Não havia necessidade. Marcelo está a pisar o risco

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Começa a tornar-se um bocadinho enjoativa a lua-de-mel política entre o Presidente da República e o primeiro-ministro. Enjoativa e até algo despudorada - no sentido da falta de pudor, como aqueles pares que se dão tão maravilhosamente bem que envergonham toda a gente à volta com as suas manifestações de afeto.

Sendo certo que não faz mal a ninguém que haja paz institucional, também não é menos certo que convém a ambas as partes um mínimo de distância. Isto para que a certa altura não nos ponhamos a pensar que em vez de termos na Presidência e no governo dois órgãos de soberania, com legitimidades diferentes, temos afinal um só.

Marcelo Rebelo de Sousa, que ainda está, notoriamente, à procura de um tom certo para a sua afirmação pública, desiludiu todos os que lhe pediram que censurasse António Costa por ter feito um governo mesmo tendo perdido as eleições ("golpismo", ouviu-se no PSD). Tem-se mostrado sempre em consonância com o primeiro-ministro, mas ontem foi longe de mais.

Foi longe de mais quando decidiu pôr-se do lado de Costa na questão dos contactos que o primeiro--ministro fez com Isabel dos Santos por causa do BPI (contactos ilegítimos, na opinião do PSD e de Passos). "Justifica-se essa intervenção a pensar na estabilidade do sistema financeiro, a pensar na afirmação do interesse público" e tendo em conta a "forte componente pública" do sistema bancário português, "pela propriedade de uma instituição e também pelo envolvimento de dinheiros públicos fora dessa instituição", disse ontem o PR.

Não está aqui em causa avaliar o conteúdo substantivo destas palavras. O que acontece é que Marcelo não deveria publicamente ter dito o que quer que fosse - quando muito, no recato do seu gabinete, incentivaria o primeiro-ministro a prosseguir. Porque esta polémica é só uma das muitas polémicas interpartidárias que todas as semanas dão pretexto ao poder e à oposição para trocarem umas bolas no fundo do court. É irrelevante - nem o CDS acompanhou o PSD - e percebe-se porque surgiu: porque Passos quer "tapar" o caso Maria Luís e porque, falando em promiscuidades entre governação e setor privado, está outra vez a tentar atingir Costa com o "caso Sócrates".

Mas os partidos, para sobreviverem - e isso aplica-se mais quando estão na oposição -, têm de estar sempre a dizer "coisas" - seja lá o que for, muito, pouco ou mediamente relevante. Se não falam, alguém fala por eles, e a política faz-se assim, marcando uns pontinhos ali, perdendo acolá. Se faz parte da coreografia manter a bola sempre em movimento, então não convém que o árbitro subitamente entre pelo campo adentro e a entregue a um dos jogadores.

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