Partidos desarmados contra "fake news"

A circulação das 'fake news' à velocidade das redes sociais é um fenómeno novo em Portugal e as direções dos partidos não têm estruturas para combater o fenómeno. Nem querem "caçadores" de "notícias falsas". Educação e leis são desejáveis.
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Os partidos ainda não despertaram para as notícias falsas e a desinformação. PS, PSD, BE, PCP e CDS não têm gabinetes ou grupos de trabalho especialmente dedicados. Por enquanto, a resposta possível é a "ação política" e esclarecimento, como diz Carlos Gonçalves,do PCP ou através do desmentido, como sugere Telmo Correia, do CDS.

Embora haja gestão profissional das páginas na internet e das contas próprias nas redes sociais. Dois exemplos recentes. O Bloco de Esquerda, por exemplo, anunciou uma queixa por causa da "notícia" de que a coordenadora bloquista, Catarina Martins, usava um relógio de 20 milhões de euros.

No CDS, há meses, por alturas do conflito dos taxistas por causa das plataformas eletrónicas de transportes, o partido desmentiu a informação, usada por membros de uma associação de táxis, que o marido da líder centrista tinha uma participação na Uber. "O problema é que o desmentido é normalmente pouco eficaz, comparado com uma 'fake news' que se propaga nas redes sociais à velocidade da luz", constata Telmo Correia, do CDS.

Com a certeza, segundo Jorge Costa, do Bloco de Esquerda, de que o uso indevido das redes, "de maneira manipulatória ou na produção de falsidade, tem que ter uma penalização social e um custo político que não tem". Carlos Gonçalves argumenta que a resposta "é a luta trabalhadores e do povo, por muito que isto possa parecer fora desta discussão. Não há nada mais esclarecedor do que a luta, a intervenção, a proposta", o "esclarecimento" de posições sobre o que pensa o partido, seja ou não em período eleitoral.

Manuel Teixeira, dirigente do PSD, académico e ex-diretor do Comércio do Porto, assume que o partido não está a fazer esse trabalho, mas que ele deve ser feito pelas "autoridades nacionais". "O PSD não é um caçador de 'notícias falsas'", afirmou.

Mudanças na lei ou educação?

PS, PSD, PCP, BE e CDS não excluem eventuais mudanças legais, mas admitem que atuar a nível europeu pode ter vantagens, tratando-se de um fenómeno que não é apenas português, tem escala europeia, global até, e concordam, com algumas 'nuances', que pode ser uma ameaça à democracia. O PS não põe a questão num "ponto de vista de defesa do partido", mas sim na "defesa da democracia" e já está "a afetar as condições das sociedades democráticas, não só em termos políticos, mas também em termos societais", disse à Lusa o deputado Porfírio Silva.

"É uma enorme ameaça aos regimes democráticos se não se conseguir travar ou condicionar o fenómeno das "'fake news'", diz Manuel Teixeira, da direção do PSD. Telmo Correia, concorda: o fenómeno é "obviamente preocupante" e "claramente uma ameaça à democracia", porque é "uma ameaça à verdade e à transparência".O objetivo é que essa plataforma, a exemplo das de investigação jornalística, façam a "investigação e verificação" das informações, argumentando Jorge Costa que é também "um interesse estratégico" da comunicação social de referência "combater a disseminação" de 'fake news'. Jorge Costa, do BE, defende um "diálogo entre as instituições democráticas, em articulação com a comunicação social" de maneira a conseguir que os 'media' promovam uma forma de consórcio que 'fact chek' para "combater a circulação de informações falsas".

O PCP, afirmou à Lusa Carlos Gonçalves, da comissão política, não exclui mudanças legais e admitiu "acompanhar o que for positivo" da parte do Parlamento Europeu, que em outubro aprovou uma recomendação em que apela aos Estados que adaptem a legislação, nomeadamente eleitoral, ao mundo digital.

Esquerda e direita sugerem quase pelo mesmo tipo de resposta, a médio e longo prazo, embora usando discursos diferentes: a pedagogia, a começar nas escolas, para os alunos saberem como identificar 'fake news' nas redes sociais ou a educação na cidadania, de modo a criar "um espírito crítico" para o cidadão aprender a "distinguir a verdade e a mentira", na expressão de Jorge Costa.A educação, dando aos cidadãos "competências e conhecimentos para se autodefenderem" também é, para o PSD, uma via de resposta, como também pode ser a via legislativa, para "responsabilizar quem é fazedor ou divulgador de "notícias falsas".

Há tentações a evitar, como a ideia de "tudo se resolve com leis", nas palavras de Porfírio Silva, e cuidados a ter, como ter atenção ao respeito pelas liberdades dos cidadãos e que o que for feito se não confunda com censura. E este é mais um ponto em comum, do CDS ao PCP.

Por outro lado, com mais ou menos 'nuances', os representantes dos partidos admitem que, para minimizar os efeitos negativos das notícias manipuladas, é preciso explorar "recursos tecnológicos, programas informáticos" que funcionem como "filtros para ajudar" a "detetar a falsidade das notícias", afirmou Manuel Teixeira. O BE defende que deve valorizar-se o "trabalho dos grupos de cidadãos auto-organizados", a começar pelas redes sociais.

Portugal tem de olhar para o que a União Europeia está a fazer, com o Código de Boas Práticas da Comissão, com o trabalho de peritos que já produziram trabalho e relatórios, exemplifica. "Pode ser preciso mexer nas leis, reforçar capacidades técnicas de órgãos do Estado", afirmou à Lusa, tendo a certeza absoluta quanto à necessidade de reforçar "a componente de pedagogia democrática", a começar nos bancos das escolas.

Jorge Costa (BE), Porfírio Silva (PS) e Manuel Teixeira (PSD) defenderam que deve ser responsabilizado quem faz e quem divulga as chamadas "notícias falsas", com a consciência do que está a fazer. Porque, dizem todos, a legislação existente para punir crimes de difamação, calúnia ou ofensas à personalidade "têm um quadro estável e forte do ponto de vista jurídico", lembra o socialista Porfírio Silva, e não se podem misturar com os da desinformação ou das chamadas "notícias falsas".

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