Nacionalistas chegam ao poder na Córsega, a ilha que viu nascer Napoleão
A grande surpresa das regionais em França, além da votação histórica na Frente Nacional (mas sem conseguir ganhar nenhuma região), foi a vitória - também ela histórica - da lista nacionalista na Córsega que, esta sim, ganhou o governo local. O protagonista do sucesso foi Gilles Simeoni, presidente da Câmara de Bastia, uma das principais cidades da ilha mediterrânica, que obteve 35,3% de votos na segunda volta de 13 de dezembro.
Foi a primeira vez que uma lista nacionalista ganhou o governo da Córsega, que até há pouco tempo conheceu uma onda de violência independentista e era governada por uma coligação de esquerda.
A lista liderada por Simeoni, sob a designação Per a Corsica (Pela Córsega, no dialeto local em que se cruzam italiano, francês, outros dialetos locais e o latim), reuniu três candidaturas que se apresentaram em separado na primeira volta. Estas listas representavam quer os setores que advogam a independência quer aqueles que se batem por uma maior autonomia no quadro do Estado francês.
Jurista de formação, Simeoni é filho de um dos pais do independentismo corso, o médico Edmond Simeoni, um dos protagonistas da primeira ação violenta dos nacionalistas, em agosto de 1975, que desencadeou um ciclo de ações armadas parcialmente encerrado com os acordos de Matignon em 2002 (ver caixa). Foram estes acordos que, ao aprovarem novo estatuto para a região e mais poderes para as autoridades locais, permitiram "a normalização das reivindicações nacionalistas", disse ao Le Figaro o politólogo corso André Fazi. E permitiram que estes setores entrassem no processo político e se tornasse possível querer uma Córsega com maior autonomia que continua francesa. "Votar nacionalista e sentir-se francês" passou a ser "compatível", indica o politólogo. De facto, a lista independentista recolheu apenas 10% na primeira volta das regionais. E se a vitória de Per a Corsica é histórica, tendo passado de 15 para 24 eleitos, não chegou à maioria absoluta dos 51 lugares do Parlamento regional. O próprio Gilles Simeoni declarou que a independência da Córsega "não é para já". Sob posse de Génova até à segunda metade do século XVIII (1768), a ilha passou então para administração francesa. Um movimento republicano local, inspirado nas cidades-Estado de Itália, não foi, obviamente, levado em consideração.
Além de gerir os equilíbrios entre as diferentes componentes da coligação, Simeoni vai ter de negociar os executivos dos dois departamentos em que está dividida a ilha, a Córsega do Sul e a Alta Córsega. O primeiro é governado por uma lista de direita e o segundo pela coligação de esquerda agora destronada do governo regional.
Até recentemente os corsos queixavam-se de discriminação por parte dos continentais, contando que estes se lhes dirigiam frequentemente com a frase "mas julga que é o seu compatriota Napoleão Bonaparte que está ainda no poder?" - referência ao facto de o primeiro imperador dos franceses ser natural da Córsega, tendo nascido em agosto de 1769 na capital da região, Ajaccio.
O exemplo mais recente dessa discriminação, e que motivou a ação de agosto de 1975, foi o dos incentivos concedidos aos franceses provenientes da Argélia (os chamados pieds noirs) para se fixarem na ilha. Os incentivos foram de natureza financeira e em concessões de terrenos agrícolas, além de apoios bancários em que, muitas vezes, perante projetos idênticos de corsos e pieds noirs, os primeiros eram preteridos em favor dos segundos.
Ilha mediterrânica, vizinha da Sardenha e mais próxima de Itália do que de França, popular destino turístico, a Córsega não viu apenas nascer Napoleão. Outro famoso corso foi o cantor Tino Rossi, que nasceu em 1907 em Ajaccio, vindo a morrer em 1983. Rossi é o único artista francês a ter vendido mais de 500 milhões de discos no mundo.
A proximidade a Itália significa que a Córsega funciona como campo de ação de diferentes grupos mafiosos desde o século XIX. Na segunda metade do século XX, o crime organizado está ativo na ilha, existindo mais de uma dúzia de "famílias" importantes. Uma das mais relevantes é a conhecida pela bucólica expressão de Brisa do Mar, com ligações aos independentistas.
Quando se verificou uma cisão na Frente de Libertação Nacional Corsa (FLNC), que originou o aparecimento de um pequeno grupo, o Armata Corsa, alguns dos membros desta dissidência foram assassinados pelos mafiosos. O que não impediu que a Brisa do Mar entrasse em conflito com a FLNC, verificando-se ajustes de contas com assassínios de dirigentes das duas organizações, de 1990 a 2011. Neste ano, a FLNC assassinou Christian Leoni, o líder da Brisa do Mar, em retaliação pelo rapto e assassínio de Guy Orsoni, irmão de um dirigente independentista, Alain Orsoni. Hoje, a mafia teria uma relação estreita com as suas congéneres russas.