Negócio de PCP com imobiliária pode configurar crime de financiamento ilegal

Imobiliária - que garante ter feito "outros negócios exatamente iguais" com o partido - pagou projeto e licenciamento de novo prédio enquanto PCP era proprietário da Vivenda Aleluia (Aveiro). Valor despendido não consta no contrato de permuta celebrado em 2023. Tal omissão pode indiciar, dizem juristas ao DN, financiamento partidário ilegal - um crime público. Outra matéria a clarificar é a indemnização paga a pastelaria que funcionou até 2022 no edifício. PCP recusou responder a todas as perguntas do jornal.
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Quando a 26 de junho de 2023 o Partido Comunista Português (PCP) efetuou um contrato de permuta da Vivenda Aleluia - edifício construído em 1929, situado na principal avenida de Aveiro e até aí funcionando como "centro de trabalho" do partido, que o comprara em 2014 - com a imobiliária Empresa de Gestão Imobiliária e Construção (EGIC), esta empresa tinha já contratado um gabinete de arquitetura para elaborar o projeto do novo edifício de sete andares que vai construir no local, assim como para tratar, junto da Câmara de Aveiro, do respetivo licenciamento.

Tal significa que foi a EGIC, anos antes (pelo menos três, ou seja desde 2020) de tomar posse do edifício e respetivo terreno de implantação, a assumir todo aquele encargo financeiro - em nome do PCP.

Este facto - confirmado ao DN pela própria empresa, que assume terem sido "essas as condições acordadas" com o partido, e pelo arquiteto responsável pelo projeto, Arnaldo Brito - deveria estar, de acordo com juristas consultados pelo DN, discriminado no contrato de permuta, ao qual o jornal teve acesso.

Um contrato que "troca" o lote de 500 metros quadrados (m2) situado na Avenida Lourenço Peixinho, dizendo respeito à área coberta de 160 m2 da Vivenda Aleluia e ao respetivo jardim, com 340 m2, que em 2014 custaram 350 mil euros ao partido, por cinco frações do edifício novo ("Edifício Aleluia") que ali vai ser construído, às quais a permuta atribui o valor de 800 mil euros.

Porém nada no contrato de permuta refere os valores despendidos pela EGIC previamente à entrada na posse do lote.

Ora, como explica ao DN Margarida Salema, presidente da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (órgão independente que funciona junto do Tribunal Constitucional, tendo como função principal coadjuvá-lo tecnicamente na apreciação e fiscalização das contas anuais dos partidos políticos) entre 2009 e 2017, "um partido pode encarregar uma empresa de efetuar algo em seu nome, mas se tal implica a empresa efetuar despesas, tal tem de estar contratualmente clarificado. E, se sucede antes de um contrato definitivo, terá de surgir depois nesse contrato a título de sinal ou adiantamento. Os dinheiros têm de estar todos bem escalpelizados, declarados". Se não estão, prossegue a atualmente professora na FDUL, cuja análise foi feita em abstrato, poder-se-á tratar de financiamento partidário ilegal.

O também professor na FDUL Miguel Prata Roque concorre na interpretação: "Pode haver um contrato de promessa anterior ao contrato de permuta definitivo, e uma procuração que permita o licenciamento em nome do proprietário [neste caso em nome do PCP]. Num contrato de promessa, pode-se, a título de sinal, assumir uma prestação de serviços. Mas isso implica que no contrato final seja mencionado que foi pago o preço tal pelo bem, e desse valor o montante tal foi pago a título de sinal."

E em que circunstância se verifica o crime de financiamento partidário ilegal? Margarida Salema responde: "Se um partido tem um bem e coloca uma empresa a dar valor a esse bem, sem declarar nem justificar, ou seja, se há financiamento sub-reptício e enriquecimento não justificado que tem na sua base a intervenção de uma empresa, então sem dúvida que há financiamento ilegal. Os partidos não podem fazer coisas assim."

