NATO "tem de puxar as orelhas a Polónia, Hungria e Turquia"
"A NATO tem de sublinhar outra vez a importância dos valores democráticos" dominantes entre os seus fundadores, há 70 anos, e "também tem de arranjar forma de puxar as orelhas aos países que não têm o mesmo nível de defesa" desses princípios "como os entendemos".
Quem o afirma é o embaixador António Martins da Cruz, antigo representante permanente de Portugal junto da NATO, ouvido pelo DN a propósito do 70.º aniversário que a Aliança Atlântica comemora nesta quinta-feira com uma reunião, em Washington, dos ministros dos Negócios Estrangeiros dos 29 membros da organização.
Essa defesa dos valores democráticos - "que ganharam a Guerra Fria", atraindo países do extinto Pacto de Varsóvia para o seio da NATO "porque a democracia ganhou" - representa um dos muitos "desafios para os próximos 70 anos" de vida da NATO, sustenta o diplomata.
Outros desafios, de natureza política, passam por "arranjar uma maneira de puxar as orelhas" a países como a "Polónia, a Hungria e a Turquia", além de saber "como revigorar a liderança americana na Aliança e como compatibilizar a Aliança com a defesa europeia", considerada por muitos "o pilar europeu da NATO".
Embora frisando que "uma coisa são os interesses estratégicos dos EUA e dos aliados e outra é o atual inquilino da Casa Branca", Donald Trump, o antigo ministro dos Negócios Estrangeiros português, deixa um alerta: "A futura amplitude da segurança da Europa e o próprio futuro dos dispositivos da NATO podem depender dos humores eleitorais dos agricultores" protestantes ou dos trabalhadores das áreas industriais dos EUA que formam a base de apoio de Trump.
A necessidade de "manter a porta aberta para futuros alargamentos", desde logo à "Ucrânia e Geórgia", assim como "encontrar maneiras de conter os alargamentos territoriais da Rússia" e que "colocam obviamente em risco os equilíbrios geoestratégicos" são outros objetivos a ter em conta, observa Martins da Cruz.
Num plano mais operacional, o embaixador português enfatiza que "é importante a NATO preparar-se e ganhar a batalha digital", dado que "as ameaças cibernéticas são um dos riscos mais graves" que os aliados enfrentam - e de que é exemplo, lembra, o ataque ao sistema militar e de defesa espanhol noticiado há dias pelo jornal El País.
Quanto às missões operacionais onde a NATO está envolvida, António Martins da Cruz considera que a Aliança "vai ter de saber acabar a missão no Afeganistão". Se "acabar com uma guerra é mais importante do que começar uma guerra", o antigo chefe da diplomacia portuguesa lamenta "o atual desinteresse dos EUA" face aos compromissos assumidos - naquele país ou no Iraque - e que "obviamente causa preocupações aos aliados" europeus.
"Mas isso também não justifica embandeirar em arco e criar à pressa uma defesa europeia, que não tem nem dimensão nem a capacidade de dissuasão que tem a NATO", avisa Martins da Cruz, aludindo implicitamente aos recentes desafios lançados nesse sentido por parte da França e da Alemanha.
Portugal, insiste o embaixador, "tem de saber defender a diferença" entre o que são os EUA e o que é o presidente Trump, pois a defesa e segurança de Lisboa "dependem da NATO e dos EUA".
A NATO "é uma aliança militar de defesa com sucesso", insiste António Martins da Cruz, para quem celebrar o 70.º aniversário da organização "merecia certamente reunir os chefes de Estado e de governo" dos 29 em Washington - e num período de forte ressurgência político-militar da mesma potência, Rússia, que justificou a criação da NATO.
Martins da Cruz diz saber que esse encontro de alto nível para celebrar o Tratado de Washington foi ponderado - mas "o presidente Trump terá dito que não teria agenda" para participar.
O embaixador admite ainda que essa cimeira teria ocorrido "se os EUA tivessem outro presidente" em vez de Donald Trump, apontado esta semana como "o maior problema" da NATO por dois antigos embaixadores norte-americanos junto da Aliança, Nicholas Burns e Douglas Lute.
Sobre as próximas eleições norte-americanas, em 2020, Martins da Cruz regista que "há 17 candidatos declarados do Partido Democrático e um do Partido Republicano" - e "se a situação não se alterar, é possível ou provável que Trump seja reeleito".
"A responsabilidade será dos eleitores americanos e não dos aliados, que olham sem poder meter a mão na massa, sem poder votar [...]. Mas são as regras do jogo, conhecidas de todos, até de russos, chineses e outros atores internacionais", conclui António Martins da Cruz.