A Vivenda Aleluia, uma obra-prima em risco de demolição ainda pode ser salva
A conservação da Vivenda Aleluia
é imperiosa e o contrário seria um
indesculpável atentado aos valores
da nossa cultura.
Álvaro Siza Vieira, 2023
Quase 30 anos separam dois dos mais importantes e impactantes movimentos de defesa do património das últimas décadas que protagonizei em Portugal. O primeiro, em 1996, pela defesa da arquitetura Arte Nova portuguesa e de Aveiro que é hoje considerada internacionalmente uma das Capitais Europeias da Arte Nova. O segundo diz respeito à Vivenda Aleluia, um projeto assinado por Silva Rocha, obra-prima e verdadeiro ex-libris da arquitetura estilo Casa Tradicional Portuguesa, entre nós divulgado e praticado por Raul Lino, na esteira do movimento internacional Arts and Crafts.
A situação de risco e de iminente destruição em que se encontra surgiu com o concurso de todos os que poderiam evitá-la, a DGPC e a DRCC incluídas, que se recusaram a classificá-la, única forma de a proteger, sendo que o primeiro pedido de classificação deste património de reconhecido valor nacional que apresentei ao antigo IPPAR, data de há 25 anos! A Câmara Municipal de Aveiro por sua vez recusou-se também a classificar o edifício como "Património Municipal" e decidiu demolir, invocando a "autorização do Ministério da Cultura".
Por outro lado, o Partido Comunista Português, seu atual proprietário, promoveu a demolição, traindo a memória de uma cidade que está nos roteiros europeus do património.
A Direção Regional da Cultura Centro emitiu em maio de 2022 um parecer favorável a esta demolição, que denotava o total desconhecimento, não apenas do autor do edifício, mas do estilo em que este se integrava. Reagi a este parecer invocando a sua nulidade por total ausência de fundamentos e a 30 de agosto de 2022, apresentando à DGPC um novo pedido de classificação para preservar um património de valor histórico, arquitetónico e artístico, nacionais.
A Vivenda Aleluia representa a magistral articulação do estilo Arte Nova, o mais emblemático da obra de Silva Rocha, na criatividade e assimetria do jogo de volumes, na linguagem decorativa da serralharia, com o estilo Casa Tradicional Portuguesa de que é um dos principais ex-libris em Portugal pela riqueza dos elementos decorativos, que a integram, quer no exterior, quer no interior, na expressão da cerâmica e do azulejo, do que de melhor produziu a centenária Fábrica Aleluia.
Há que realçar no plano do diálogo com as artes decorativas e aplicadas, tão característico do movimento Arts and Crafts, a riqueza e a diversidade dos painéis de azulejos, o trabalho dos tetos em madeira, a serralharia artística e os vitrais, uma constante na obra de Silva Rocha, especialista na arte de captar e utilizar a luz, colorindo-a, como elemento decorativo. A Vivenda Aleluia, prolonga brilhantemente e com uma atitude moderna o estilo da Casa Tradicional Portuguesa, do qual é talvez um dos mais extraordinários exemplos, segundo Ana Tostões renovando-o e "afirmando a modernização da cultura arquitetónica em Portugal."
Deu o seu testemunho a este respeito a historiadora de arte Rita Gomes Ferrão, no âmbito de uma proposta de classificação entregue à DGPC a 23 de março deste ano, aí defendendo exaustivamente "o interesse cultural, artístico, arquitetónico e histórico deste edifício".
Sobre o seu valor pronunciaram-se ainda, no âmbito de uma Petição Nacional, alguns dos mais ilustres arquitetos, historiadores e críticos de arte e professores de História de Arquitetura do nosso País. Com destaque para Siza Vieira que, a este respeito, escreveu ao Ministro da Cultura, Gonçalo Byrne, José Manuel Fernandes, Ana Tostões, Carlos Reis Figueiredo, presidente da Secção Regional do Centro da Ordem dos Arquitetos, Raquel Henriques da Silva, Bernardo Pinto de Almeida, Silvia Chicó e Vítor Serrão, entre muitos outros. A estes testemunhos eloquentes e inquestionáveis juntaram-se centenas de vozes anónimas, numa batalha sem precedentes pelo património, com o apoio assumido e oficial do Centro Nacional de Cultura, da Secção Portuguesa da AICA e da Ordem dos Arquitetos da Região Centro. O próprio ministro da Cultura, pela mão do seu chefe de Gabinete se manifestou a 29 de maio deste ano, em carta à ministra-Adjunta e dos Assuntos Parlamentares, favorável à classificação.
As duas subscritoras da Petição Nacional, a autora destas linhas e Rita Gomes Ferrão, ultrapassados os 1500 subscritores da Petição Nacional, foram ouvidas em audiência na Assembleia da República, a 24 de maio de 2023 e a 14 de julho e a meu pedido fui recebida pelo seu presidente, Dr. Augusto Santos Silva, a quem solicitei uma intervenção no sentido de travar de imediato a demolição da Vivenda Aleluia, então já em curso.
Após esta luta titânica de praticamente um ano, recebi, a 12 de julho, enviado pela DGPC, um despacho com a notificação do arquivamento do pedido de classificação da Vivenda Aleluia, como "Imóvel de Interesse Público". A este despacho de arquivamento respondi a 24 de agosto com um Recurso Hierárquico endereçado ao Ministro da Cultura, contestando por total falta de fundamentos este arquivamento e pedindo a imediata Classificação da Vivenda Aleluia como "Imóvel de Interesse Público", o que impediria a sua demolição.
A Vivenda Aleluia, obra-prima de Silva Rocha, Mestre da arquitetura do seu tempo envolvendo o legado extraordinário da centenária Fábrica Aleluia e dos azulejos que aí constavam, expressão identitária da cultura portuguesa, ainda está de pé. Não pode ser roubada ao património nacional, à memória coletiva de todos os cidadãos que prezam a cultura numa Democracia. Deve em vez disso ser de imediato classificada, recuperada e restaurada, e a sua beleza intemporal preservada para o fascínio das gerações vindouras.
Depende atualmente do ministro da Cultura, a quem recorri, que em 2024, em Aveiro, Capital da Cultura Portuguesa, inaugure, como Museu do Azulejo para o qual está naturalmente vocacionada, a recém-restaurada Vivenda Aleluia, numa homenagem aos valores culturais nacionais.
AICA - Associação Internacional de Críticos de Arte
Bisneta de Silva Rocha