Isso mesmo se retira do artigo 8º, "Financiamentos proibidos", número 3, alínea C, da lei 19/2003, de 20 de junho ("Financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais"): "É designadamente vedado aos partidos políticos receber ou aceitar quaisquer contribuições ou donativos indiretos que se traduzam no pagamento por terceiros de despesas que àqueles aproveitem."

O DN pediu ao PCP para explicar de que constou o acordo celebrado com a EGIC (esta assume ter existido um Contrato de Promessa anterior à permuta), tendo solicitado acesso ao mesmo. Também questionou o partido sobre as procurações - se confirma tê-las passado à empresa e ao arquiteto e para que efeitos. O partido optou por nada dizer, nem sequer à pergunta "Considera o PCP que os termos do acordo que celebrou com a EGIC cumprem integralmente a Lei do Financiamento dos Partidos Políticos, nomeadamente a alínea C do artigo 8º?"

A resposta dada às 16 perguntas enviadas pelo jornal foi uma única frase: "O PCP reafirma os esclarecimentos já tornados públicos".

As consequências da violação das proibições elevadas no número 3 do artigo 8º da lei referida, explica Frederico de Lacerda Costa Pinto em Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais (Revista Penal, nº 49, 2022), "gera responsabilidade criminal para pessoas individuais com ligação aos partidos". E cita o artigo 28º da lei referida: "Os dirigentes dos partidos políticos, as pessoas singulares e as pessoas coletivas que pessoalmente participem na atribuição e obtenção de financiamentos proibidos são punidos com pena de prisão de um a três anos". Já os partidos, esclarece ainda Lacerda Pinto, "não incorrem em responsabilidade criminal, mas sim em responsabilidade civil e contraordenacional".

Este jurista, da Faculdade de Direito da Universidade Nova, sublinha ainda que se até 2010 "o procedimento criminal pelos factos puníveis (...) estava condicionado à existência de uma queixa da Entidade das Contas e Financiamento dos Partidos (...), em 2010 foi eliminada essa exigência e, por isso, os crimes referidos constituem agora crimes públicos: o início do procedimento criminal não está condicionado por qualquer apresentação de queixa ou participação criminal e não se admite qualquer desistência do mesmo (...)."

Até ao momento, o único esclarecimento publicamente prestado pelo PCP sobre o negócio da Vivenda Aleluia foi um comunicado publicado a 28 de setembro de 2023 no site do partido, intitulado "O esclarecimento necessário sobre o centro de trabalho de Aveiro". No qual se lê: "O PCP não é proprietário do espaço onde funcionou o Centro de Trabalho de Aveiro. Foi feita uma permuta, no seguimento da qual reverterá para o PCP exclusivamente o espaço equivalente às instalações que detinha, nomeadamente para garantir o centro de trabalho, que de outra forma seria impossível manter pelas exigências e encargos financeiros que se colocavam para a sua conservação. Assim, o PCP não é responsável pelas obras em curso, nem é proprietário dos imóveis que se encontram à venda cujos valores são da exclusiva responsabilidade do atual proprietário."

Como se constata, nada há neste esclarecimento que dê resposta às questões colocadas pelo DN.

De resto, o comunicado do PCP enferma de inexactidão: na troca com a EGIC, o partido ficou com mais do que "exclusivamente o espaço equivalente às instalações que detinha, nomeadamente para garantir o centro de trabalho".

Trocou um edifício de 160 m2, no qual funcionava o centro de trabalho, por todo o piso 1 (rés-do-chão) do novo edifício - ou seja, por uma área bruta de 500 m2 (o novo edifício ocupa todo o lote de terreno onde estava implantada a Vivenda Aleluia e respetivo jardim de 340 m2), correspondente a duas frações: uma de escritório, com cinco gabinetes e "sala polivalente" (que irá ser, depreende-se, o centro de trabalho) e uma fração comercial (loja ou restaurante). E recebeu ainda um T2 de habitação, com 114,15 m2, no piso 2 (primeiro andar), mais três lugares de garagem e um arrumo (na cave).

Questionado pela revista Sábado - que na sua edição de 12 de outubro chamou a atenção para esta "discrepância" entre o afirmado no comunicado e a realidade - o partido, de acordo com a revista, não respondeu, recusando clarificar que usos prevê quer para a fração comercial quer para o T2 de habitação. Também se escusou a dizer se pagou os impostos respeitantes às frações que não são para fins partidários - a isenção de impostos aplicável ao património dos partidos só se aplica a imóveis destinados a fins partidários. Voltou a recusar quaisquer explicações ao DN.

Mas vamos aos factos. Como informa a EGIC, empresa imobiliária sediada no Porto e fundada em 1990, em resposta escrita às perguntas do DN, o negócio imobiliário relativo à Vivenda Aleluia e celebrado com o PCP inscreve-se num "relacionamento profissional e comercial com o PCP" que existe "há já bastante tempo". Esta resposta, sublinhe-se, é a correspondente à pergunta "Foi a EGIC que abordou o proprietário da Vivenda Aleluia - o Partido Comunista Português - sobre a possibilidade do negócio efetuado, ou foi o PCP que abordou a EGIC nesse sentido?", que ficou por responder.

De acordo com a sócia e gerente Lúcia Ferreira, que assina o email enviado pela EGIC ao DN e também falou com o jornal ao telefone, o dito relacionamento com o PCP inclui vários negócios semelhantes: "Isto [o processo da Vivenda Aleluia] é um processo exatamente igual a outros que já fizemos, fizemos outros centros de trabalho que eles [PCP] têm, exatamente nos mesmos moldes, tal qual".

Questionada sobre se nos outros negócios da EGIC com o PCP estão em causa permutas do mesmo tipo, Lúcia Ferreira assente: "Não é do tipo, é exatamente iguais." Significando que eles (PCP) cedem o edifício antigo para reconstrução e a EGIC fica com uma parte e o partido com outra? "Sim, tiveram a ver com demolição e reconstrução, e eles ficaram sempre com coisas novas."

Já a que locais se referem esses negócios anteriores e quando ocorreram, a sócia-gerente da EGIC não diz. "Isso onde foi vai ter de ver. E quando começou não é do meu tempo, não sei." O PCP também não quis responder a esta pergunta.

Voltando ao caso Aleluia, Lúcia Ferreira reitera a resposta escrita enviada ao DN: "Os contactos com o PCP em relação ao projeto de Aveiro iniciaram-se em meados de 2018". Ou seja, quatro anos após a compra do edifício pelo partido e na altura em que este, como reconhece um comunicado de novembro de 2019 da respetiva Direção Regional de Aveiro, pediu uma reunião à autarquia para "recolha de informação sobre o imóvel e o espaço envolvente e as condições de edificabilidade, de acordo com os instrumentos urbanísticos do município". Os motivos deste pedido de reunião, alega o comunicado, prender-se-iam com a dificuldade de conservação do edifício: "Apesar de obras de reparação efetuadas [existem] problemas recorrentes" e o PCP estaria "à procura de soluções comportáveis e viáveis para impedir uma degradação irreversível".

(Questionado pelo DN sobre que obras de conservação existiram no edifício desde que o PCP o ocupou, em 1974, e durante os 40 anos em que foi arrendatário, assim como se depois de o comprar procedeu a alguma, o partido não respondeu. Também não revelou quanto pagava de renda, nem por que motivo quis comprar a Vivenda Aleluia, se quatro anos depois concluía não ter como conservá-la).

Como já referido, a EGIC garante ter celebrado com o PCP um Contrato de Promessa de Permuta (CPP), que data de outubro de 2021. Trata-se, precisou Lúcia Ferreira ao jornal, de um contrato redigido, mas "não foi registado e não é público", tendo esta sócia-gerente recusado disponibilizá-lo. Admite porém que o "anteprojeto para requerer o Pedido de Informação Prévia foi iniciado antes da assinatura do CPP".

