NATO testa drones entre Tróia e Sesimbra

Foram 14 Estados-membros da Aliança, mais o parceiro Suécia (candidato à adesão) e os países observadores Japão, Coreia do Sul e Nova Zelândia os participantes do exercício militar Dynamic Messenger que decorreu de 18 a 29 de setembro. O DN acompanhou no navio espanhol Furor uma sessão de testes.
Publicado a
Atualizado a

Da ponte de comando do Furor, navio de patrulha oceânico da Armada Espanhola envolvida no exercício Dynamic Messenger da NATO, avista-se a Arrábida, e passamos ao largo da praia da Albarquel, da foz do ribeiro da Comenda com o seu belo palacete e da fábrica da Secil. Os ecrãs e monitores mostram o percurso do navio, que segue o estreito canal de navegação que permite sair do Sado sem ficar preso nos bancos de areia. A fazer uma espécie de escolta vão dois drones de superfície, um a bombordo com linhas aerodinâmicas que lhe dão um ar futurista, o outro a estibordo que é um barco pneumático convencional adaptado para navegar autonomamente. "Num cenário de risco, seria dada ordem para um dos drones avançar em grande velocidade e identificar se além daquela fortaleza existe alguma ameaça", explica o imediato Alberto Mata-Peña, "el segundo" da embarcação, como nos apontou um marinheiro espanhol. Sendo eu de Setúbal, sei que a tal fortaleza é hoje o hospital do Outão, especializado em ortopedia.

O Furor, com 46 homens e mulheres a bordo, foi um dos meios navais envolvido neste exercício da NATO, que se realizou pela segunda vez entre Tróia e Sesimbra, de 18 a 29 de setembro. Estiveram envolvidos 14 Estados-membros, também o parceiro Suécia (país candidato à adesão) e ainda, como observadores, o Japão, a Coreia do Sul e a Nova Zelândia. Como explicou, ainda antes do embarque, o Comandante do Centro de Experimentação Operacional da Marinha (CEOM), António Mourinha, "temos aqui na região acesso ao ambiente aéreo, ao ambiente de superfície, ao ambiente submarino e ao ambiente terrestre e, além disso, temos acesso ao deep sea, o mar profundo, pois temos aqui o canhão de Setúbal próximo. Tudo isto compõe o ambiente no qual nós promovemos experimentação operacional para desenvolver tecnologias emergentes e disruptivas com foco muito especial nos sistemas não tripulados de emprego marítimo" (ver entrevista ao lado).

Traduzindo um pouco o jargão militar, a zona em volta de Tróia e até Sesimbra é um excelente sítio para testar drones. E o pioneirismo do CEOM a lidar com os MUS ("maritime unmanned systems", que podem ser aéreos, de superfície, submarinos e até terrestres) é exemplificado pelo sucesso do REPMUS, o maior exercício mundial de experimentação destas novas tecnologias, que antecedeu em setembro o Dynamic Messenger, uma iniciativa da NATO para se treinar para uma futura guerra dos drones.

Já ultrapassado o Forte de Santiago de Outão, hoje hospital mas com muralhas do século XVI, e também o extenso areal da Figueirinha, o Furor começa a testar os dois drones aéreos a bordo. Um tem as formas de um pequeno avião, com as asas revestidas de painéis solares, e é lançado de uma espécie de catapulta. "O Airfox é um drone de vigilância, que nos permite identificar ameaças em cenário de conflito. É construído por uma empresa espanhola e estamos a ajudar a fazer o seu desenvolvimento. Surpreende pelo peso mínimo, só quatro quilos", diz o comandante Jaime Márquez de la Calleja. O outro drone aéreo testado, o Alpha A900, assemelha-se a um helicóptero e é igualmente tecnologia espanhola. Há tanto no REPMUS como no Dynamic Messenger a intenção de envolver a indústria dos vários países, que procuram ganhar com o know -how dos militares e das diferentes experiências nacionais, e até ganhar mercados. Mas como alertou logo de início, ainda no cais dos fuzileiros em Tróia o comandante de nacionalidade espanhola Federico de Pazos, que concebeu o Dynamic Messenger, "o objetivo dos exercícios NATO passa sempre por promover a interoperacionalidade entre as forças armadas dos Estados-membros", que dos 12 fundadores em 1949, incluindo Portugal, passaram para os atuais 31. A mais recente adesão foi a da Finlândia, já este ano, que renunciou à neutralidade depois da invasão da Ucrânia pela Rússia em fevereiro de 2022. Outro país nórdico tradicionalmente neutro (desde o fim das Guerras Napoleónicas!), a Suécia, reagiu ao expansionismo russo também com pedido de adesão à aliança militar liderada pelos Estados Unidos, mas espera luz verde por causa de objeções da Turquia relacionadas com temas bilaterais (asilo a independentistas curdos).

A guerra no leste da Europa, a maior no continente desde o fim da Segunda Guerra Mundial, trouxe uma importância acrescida a este treino de drones militares. E à entrada do Ponto de Apoio Naval de Tróia a bandeira ucraniana entre as dos países NATO revela que o país atacado pela Rússia esteve presente como observador no exercício REPMUS, como foi depois confirmado por fontes militares. A questão da eventual adesão da Ucrânia, país que tem recebido forte apoio material da NATO, é hoje um dos grandes temas de debate na Aliança Atlântica, sabendo-se que a Rússia usou essa possibilidade como uma das justificações para o ataque à outra antiga república soviética.

