"Não mudaram os valores fundamentais das sociedades livres"
Os países europeus estão mais seguros mas ainda não chega, diz Nuno Severiano Teixeira. É preciso que as autoridades mudem o paradigma do "secretismo", da Guerra Fria, para o da "partilha" de informações"
Os atentados de Paris, há um ano, mudaram a forma de vida dos europeus?
Dos que perderam a vida e dos seus familiares mudaram, certamente. Mas mudaram também um pouco do quotidiano das sociedades em que ocorreram, como a França, que viveu sob o estado de emergência. Mas o que é importante não isso. O importante é que não mudaram os princípios e os valores fundamentais das sociedades livres. Aqueles contra os quais, simbolicamente, os atentados foram perpetrados. E que, a meu ver, saíram reforçados por reação contra a barbárie jihadista.
A Europa está hoje mais preparada para prevenir atentados?
Uma das características do terrorismo é a sua imprevisibilidade e é por isso que é sempre difícil prever. Mas, sem dúvida que, desde o 11 de Setembro, a Europa se tem vindo a dotar de um conjunto de instrumentos que a tornam mais preparada para prevenir o terrorismo. Primeiro, desde 2002 uma definição de terrorismo. Depois, desde 2005 uma estratégia de luta contra o terrorismo. E mais recentemente, o Comité Permanente Operacional de Segurança Interna na estratégia 2015/2020 definiu a luta contra o terrorismo como uma prioridade. Perguntará, isto é suficiente? Eu diria: é necessário mas não é suficiente. É preciso atualizar a cultura estratégica e adaptar a luta contra o terrorismo ao novo paradigma do terrorismo que é, hoje, transnacional. E contra uma ameaça transnacional a resposta só pode ser o reforço da cooperação internacional. Isto é, a aproximação deve ser cada vez menos nacional e cada vez mais europeia. E se isto é verdade para a cooperação policial, é por maioria de razão, para a cooperação nas informações. É preciso passar do "paradigma de secretismo" típico da guerra fria e eficaz para ameaças de natureza nacional para um "paradigma de partilha", essencial em caso de ameaças transnacionais.
Que medidas preventivas são essenciais e prioritárias?
Há duas ou três que são fundamentais: primeiro, o combate ao financiamento do terrorismo e o branqueamento de capitais; segundo, o reforço do controle das fronteiras externas e, em particular, a plena implementação do sistema PNR (Passengers Name Record); e, finalmente, um trabalho difícil e complexo mas que tem que ser feito, de contra propaganda e contra radicalização. E isso passar pela integração social e cultural das comunidades e grupos mais vulneráveis ao recrutamento do terrorismo.
O que é preciso fazer para que haja ainda mais segurança?
É preciso estender a cooperação a países terceiros. Nada disto será suficiente se ficar no plano nacional ou mesmo no plano estritamente europeu. Para combater o terrorismo transnacional é preciso articular esta lógica de segurança interna, de natureza policial e judiciária, com uma lógica internacional de natureza diplomática e militar. Podemos tomar todas as medidas de segurança interna, mas se não resolvermos a situação internacional no Médio Oriente, o conflito na Síria e a questão do Daesh [Estado Islâmico], o terrorismo jihadista persistirá.
Quais são neste momento as principais ameaças à segurança internacional?
Eu diria as principais ameaças à segurança europeia, porque são, simultaneamente, internas e internacionais. Porque se manifestam no interior mas têm uma origem externa. A Europa está, hoje, rodeada de um arco de crises desde o flanco leste ao flanco sul: a crise da Ucrânia; a crise Síria, a emergência do Daesh; o vazio de poder na Líbia e o terreno fértil para todo o tipo de tráficos. E todas estas crises têm reflexos no interior do território europeu: o terrorismo jihadista; a criminalidade organizada; os fluxos massivos e descontrolados de refugiados.
Os ataques ao Estado Islâmico estão a provocar a fuga de muitos combatentes que vão regressar aos seus países de origem. Está estimado em cerca de 5000 o número de jihadistas europeus. Portugal tem seis confirmados que são alvo de investigação do Ministério Público.
Que medidas legais e de segurança devem ser tomadas para preparar a sua possível chegada?
Portugal tem para o efeito o quadro legal definido e adequado. E tem também os instrumentos operacionais necessários ao acompanhamento e vigilância. As autoridades competentes terão certamente esse dossier em mãos. Mas isso terá que lhes perguntar a elas.
O que temos para oferecer a estes jihadistas?
Sabem que não serão degolados. Mas sim julgados e num Estado de Direito. Não é pouco.