O Pedido de Informação Prévia, ou PIP, é o pedido formal à autarquia para saber se é possível erguer no local um edifício com as características desejadas. Este PIP, que Lúcia Ferreira situa "em 2019 ou 2020, teria de ir ver", foi efetuado pelo gabinete do arquiteto Arnaldo Brito, o autor do projeto.

Ao DN, Arnaldo Brito certifica: "Não fiz o projeto para o PCP, mas para a minha cliente [a EGIC], e a minha cliente é que tratou do licenciamento. Fizemos [o gabinete de arquitetura] um PIP junto da Câmara de Aveiro a perguntar o que se podia fazer ali. Depois da resposta da Câmara, que é válida durante um ano, metemos o projeto de licenciamento em dezembro de 2021. Fui eu que registei o projeto e a informação."

Lúcia Ferreira esclarece no entanto ao DN que "o PIP sobre a Vivenda Aleluia à Câmara Municipal de Aveiro foi feito pelo PCP, representado pelo arquiteto através de procuração". O PCP terá igualmente, diz Lúcia Ferreira, passado uma procuração à EGIC - o que significa que tanto o arquiteto como a empresa foram mandatados pelo partido para tratar de tudo o que dissesse respeito ao projeto imobiliário.

Sobre o valor despendido pela EGIC com o gabinete de arquitetura por conta do PCP, porém, a sócia-gerente não dá esclarecimentos - quando questionada sobre a quanto orçou a adjudicação de Arnaldo Brito, diz que se trata de "um assunto privado da EGIC, não do domínio público."

O DN tentou saber, junto de vários arquitetos, a quanto pode corresponder tal adjudicação. A resposta foi de que depende do valor da obra. E que esse valor, naturalmente, varia muito com o tipo de construção - a custos controlados, standard ou de luxo -, andando a construção standard entre 1000 e 1500 euros por metro quadrado e podendo a de luxo ir até aos 3000.

Apontando para o meio da tabela da construção standard (1250 euros o metro quadrado), e considerando que o "Edifício Aleluia" tem área bruta de 500 m2 - o que corresponde a 3500 m2 (sete pisos) acima do solo e 1000 de caves (duas) -, o valor da obra andaria nos 4,375 milhões de euros para os sete pisos acima do solo, mais 600 mil para as caves (orçadas a 600 euros o metro quadrado - segundo a informação dada pelos arquitetos contactados, garagens em betão "à vista", como é o caso, variam entre 500 e 700 euros/m2). O que dá um total de 4,975 milhões.

Quanto à percentagem do arquiteto, trata-se de um assunto com alguma complexidade. Como explica um dos arquitetos ouvidos pelo jornal, "os honorários são divididos por fases. Para obter o alvará para construção, primeiro tem de se entregar o projeto de arquitetura, e sendo deferido, entregam-se depois as especialidades. Só depois disso se tem o licenciamento aprovado."

Ainda segundo a mesma fonte, os honorários dos arquitetos correspondem geralmente a 10% do valor da obra; se se tiver em conta apenas o processo até ao momento do licenciamento, retirando o projeto de execução, que vem a seguir, e a assistência à obra, a percentagem baixa para metade: 5 a 6%.

Tal significa, numa obra com o valor calculado de 4,975 milhões, entre 248,75 e 298,5 mil euros. Deveria então ter sido declarado no contrato de permuta um montante próximo destas quantias, correspondendo ao adiantamento avançado pela EGIC ao PCP, com vista ao negócio final. O que empurraria o valor "arrecadado" pelo PCP na permuta para entre 1,098 e 1,048 milhões de euros (os 800 mil euros atribuídos às frações com que fica, mais o valor dos honorários do arquiteto).

O sumiço, nos valores declarados no contrato, do valor adiantado pela EGIC previamente ao mesmo, a incongruência entre a versão que o PCP apresentou da permuta e a realidade, assim como o facto de ter permitido à imobiliária uma mais-valia que é seis vezes o valor atribuído aos bens com que fica na "troca" (ver segundo texto no DN sobre o caso), não são as únicas questões por esclarecer neste negócio imobiliário.

Há ainda uma outra: tendo até 13 de agosto de 2022 funcionado no rés-do-chão da Vivenda Aleluia uma pastelaria, a Selectarte, o DN concluiu ter existido um acordo com a mesma para o respetivo encerramento.
Essa conclusão deriva das afirmações da gerente da pastelaria, que no entanto não foi muito clara quanto aos termos desse acordo.

Informando que ela e o marido exploravam o estabelecimento desde 2013 e que após o fecho se reformaram, certificou ao DN que só fecharam "porque eles demoliram o prédio". Mas, adverte, "conversaram com a gente e foi tudo às boas. Na boa."

Reproduz-se a conversa:

Quando diz "eles" é quem, a construtora?

"Não, não, não. Qual o seu fim de andar à procura disso? Porque [a Vivenda Aleluia] já foi abaixo, já foi tão comentado..."

Tentar perceber o que aconteceu.

"Ai isso não sei. Lá o que o partido decidiu são assuntos deles. E com o construtor. Disso não faço a mínima ideia."
Mas o que está a dizer é que falaram com o partido, não com a construtora?

"Isso não sei. Foi com alguém. O meu marido é que conversou. Eu fui a gerente mas o meu marido é que conversava."

Tiveram de vos dar uma indemnização para sair, é isso?

"Olhe foi tudo na boa. Foi tudo de acordo, ambas as partes, está tudo bem, saímos na boa, não tenho nada a falar contra eles, foram humanos, é o único que tenho a dizer. Chegámos a um acordo, nada mais, eles são pessoas com quem sempre houve uma boa relação. Não tenho nada a informar contra eles."

Portanto foi o PCP que vos deu uma indemnização?

"Ai foi com o meu marido isso não sei, já não sei."

Quando o DN pediu para falar com o marido, a ex-gerente disse que este não estava disponível, por se encontrar "fora do país".

Tendo a EGIC garantido ao DN que o referido acordo é "assunto da inteira responsabilidade do PCP", o jornal consultou as contas gerais apresentadas pelo partido à Entidade da Contas e Financiamentos dos Partidos Políticos em 2021 e 2022, e que estão ainda por auditar, nada encontrando nelas que identifique uma quantia entregue a título de "indemnização por encerramento" - a descrição que, segundo Margarida Salema, deveria constar no balanço geral. Também foram consultadas as saídas da conta bancária da Direção Regional de Aveiro do PCP, e não se encontrou algo que pudesse corresponder (de acordo com a lei, "o pagamento de qualquer despesa dos partidos políticos é obrigatoriamente efetuado por meio de cheque ou por outro meio bancário que permita a identificação do montante e a entidade destinatária do pagamento").

Perguntado sobre esta situação - "o PCP fez algum acordo para o encerramento do estabelecimento [Selectarte]? Se sim, que acordo, quando, e quem foi mandatado pelo partido para o negociar? Se existiu pagamento de indemnização relacionada com o encerramento do referido estabelecimento, qual o seu valor e de que conta bancária saiu e quando?" - o partido, como já referido, declinou responder.

Que o PCP é segundo partido português mais rico em património imobiliário não é um segredo. De acordo com as contas apresentadas pelo partido em 2022, só a parcela "ativos fixos tangíveis"- relativa aos bens imóveis -, soma 14,475 milhões de euros. A soma de todos os ativos do partido em 2022, incluindo o dinheiro que tem no banco (só em depósitos bancários e "caixa", mais de quatro milhões de euros), ascendeu a mais de 20 milhões.

(Acima do PCP em património imobiliário só o PSD, cujo balanço de 2022 indica 31,116 milhões de euros em "ativos fixos tangíveis"; já em dinheiro, ficou atrás do PCP, com 2,937 milhões, entre depósitos e "caixa"; o terceiro na lista, o PS, fica a grande distância, com apenas 6,793 milhões em imóveis, e 2,294 milhões em depósitos e "caixa").

