"Não enviamos menores para uma fashion week"
O mundo da moda voltou a ser notícia esta semana na sequência da morte de uma modelo russa, de 14 anos, que terá morrido de exaustão, quando participava na Semana da Moda de Xangai. Um caso "atípico" que ainda assim levanta dúvidas de como funciona esta indústria em Portugal e na Europa.
Por cá, a lei estipula limites de horas de trabalho, que no máximo chegam às sete horas diárias, para os manequins menores de idade. Além disso, as próprias agências que gerem as carreiras dos modelos garantem que não promovem internacionalizações antes dos 16/17 anos e que nas semanas da moda não participam antes dos 17/18 anos. "Há o bom senso da esmagadora maioria dos agentes que funcionam no mercado", garante Tó Romano, diretor da agência Central Models. Também Fátima Lopes, estilista e fundadora da agência Face Models, assegura: "Não enviamos modelos menores para uma fashion week, nenhuma miúda desfila com menos de 16 anos, na Europa." Sobre o caso da jovem russa, sublinha que "na Ásia e na Rússia, não sei como funciona, e podem ter regras diferentes".
O que acontece é que as agências têm outras parceiras no estrangeiro que requisitam modelos nacionais para eventos como semanas da moda. No entanto, em Portugal existe o entendimento de que não devem participar antes dos 18 anos. Foi isso que aconteceu, por exemplo, com Diana Pereira, vencedora do Supermodel of the World, aos 14 anos. "Fazia coisas mais pequenas e vinha todos os meses a Portugal. Estava a estudar e foi uma das condições", recorda a manequim. Desfiles mais intensos, como semanas da moda, "talvez com 17 ou 18 anos, terei feito a primeira", aponta. Diana Pereira sublinha ter tido a "sorte de ter acompanhamento familiar, a minha mãe viajava comigo para todo o lado, e existe um acompanhamento grande também das agências."
Do tempo das semanas da moda, Diana lembra que "começa muito cedo e acaba muito tarde, para quem faz muitos desfiles numa semana é de manhã à noite". No entanto, a modelo ressalva que "depende também da vida que se tem depois dos desfiles", porque há momentos de paragem entre os trabalhos.
Algo reforçado pela estilista Fátima Lopes. "O tempo na passerelle são 15 minutos, depois há muitos momentos de espera. As modelos aprendem a gerir esses tempos e muitas vezes aproveitam para dormir." No caso de menores - que só participam a partir dos 16 anos - têm um horário de trabalho de seis horas, com intervalo para descanso ou refeições, acrescenta.
A questão de trabalho mais intenso só se põe para os manequins que vão para fora, porque em "Portugal não existe trabalho a esse ritmo", sublinha Diana Pereira. Uma ideia partilhada por Fátima Lopes, Tó Romano e Manuela Oliveira, responsável de comunicação da ModaLisboa.
Na Central Models, uma das agências mais antigas do país, "não agenciamos ninguém com menos de 15 anos no mundo da moda. Ao colocarmos esse limite é com a intenção de formarmos a modelo, um percurso que demora um ano e meio a dois anos, para que aos 17 anos ela esteja preparada para começar a trabalhar". Uma regra que nunca é quebrada, como recorda Tó Romano: "No nosso concurso anual para descobrir novos talentos, estava no Porto e vi uma das candidatas. Liguei para Lisboa a dizer que já tinha vencedora, mas não era para esse ano, era para o seguinte, porque a candidata só tinha 14 anos. A candidata chamava-se Sara Sampaio e esperámos porque este é o processo de funcionamento da agência."
Sabendo das pressões e dificuldades de vingar no mundo da moda, especialmente lá fora, na Central Models só são internacionalizados "modelos que já tiveram algum sucesso cá dentro". "Temos o cuidado de não os colocar no mercado aos 15 anos, porque não têm idade para começar a trabalhar e não têm estrutura mental para um mundo em que são avaliados todos os dias com base no aspeto físico. Na cabeça de uma adolescente, perder um casting pode ser uma rejeição. Depois há os perigos de um eventual sucesso financeiro. Aos 15 anos, na cabeça da jovem, saber que ganhou 20 mil euros num dia pode ser perigoso."
Quando vão para fora, as modelos portuguesas vão acompanhadas pelas agências ou por elementos das parceiras internacionais, de forma a garantir que todas as regras são cumpridas. Nas semanas da moda mais concorridas do mundo - Paris, Londres, Nova Iorque - podem estar em causa dez castings por dia para se candidatarem aos desfiles e a mesma modelo pode fazer três a quatro desfiles num dia, em locais diferentes da cidade.
No Portugal Fashion e na ModaLisboa o ritmo é bastante diferente. "Há apenas um casting com a empresa que escolhe as modelos do evento e depois os desfiles são todos no mesmo espaço", resume Tó Romano. Manuela Oliveira, da ModaLisboa, acrescenta que "as manequins com menos de 18 anos estão acompanhadas pelos bookers e há um cuidado imenso com o bem-estar delas", garantindo que nunca viu ninguém ser pressionado para trabalhar quando não se sente bem.