"Não excluo nada. É preciso construir algo entre Macron e Le Pen que seja atrativo"

Em Lisboa para a cimeira The Future of Politics, a ex-ministra e ex-candidata presidencial, que presidiu à COP21, falou da importância do Acordo de Paris sobre o Clima, de Greta Thunberg e do desejo de voltar a ser candidata ao Eliseu em 2022, 15 anos depois.
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Lembrou na conferência que a falta de água mata mais do que as guerras, falou dos incêndios e inundações que assolaram a Europa. O que falta para os líderes perceberem que é hora de agir para travar as alterações climáticas?
Não falta nada. Todas as ameaças estão aí. Já chegaram. Antes dizíamos que íamos agir para o futuro, mas não. É para o presente que é preciso agir.

O que falta, vontade política?
Vontade política, sim. Falta um espírito muito mais pragmático. O que me preocupa é que na COP26, em novembro em Glasgow, voltemos a assistir a uma litania de discursos de chefes do Estado que vão subir ao palco e dizer palavras bonitas. Ora, há cinco anos que temos o Acordo de Paris sobre o Clima e todos os meses era necessário mudar a diplomacia climática. É um lobby como qualquer outro, são sempre os mesmos, nas conferências, etc. Do que precisamos é de um caderno de encargos em que todos os meses os países registassem o que fizeram. E quando chegássemos à COP era fácil dizer: "No ano que passou , isto foi aquilo que fizemos e o que não fizemos". Então poderíamos questionar porque não fizeram, quais os obstáculos?

Podemos esperar mais dos EUA agora com Joe Biden na presidência do que com Donald Trump, que retirou o país do Acordo de Paris?
Sim, isso foi uma boa notícia. Sobretudo é importante não voltarmos onde estávamos antes da covid. Antes da pandemia falávamos sobre como construir o mundo do futuro, mas com a covid as pessoas ficaram desesperadas, já nem se fala no mundo do futuro. Em França, na primeira fase do confinamento houve todo um debate sobre o mundo pós-pandemia, como íamos construir um mundo mais seguro, mas no segundo confinamento as pessoas estavam tão cansadas que apenas queriam voltar ao mundo do pré-covid, recomeçar como se nada tivesse acontecido, sem pensar que a nossa geração tem de repensar um certo modo de vida se quer que a geração seguinte tenha uma boa vida.

É importante que as novas gerações, de que Greta Thunberg é o rosto, pressionem os líderes para agirem em relação ao clima?
Sem dúvida. Ela é excelente. Por vezes acho que é ridicularizada, mas é muito boa no que faz.

É ridicularizada por ser jovem?
Sim, talvez. E por não ter um visual de instagramer, não ter um visual pensado para as redes sociais. Mas é precisamente isso que faz a sua força: a simplicidade do seu visual.

E também da sua mensagem - com a ideia que "chega de blábláblá"?
Sim. Essa frase do "chega de blábláblá" é ótima porque é isso mesmo.

As presidenciais francesas são já em 2022, as questões climáticas vão ser um tema de campanha?
Acredito que sim. Aliás uma sondagem recente mostra que apesar da crise sanitária, a questão climática continua uma das prioridades para os franceses. No confinamento, as pessoas das cidades perceberam como a natureza lhes fazia falta, com o teletrabalho há um movimento das cidades para o campo, as pessoas perceberam que o aquecimento global provoca doenças e estão cada vez mais preocupadas com a alimentação de qualidade. Todos querem comer bio, não só os ricos. Os jovens são muito mais sensíveis a tudo isto, claro.

A Ségolène disse há dias "não excluo nada". Vamos tê-la de novo como candidata, depois da primeira tentativa em 2007?
Como disse, não excluo nada. Estamos a começar a organizar as coisas, estou a consultar os meus amigos, as minhas tropas, vamos fazer de Désir d"Avenir um movimento político . Não é por mim, o que quero é a emergência de uma nova geração política e transmitir a minha experiência e conhecimento.

Os franceses procuram uma alternativa a Emmanuel Macron e Marine les Pen, os candidatos na segunda volta de 2017 que devem voltar às urnas numas eleições com muitos pré-candidatos?
Sim. Penso que é preciso construir entre eles os dois algo de atrativo.

Uma candidatura independente?
Teremos de fazer alianças, claro, mas afirmando uma identidade própria.

O que vai oferecer aos franceses de diferente?
Um desejo de futuro [Désir d"Avenir]. Para que todos possam dizer que têm um futuro. Seja ao nível individual, ao nível nacional ou ao nível do planeta. É preciso ter capacidade para nos projetarmos no futuro. Hoje não há. Os jovens vivem um dia de cada vez. Foram eles os mais sacrificados, sofreram com a falta de acesso direto à educação, sofreram com o encerramento das universidades. Para crescer, os jovens precisam da interligação com o outro, não só da interconexão. Somos feitos para estarmos em relação uns com os outros, não conectados uns com os outros.

A covid mudou esta perceção? As pessoas perceberam a importância das relações diretas?
Sem dúvida. Hoje há muitas doenças mentais, muito sofrimento psicológico e até psiquiátrico. Muitos jovens viveram num isolamento insuportável. Alguns tiveram de voltar a viver com os pais, causando um sentimento de regressão. Houve jovens que deixaram de fazer os estágios, outros que viram os diplomas adiados, que nem viram os colegas de turma. Um pouco por toda a Europa vemos cada vez mais jovens a recorrer à sopa dos pobres. E eu não posso aceitar isto.

Os franceses estão prontos para ter a primeira mulher presidente?
Espero que sim. Em 2007 não estavam propriamente preparados , mas agora acho que sim. Acho que chegou a hora das mulheres. Durante muito tempo as profissões de proximidade foram desprezadas - a educação, a saúde, etc. Mas as pessoas precisam de consolo, de proximidade, de ligação, de pragmatismo, de calma. Aliás, os países liderados por mulheres tiveram um desempenho melhor que os outros na gestão da covid. As mulheres conseguiram gerir a pandemia com mais espírito prático e menos espírito de repressão. Muitos regimes liderados por homens aproveitaram a covid para reprimir a sociedade, obtendo um sentido de júbilo no exército do poder.

Foi militante socialista muitos anos, foi candidata socialista às presidenciais de 2007, nos últimos anos o PS francês sofreu grandes reveses nas urnas. Em 2017 pouco passou dos 6%. As pessoas já não se reveem nos partidos tradicionais?
Penso que os partidos tradicionais não estiveram à altura das expectativas. Preferiram focar-se no seu cantinho enquanto localmente as etiquetas políticas têm menos peso. O que conta é a eficácia dos governantes. Os partidos políticos têm de se renovar, de repensar a sua forma de pensar, a forma de funcionar, em função das crises que se instalaram.

helena.r.tecedeiro@dn.pt

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