, numa entrevista ainda por publicar, a personagem principal tinha de ser um burgher (ou meio-burgher) para ser credível..As Sete Luas de Maali Almeida é um retrato da violência que durante décadas assolou o Sri Lanka, com o Governo, apoiado pela maioria cingalesa budista, a combater os separatistas, um grupo que se autodenominava Tigres e pretendia representar a minoria tâmil, em boa parte hindus (entre ultranacionalistas budistas e rebeldes tâmiles, só mesmo um burgher seria capaz de ganhar a confiança dos dois lados)..Massacres, atentados bombistas, execuções por encomenda foram comuns até pelo menos 2009, quando uma ofensiva militar governamental acabou com os Tigres. Desde então a História do Sri Lanka tem sido menos trágica, apesar de em 2019 o terrorismo jihadista ter decidido atacar Colombo, a capital. E o país procura agora usar a beleza natural e o património cultural para atrair turistas e desenvolver a economia..Vale a pena ler As Sete Luas de Maali Almeida por aquilo que é: um excelente livro. Mas também por aquilo que nos ensina sobre a natureza humana, em especial como os extremismos - étnicos, religiosos ou políticos - podem ser terríveis. E ainda pelo que ocasionalmente vai revelando sobre o legado português em terras distantes. Não esquecer que se o romance fala dos Tigres Tâmil e da guerra perdida por estes, foi um cingalês de apelido português que os derrotou, o general Sarat Fonseka. Para nós portugueses parece sempre que nenhum país é longe..Diretor interino do Diário de Notícias