"Não há nada para fazer. Vamos para casa e ficamos a ouvir os morteiros"
Há duas semanas Shevchenkove, uma aldeia na estrada que liga Mykolaiv e Kherson, ainda estava em mãos russas. Agora as linhas de Moscovo recuaram seis quilómetros. "Estão ali ao fundo", indica-nos um soldado, apontando para um imenso campo agrícola por semear. Nós não os vemos, mas ouvimos. Enquanto estivemos na aldeia os tiros de artilharia não pararam. De um lado e de outro. As tropas ucranianas tentam consolidar as posições conquistadas nos últimos dias; os russos, que controlam grande parte da região, tentam avançar na direção de Mykolaiv. Ontem mais quatro casas foram destruídas em Shevchenkove. Estavam vazias como estão quase todas as da aldeia. O presidente da câmara também não está. Mas não fugiu. "Foi raptado na noite em que as tropas de Putin entraram", a 10 de março. O motorista apareceu seis dias depois. Oleg Pilipenko, o autarca, foi visto pela última vez a mais de 250 quilómetros dali, em Melitopol, conta-nos Yuri, um dos muitos militares que defendem a aldeia.
A farmácia, as três lojas de comércio, os dois cafés e a loja de bebidas alcoólicas estão fechados. Na aldeia cruzamo-nos com dois homens que estiveram cá o tempo todo. Sasha e Pasha. O mais velho, Pasha, mostra no telemóvel o filme que fez na manhã de 11 de março. Vários rockets atingem a casa do homem, enquanto este vai insultando os atacantes.
Pasha queixa-se da monotonia dos dias. "Agora não há nada para fazer. Não podemos andar nos campos porque ainda há por lá minas. Nos terrenos que já não têm dono, apanhamos cebolas, couves e cenouras. Mandamos para o norte para serem distribuídas. Não há nada para vender. Apanhamos para ajudar os outros e para nos entretermos. Ainda agora estivemos a carregar um camião de couves. Vamos para casa e ficamos a ouvir os morteiros a caírem. Acordamos, a mesma coisa. E assim continua a vida".
Na noite em que Pilipenko foi levado, Pasha também foi raptado. "Levaram-nos para Chornobayivka", conta o homem.
Ao contrário do que aconteceu noutras aldeias vizinhas, aqui os russos não fizeram muitas pilhagens. "Nem por isso, penso que só roubaram o meu carro. Estavam com pressa de chegar a Mykolaiv", conta Sasha. Ele foi feito refém enquanto ajudava os outros a saírem da aldeia: "Eles saíram do lado do canal. E ficaram com o meu carro. Depois levaram-me para o aeródromo de Chornobayivka, em Kherson".
Sasha relata que havia várias dezenas de reféns. Antes da batalha de Cornobayivka, a 22 de março, foram libertados. "Um dia mandaram-nos para a ponte de Antonovsky e deixaram-nos no meio do nada. A sorte é que eu conhecia bem o terreno. Fizemos mais de 60 km a pé pela floresta, para fugir aos postos de controlo". Foi também assim que chegou a Snegueryovka, uma aldeia ainda nas mãos das tropas de Moscovo. O que lá foi fazer não nos quis contar.
Sasha garante que a vida sob a ocupação russa era como agora. "Já estamos habituados, nós não temos medo. Já sabemos onde vai cair a bomba".
Yuri transporta uma kalashnikov ao ombro, várias granadas no bolso e uma pistola TT, de fabrico soviético, no coldre que traz ao peito. Mostra-nos a arma que ainda exibe a velha estrela e o ano de fabrico: 1949. "Ainda funciona! É uma veterana de guerra". A veterania da pistola contrasta com a de Yuri. Enquanto nos guia por esta aldeia fantasma, conta que quando estudava na República Checa ia duas a três vezes por semana a uma carreira de tiro. Mas não cumpriu o serviço militar. Aos 23 anos, juntamente com alguns amigos, começou a investir no mercado de ações norte-americano. E foi assim durante dois anos, até que há pouco mais de um mês se juntou à guarda regional de Mykolaiv.
Por agora Yuri passa os dias a ouvir os tiros de artilharia, não tem tido muita ação. Nesta altura, a batalha de Schevenkove trava-se à distância. Mas não foi assim em Oleksandrivna. Yuri esteve lá, na noite de 29 para 30 de março. O lado ucraniano ficou sem munições antitanque e as tropas russas acabaram por conseguir entrar na aldeia. Quando não está ocupado, trata de alimentar as dezenas de cães e gatos que foram deixados para trás. Daqui a três meses, Yuri espera poder voltar aos negócios. "As batalhas vão acabar quando acabar o dinheiro na Rússia. Lá para o fim de julho", vaticina o especialista em mercados financeiros.
O militar garante que, apesar de tudo, a vida nesta aldeia é calma. Mas uma explosão mais forte parece deixar os soldados nervosos. Depois do estrondo, Yuri interrompe os jornalistas: "Estão a bombardear agora. Têm de sair!"