Não sei de que é que eu fujo

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\t\tO que fazemos quando a velocidade nos tolda os sentidos? VLCD – Do Lugar Onde Estou já me Fui Embora é o espectáculo que o Teatro Meridional estreia no dia 12 (quarta-feira). Uma encenação de Nuno Pino Custódio, antigo e recorrente cúmplice da companhia.

VLCD fala do modo como as pessoas vivem hoje nos grandes centros urbanos. Um movimento frenético: quando se chega a um sítio já lá não se está de facto. Uma voragem que alimenta a sociedade de consumo. A criação de “um ‘eu social’ que faz o que os outros esperam dele e que nem sempre é o que quer realmente”, diz o encenador. O convite para Nuno orquestrar esta peça partiu de premissas-base: utilizar a técnica de clown e fazer um espectáculo baseado no gesto e na criação colectiva – realidades afins à estética do grupo, que tem feito vários espectáculos a partir da gestualidade, pondo de lado a comunicação verbal.

O elenco é composto por Miguel Seabra, Carla Maciel, Luciano Amarelo e Fernando Mota, este último também responsável pela música e espaço sonoro.

Para falar de um tempo que é espartilhado na vida dia a dia nasceu este projecto de “risco absoluto”. Como é que se representa, sem palavras, que um homem e uma mulher se apaixonam num minuto e se desapaixonam no minuto seguinte? Quase toda a comunicação (e emoção) tem de passar através do corpo do actor e a dramaturgia vai-se construindo e destruindo todos os dias – “um processo difícil, moroso, empolgante” e que obedece “à essência” deste grupo de criativos e ao seu momento presente. Para o encenador, é precisamente essa “não vivência” do presente e das próprias experiências que nos vai deixando todos os dias um pouco mais vazios, mais sós. “As pessoas estão cada vez mais esquizofrénicas porque não têm vivências interiores. Andamos intranquilos, confusos, temos muita informação. Só por isso se explica que num dia alguém se julgue arrebatado por um sentimento e no outro dia não sinta nada.”

A realização plástica do espectáculo obedeceu ao mesmo processo de encontro e descoberta em aberto: “É uma coisa anacrónica. Os actores foram pegando em objectos de um imaginário entre os anos 60 e 80 para falarem dos dias de hoje. Há telefones antigos usados como se fossem telemóveis. E o espectador vai ver, de facto, um telemóvel porque, no teatro, o pensamento pode ser uma realidade física”. Na cena há também um círculo – palco onde a vida se desenrola – e malas vazias, as metáforas da (nossa veloz)  viagem, que constroem cenários: muros, mesas, alfândegas.

A música funciona como se fosse mais uma personagem e, tal como a luz (que na peça se afasta do realismo), complementa o gesto e valoriza o trabalho do actor.

A velocidade é aqui algo que tem a ver com um “ritmo interior” que nos é inerente, sendo o segredo mais bem escondido do consumo. “É um universo que vive de relações comerciais. As pessoas são tidas como bens. Circulam, consomem e seguem.” Esta velocidade é mostrada através do que é fundamental para Nuno P. Custódio: uma dramaturgia do ver. “Em palco a validação das nossas ideias (as ideias conceptuais e dramatúrgicas do papel) só se faz através dos sentidos. Só sei aquilo que sinto.”

VLCD conta que “existem outras formas de estar para além da velocidade e que podemos optar por elas. A lentidão também faz falta” – a lentidão como um tempo para reflectir além da superfície das coisas. Para sentir o que é singular em cada um. E para fruir. Porque, lembra o encenador, “não apreciamos um pôr-do-sol com a mente. E porque viver o amor, comer, dormir ou adormecer um filho ‘depressa’ não será, seguramente, a melhor opção.”

VLCD
Local: Teatro Meridional
De: Criação Colectiva
Encenação: Nuno Pino Custódio
Com: Miguel Seabra, Carla Maciel,
Fernando Mota e Luciano Amarelo.
Horários: 12/11 a 21/12. De 4.a a sáb. às 22h00; dom. às 17h00
Preços: 5 a 10 euros

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