Seria muito provavelmente Maria, Ana, Rosa, Emília ou Deolinda, o nome da menina de laço no cabelo, sentada na cama de grades do Hospital de Dona Estefânia, em Lisboa, naquele mês de dezembro de 1925. Os dois rapazes que se veem na fotografia poderiam chamar-se José, António, Manuel ou Joaquim. Eram estes os nomes mais populares na década de 1920, em Portugal..Havia pouco mais de 6 milhões de pessoas a viver no país e por ano nasciam, em média 200 mil crianças (hoje não chegam às 90 mil). Só que dessas, muitas, mesmo muitas, morriam antes de completarem sequer o primeiro ano de vida. Até 1940, as taxas de mortalidade infantil eram, em Portugal de 130 por mil. Em 2017 a taxa foi de dois por mil, em 2010 atingiu o valor mais baixo: 2,5 por mil. A grande queda, ou seja, a grande melhoria, deu-se entre as décadas de 50 e 70 quando se passou de 88 para 26, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística. Em 1981, a imprensa relatava ainda que Portugal tinha a taxa de mortalidade infantil mais elevada da Europa. Por cada mil crianças que nasciam, 26 morriam nos primeiros anos de vida..Mas não era apenas a mortalidade infantil que preocupava. A vida era má. E demasiado curta. Para aquelas três crianças da fotografia, a esperança média de vida situava-se em números hoje inimagináveis. Estatisticamente falando, a menina do laço tinha uma esperança média de vida de 40 anos e os dois rapazes de apenas 35,8 anos. Menos de metade do que é hoje..No espaço de um século os indicadores de saúde em Portugal alteraram-se drasticamente para melhor. Os cuidados de saúde, o avanço da ciência, a melhoria das condições de vida da população, o saneamento básico, a escolarização, o estado social, tudo foi contribuindo para que hoje se nasça com segurança e se viva muitos mais anos..Um hospital que nasce de um dote de casamento.Se este era o retrato em 1925, imagine-se o que encontrou a princesa Estefânia Josefina Frederica Guilhermina Antónia quando chegou a Lisboa, nascida na Suíça e a viver na Alemanha, para casar com o esbelto (era alourado e com um bigodinho) D. Pedro. Aos 18 anos foi aclamado rei de Portugal, D. Pedro V casou em 1858 com a não menos bela princesa de Hohenzollern-Sigmaringen, tinham ambos 21 anos. Primeiro casam por procuração, depois na Igreja, no dia 18 de maio..Estefânia é uma rainha instruída e dedicada, e estranha que na capital do reino as crianças sejam tratadas e internadas nos mesmos hospitais dos adultos..É por isso que decide lançar-se na grande empreitada de mandar construir um hospital para as crianças pobres e doentes. Uma grande obra, financiada com o dote de casamento de Estefânia, que por esta altura já teria conquistado o coração dos súbditos. Pedro V, O Esperançoso, O Muito Amado, e Estefânia eram sinónimo de amor real..Mas a rainha morre pouco tempo depois, em julho de 1959, com apenas 22 anos, de difteria. Pedro não deixa cair a vontade da mulher e começa a concretizar o sonho de Estefânia. Muito amigo da Rainha Vitória e sobrinho do Príncipe Alberto de Inglaterra, consegue que seja Humbert, o próprio arquiteto da casa real inglesa, a fazer o projeto..O local escolhido foi a Quinta do Paço Real da Bemposta, conhecida por Quinta Velha, "uma encosta arejada nos arredores da cidade".."O edifício original estava dividido em quatro corpos principais, formando cruz e era constituído por dois pisos de enfermaria, num total de quatro, cada uma destinada a 32 camas. Cada enfermaria tinha cerca de 45 m de comprimento, 12 m de largura e 6 m de altura. Estas dimensões proporcionavam a cada doente 60.3 m de espaço cúbico. Havia 20 janelas por enfermaria, 18 nas paredes laterais e duas num dos topos, cabendo duas camas a cada janela. Havia casas de banho com banheiras de mármore, água canalizada e luz a gás de resíduos de petróleo. Na parte interna do piso superior, ladeando todo o claustro, corria uma galeria destinada ao passeio dos convalescentes", relata-se em depoimentos e documentos dispersos citados no Jornal da Sociedade das Sciencias Medicas de Lisboa..De tal forma grandiosa era a obra que chegou a ser citada por Florence Nightingale no seu livro Notes on Hospitals da seguinte forma: "A construir hospitais para crianças, este é o modelo que deve ser seguido.".Em 1868, o médico Bernardino António Gomes explicava: "Esta magnificência não é a do luxo e sumptuosidade mas sim a magnificência da higiene. O hospital da Bemposta tem a elegância, não do fausto, mas a da singeleza e harmonia das formas"..D. Pedro V não chegou a ver a obra concluída. Morreu em 1861, de tifo e foi já o seu irmão, o rei D. Luís, que inaugura o hospital a 17 de julho de 1877, na data de aniversário de D. Estefânia. Primeiro denominado de Hospital da Bemposta, depressa passa a ser conhecido e depois reconhecido oficialmente como Hospital de Dona Estefânia..Pioneiros na pediatria e na humanização.A fotografia foi tirada no dia de consoada de 1925. "Na enfermaria do prof. doutor Salazar de Sousa, no Hospital de Dona Estefânia, foram ontem distribuídos pela iniciativa da ilustre médica a senhora Dra. Sara Benoliel, muitos brinquedos às crianças que ali se encontram internadas", lê-se na notícia publicada no Diário de Notícias do dia de Natal desse mesmo ano. Foi exatamente em 1925 que no Hospital de Dona Estefânia foi implantada a Semana da Criança, muito antes de internacionalmente se instaurar o Dia Internacional dos Direitos da Criança em 1959..Foi ali que nasceu também o primeiro serviço de pediatria tal como se conhece hoje, com as secções médica e cirúrgica, e é ali também que surge, em 1948, a Sociedade Portuguesa de Pediatria.