A lista dos bens imóveis do PCP referentes a 2022 (que o DN consultou na Entidade das Contas e Financiamentos Políticos) tem seis páginas com letra miúda. São ao todo 45 prédios rústicos - a maioria dos quais no distrito de Coimbra -e 281 prédios urbanos. De notar que na última década, entre 2012 e 2022, o número de imóveis rústicos - terrenos - na posse do partido diminuiu de 54 para 45, mas o número de imóveis urbanos aumentou, de 275 para 281.

Esse aumento pode explicar-se com negócios como o da Vivenda Aleluia: alienada em 2023, corresponde à entrada de vários novos imóveis na esfera do partido. O mesmo sucedeu por exemplo em 2013 com dois edifícios, sitos na Rua de São Bernardo, em Lisboa: se antes o partido tinha dois edifícios, agora tem, de acordo com a lista enviada à Entidade, 14 frações no mesmo local - o número 14 -, na caríssima Lapa.

Em dezembro de 2016, o jornal Expresso, num trabalho de investigação titulado "Negócios imobiliários sustentam contas do PCP", debruçou-se sobre aquilo que descreve como os "lucros" conseguidos há décadas por este partido nos ditos negócios "como forma de arrecadar receitas para o seu funcionamento". E prossegue: "Foram as mais-valias destas transações que permitiram aos comunistas equilibrar as contas anuais e evitar o colapso financeiro." Isto porque, explica, é o próprio PCP, num texto de base ao congresso que se avizinhava, a reconhecer que nos anos anteriores tinha registado "um valor médio anual negativo de cerca de 1 milhão e 82 mil euros" e "só com o recurso a receitas extraordinárias" fora possível "fazer face à situação deficitária".

O jornal exemplifica com o negócio da Rua de São Bernardo, que designa como "a joia da coroa" das possessões imobiliárias do partido - tratava-se de dois edifícios onde tinham funcionado o jornal O Diário e a Editorial Caminho, aos quais este atribuía o valor de 1,49 milhões de euros. Segundo a investigação do semanário, os dois imóveis foram "permutados em 2013 por 1,3 milhões" com a Pais de Sousa Construções, Lda, que anexou os dois e os remodelou, "mantendo o partido um terço da propriedade em andares, garagens e lojas totalmente remodelados e que estão [estavam à época da publicação] a ser revendidos."

Trata-se assim de um negócio efetuado em termos semelhantes aos do da Vivenda Aleluia, já que na permuta, informa o semanário, "o PCP ficou como proprietário de seis apartamentos, cinco frações de garagem e uma loja com montras para a Calçada da Estrela [avaliados nos tais 1,3 milhões]. Em dezembro de 2015, o partido vendeu a um particular três garagens por 75 mil euros e este outubro vendeu outro lugar de parque por 29 mil. Em 2013, o valor atribuído a cada uma daquelas frações era de 14 mil euros."

Acrescem às mais-valias de tais negócios imobiliários os proventos de rendas: o PCP é um "grande" senhorio, com dezenas, senão centenas de arrendatários.

Sobre essa matéria, porém - o valor que arrecada em rendas e de que tipo de contratos -, o partido recusou (como se comprova ser seu apanágio) responder ao Expresso. Outra recusa de resposta referiu-se à clarificação sobre quantos dos seus edifícios estão afetos à atividade política e portanto têm direito a isenção de IMI - o que permitiria saber quantos o PCP declara como não estando afetos a essa atividade, funcionando em relação a eles como qualquer outro proprietário comercial.

O partido sobre o qual Álvaro Cunhal disse ter "paredes de vidro" tem, no que respeita à forma como se financia, paredes de betão. Blindado.

Nota: Texto alterado às 21H15 de 4 de novembro, para corrigir uma informação incorreta: ao contrário do que se escrevera, não é o PCP o partido português "mais rico" em património imobiliário, mas o PSD.

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