A bordo do Furor os chamados Infantes de Marina, equivalente aos marines americanos e aos nossos fuzileiros, estão em estado de prontidão, armados com metralhadoras junto à amurada do navio, enquanto lá em cima voam os dois drones. Na Ponte de Comando, junto aos monitores com imagens de tom esverdeado que mostram o perfil da costa e também do fundo marinho, estão os ecrãs agora com imagens novas fornecidas pelos mini-helicóptero e mini-avião que sobrevoam o Furor. Informação recolhida em tempo real e partilhada com os outros países participantes no exercício, que são Portugal (como anfitrião), Canadá, Dinamarca, França, Alemanha, Grécia, Itália, Letónia, Países Baixos, Polónia, Espanha, Turquia, Reino Unido e Estados Unidos, mais a Suécia, parceiro, e os tais observadores Japão, Coreia do Sul e Nova Zelândia.

Efetuada a missão, o primeiro drone (ou MUS) regressa ao navio. É o mini-helicóptero, que aterra na popa, na zona onde um helicóptero verdadeiro tripulado também pousaria. Aliás, toda a manobra é semelhante. Já no caso do mini-avião, o procedimento de recuperação é bastante mais complexo. A descolagem foi feita por catapultagem e o drone não tem rodas, o que afasta a hipótese de uma aterragem normal, que seria sempre complicada no limitado espaço livre disponível na popa do Furor, explica um dos marinheiros espanhóis que prepara uma rede colocada na vertical a estibordo. Será através dela que o drone será recolhido. As primeiras manobras de aproximação são ensaiadas, mas o vento complica a operação. O navio tem então de fazer uma manobra que o leva a distanciar-se um pouco da serra da Arrábida - de início, pensei que seria para seguir o canal de navegação, mas é uma quase curva de 90 graus para bombordo, e o comandante Márquez de la Calleja informa que tem que ver com a recuperação do drone. O navio coloca-se de forma a que o mini-avião voe contra o vento, o que lhe garante maior estabilidade, no momento de se dirigir para a rede. E finalmente é resgatado com sucesso. Como comenta um elemento da empresa construtora, que está a bordo para apoiar a utilização, estamos a falar de muitos milhares de euros, e a perda de um drone destes é complicada.

É dada uma oportunidade aos jornalistas de segurarem o drone de cores amarelo e preto. De facto, o peso é mínimo e aparenta grande fragilidade, mas mais do que a carapaça interessa a tecnologia que o faz funcionar. É esse o grande segredo dos drones que, como explicou em Tróia o comandante Mourinha, do CEOM, foram inventados "para fazerem tarefas perigosas, sujas ou aborrecidas" para os seres humanos. Também fazem algumas tarefas de forma mais económica (e eficaz), como a sua utilização pela Ucrânia na resistência à Rússia tem mostrado. "Sim, a guerra na Ucrânia criou uma nova realidade em termos de uso de drones para fins militares. E acentuou a importância destes exercícios", comenta, por seu lado, o comandante do Furor, que não se pronuncia, porém, se um dia haverá drones em guerra contra drones. "O que lhe posso dizer é que aqui no Furor temos já armamento que nos permite responder a um ataque por drones. Essa é já uma realidade", diz Márquez de la Calleja. No âmbito da Aliança, uma constante no discurso oficial, e ainda esta semana a ouvi numa visita à NATO Communications and Information Agency , em Oeiras, proferida pelo seu diretor, o britânico Gary Hargreaves, é "manter a vantagem tecnológica da Aliança".

Com Sesimbra à vista, um casario branco a descer as colinas até à praia mas também vários grandes hotéis, o Furor prepara-se para apoiar um novo exercício com drones. Uma lancha com dinamarqueses aproxima-se vinda de terra e é acolhida pelos dois drones tipo barco que desde Tróia escoltam o navio. No Furor, está um oficial norueguês (não esquecer que este é um exercício com mais de uma dezena de nacionalidades envolvidas). Bjarte Haugsvaer explica que "o drone de superfície vai usar o sonar para detetar eventuais minas marítimas". É um tipo de teste que ganhou atualidade com as repercussões no Mar Negro da guerra na Ucrânia, conflito que, por causa da destruição do Nord Stream 2 no Báltico, também trouxe para a ordem do dia as ameaças às infraestruturas submarinas, como - e isso preocupa muito Portugal - os cabos submarinos de telecomunicações.

Durante vários minutos, o drone de superfície move-se como se estivesse à caça. Neste caso, a missão é de simples deteção, mas há também drones submarinos que destroem as minas. De repente, tudo é dado como terminado e o pneumático com os militares dinamarqueses acelera para Sesimbra, onde estão instalações ligadas ao Dynamic Messenger, que envolve 1100 civis e militares em terra e mil tripulantes de 13 navios. Os jornalistas seguem o mesmo caminho, levados por uma lancha do Furor. Junto ao cais está um grupo de americanos também envolvidos no exercício, que descansam junto a vários drones e decoraram o seu espaço com uma bandeira dos Estados Unidos, e os dinamarqueses que ainda há pouco testavam o drone. Agora arrumam cinco, todos amarelos com pequenas diferenças de design, e a inscrição Royal Danish Navy. Pergunto a Peter S. Molgaard, o militar nórdico de serviço, se são tecnologia dinamarquesa, e a resposta é: "não, são portugueses". É o LAUV SEACON da OceanScan-MST!

leonidio.ferreira@dn.pt

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt