"Nagasaki tem apelado à abolição das armas nucleares"
Nagasaki é importante para os portugueses pela ligação histórica . Há memória dessa presença portuguesa nos séculos XVI e XVII?
Este ano comemora-se o 480.º aniversário da chegada dos portugueses à ilha japonesa de Tanegashima, dando início ao intercâmbio histórico entre o Japão e Portugal. Quanto ao intercâmbio entre a prefeitura de Nagasaki e Portugal, iniciou-se com a chegada de navios portugueses a Hirado em 1550, e desde então, intercâmbios ativos foram prosseguindo durante muitos anos. O cristianismo e várias culturas ocidentais foram trazidas para o Japão através do intercâmbio com Portugal, e muitas palavras derivadas do português ainda são usadas hoje no Japão, como a kasutera (da palavra castela, significando bolo japonês com base no pão de ló), kompeito (confeito; doce japonês feito de açúcar) e botan (botão), etc.. O festival outonal Kunchi de Nagasaki, que tem uma tradição de mais de 380 anos, apresenta um espetáculo de barco Nanban, inspirado nas naus portuguesas que vieram até ao Japão para fazer comércio, representando, assim, um momento de entretenimento aos visitantes e residentes desta prefeitura. Os laços históricos entre Nagasaki e Portugal, tendo origem no século XVI, continuam vivos no dia a dia dos cidadãos de Nagasaki, e Portugal mantém-se um dos países estrangeiros mais familiares para os habitantes.
Estive no Memorial da Paz em Nagasaki há alguns anos. Um monumento impressionante, dada a destruição de 9 de agosto de 1945. Quem visita hoje Nagasaki tem consciência do terrível que foi a vida na cidade no final da Segunda Guerra Mundial? Como é a relação dos próprios habitantes com a memória da bomba atómica?
Nagasaki é um dos destinos turísticos mais populares do Japão e muitas pessoas visitam a cidade todos os anos. Aproximadamente 700 000 pessoas visitam o Museu da Bomba Atómica de Nagasaki anualmente (cerca de 20% das quais são estrangeiras) para conhecer a realidade do bombardeamento atómico e compreender a devastação de Nagasaki por ele causado. A Cerimónia em Memória das Vítimas da Bomba Atómica de Nagasaki realiza-se todos os anos a 9 de agosto, o próprio dia do bombardeamento na cidade, para confortar as almas das vítimas do bombardeamento atómico e rezar pela paz mundial duradoura. Na altura do bombardeamento atómico, a população da cidade de Nagasaki era de, aproximadamente, 240 mil habitantes; 18 409 casas foram danificadas, representando cerca de um terço do número total de casas da cidade, e 73 884 pessoas morreram até ao final do ano de 1945. Aqueles que conseguiram sobreviver continuaram a sofrer de problemas de saúde durante longos anos, causados pela radiação da bomba. As pessoas que foram expostas à radiação das bombas atómicas (Hiroxima e Nagasaki), ainda que por vezes exteriormente não seja visível, há células que são danificadas e os órgãos começam a funcionar inadequadamente. Resulta que, mesmo aqueles que não apresentavam quaisquer lesões externas na altura dos bombardeamentos, foram gradualmente revelando efeitos adversos na sua saúde, e muitas pessoas acabaram por morrer, mais tarde. As memórias destes bombardeamentos atómicos ainda estão profundamente marcadas na memória da população de Nagasaki e estamos a esforçar-nos para a construção de um mundo sem armas nucleares, com o forte desejo de fazer de Nagasaki a última cidade vítima da bomba atómica. Esperamos que os portugueses visitem Nagasaki, conheçam a devastação causada pela bomba atómica há 78 anos e se juntem a nós no caminho para a abolição das armas nucleares. Nós, os cidadãos da prefeitura de Nagasaki, continuaremos a transmitir a realidade do bombardeamento atómico para além das gerações e das fronteiras, apelando ao mundo para a extinção das armas nucleares o mais rapidamente possível.
Hiroxima e depois Nagasaki foram até hoje as únicas cidades a sofrer um bombardeamento atómico ou nuclear. Como veem os japoneses a questão do armamento nuclear?
Sendo Hiroxima e Nagasaki as únicas cidades a ter sofrido da tragédia dos bombardeamentos atómicos durante a guerra, muitas pessoas estão conscientes de que as armas nucleares devem ser abolidas do ponto de vista da sua desumanidade. Em particular, a eliminação das armas nucleares é a aspiração sincera das cidades bombardeadas de Nagasaki e Hiroxima. Por outro lado, no cenário da comunidade internacional, reconhecemos que há várias perspectivas e opiniões sobre o desarmamento nuclear em diferentes países, dependendo do ponto de vista da segurança e de outras questões. Na "Visão de Hiroxima" anunciada na recente Cimeira de Hiroxima, foi reafirmado que "a guerra nuclear nunca deverá ser travada", porém, simultaneamente, foi também claramente descrito que "as armas nucleares desempenham um papel para fins de defesa". Nagasaki, que foi alvo de uma bomba atómica, reconhecendo o atual ambiente difícil em torno da segurança, espera que esta cimeira constitua uma oportunidade para que, não apenas os países do G7, mas também todos os países do mundo, passem a tomar medidas concretas para fazer progressos significativos no processo (estagnado) da abolição das armas nucleares na comunidade internacional. Uma vez que Nagasaki foi atingida pela bomba atómica, fará tudo o que estiver ao seu alcance para que os dirigentes e os jovens de outros países visitem as cidades atingidas pela bomba, para transmitir ao mundo a realidade dos bombardeamentos atómicos e para promover os recursos humanos, que levarão por diante a vontade dos sobreviventes da bomba atómica e conduzirão as atividades de paz na próxima geração.
Na recente cimeira do G7 em Hiroxima a invasão da Ucrânia pela Rússia foi um tema importante. Que opinião tem sobre a possibilidade de uma guerra nuclear, demasiadas vezes falada nestes tempos?
A prefeitura de Nagasaki tem apelado ao mundo para que as armas nucleares não devam voltar a ser utilizadas e que seja realizada a sua abolição. Na Europa, a Rússia tem insinuado repetidamente a utilização de armas nucleares na Ucrânia, e, na Ásia Oriental, a Coreia do Norte está a desenvolver armas e mísseis nucleares, e, assim, a situação respeitante às armas nucleares está a tornar-se cada vez mais tensa a nível mundial. No entanto, as armas nucleares, altamente desumanas, nunca deverão voltar a ser utilizadas em qualquer parte do mundo. Esperamos vivamente que um mundo sem armas nucleares seja alcançado o mais rapidamente possível.
Nesta sua visita a Portugal qual a mensagem mais importante que quer transmitir?
Este ano celebra-se o 480.º aniversário de amizade entre o Japão e Portugal. Estou muito feliz por conseguir visitar Portugal num ano tão importante para os povos dos dois países. A prefeitura de Nagasaki e Portugal situam-se ambos no extremo ocidental do país e do continente, tendo em comum a característica portuária com muitas colinas. Esta é a minha primeira visita a Portugal, e reparei que o ambiente da cidade, com os seus elétricos e calçada, é semelhante ao de Nagasaki, sentindo-me algo nostálgico, apesar de estar num país estrangeiro. Os nossos laços históricos com Portugal, que começaram há quase 500 anos, levaram a intercâmbios de cidades geminadas, como entre Nagasaki (município) e o Porto ou entre Omura e Sintra, entre outros, dando continuidade aos intercâmbios ativos nos domínios como a cultura e o desporto nos dias de hoje. Através desta visita, pude conhecer a beleza das cidades portuguesas e a simpatia do povo português. Estou agora convencido de que se poderá conduzir à expansão de grandes possibilidades ao colaborarmos entre a prefeitura de Nagasaki e Portugal. Apesar da distância que nos separa, acredito que, se conseguirmos unir o nosso desejo de nos desenvolvermos em conjunto, poderemos construir laços mais fortes e estabelecer maior cooperação em vários campos. Espero ansiosamente que esta visita seja uma oportunidade para o povo da prefeitura de Nagasaki e o povo de Portugal aprofundarem ainda mais os laços de amizade e ampliarem as áreas de intercâmbio. Venham à nossa prefeitura de Nagasaki! Aguardamo-vos cordialmente!
leonidio.ferreira@dn.pt