Na estrada com... Catarina Martins. Todos os votos contam, no mercado dos indecisos

<h3 class="ngx_h3">A coordenadora do Bloco de Esquerda traduz nas feiras e em ações de campanha para as eleições de 6 de outubro a estratégia definida pelo partido: reforçar o grupo parlamentar, evitar a maioria absoluta do PS e beliscar a direita.</h3>
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Segunda-feira, 9.30 da manhã, Espinho, é dia da feira semanal. Maria Emília já se espanta, logo à entrada do recinto, no cruzamento da Rua 24 e da Rua 29, onde também estão testemunhas de Jeová sem grande sucesso na sua pregação. "Eh lá, quem é que ali vem?!", pergunta-se, ao assomo de bandeiras e câmaras de televisão e jornalistas. Entre legumes e frutas, vai Catarina Martins. "É mesmo baixinha", diz Maria Emília, que não sabe em quem votar. "São todos os mesmos", dispara uma mulher ao lado. "Não são, eu gosto da Catarina." E mais não quer dizer.

No meio das bancas, nos corredores que se enchem de quem espera pela candidata ou pela televisão, "olha a TVI, vê lá se apareces", a coordenadora do Bloco de Esquerda tenta puxar pelo voto nos bloquistas. "É para isso que precisamos do seu voto", replica a candidata. E não lhe regateiam votos, bendita entre as mulheres. "Você é pura, é uma mulher do povo. Você faz-me lembrar sabe quem? Você e a sua luta? A falecida princesa Diana. Não duvide disso, a sério!", diz-lhe uma feirante, transformando Catarina numa improvável princesa do povo. "Se não ficar na frente, vai subir muito a sua votação. Ganhar, ganhar, é um bocadinho difícil. Mas subir vai subir muito", atira-lhe outra. Os comentários repetem-se: "Ela não se vê", lamenta uma cliente, a tentar espreitar por entre a chusma de jornalistas. "Vê, vê, que ela tem tamanho, é uma grande mulher", responde-lhe a feirante, enquanto enche um saco de couves.

"Nós temos sentido todos os dias na rua, um enorme carinho. As pessoas reconhecem como o BE tem sido importante na luta pela pensão, na luta pelo salário", diria mais tarde Catarina Martins aos jornalistas. Por contraste, Lisboa e Viseu serviram duas arruadas curtas e de poucos contactos pessoais, apesar de serem dois distritos em que os bloquistas também querem crescer, como no de Aveiro, onde Espinho dispensou o calor para animar a candidatura no início da última semana de campanha.

Bloco, o partido da estabilidade

É em Espinho que a líder bloquista desidrata as rosas, com proteas nas mãos, que lhe foram oferecidas por feirantes. "No PS parece que há pessoas que estão zangadas com os últimos quatro anos. Na verdade governaram mesmo sem ganhar as eleições." Para Catarina Martins, a bandeira da estabilidade é arma de arremesso para ir mais ao centro disputar votos com os socialistas. "Temos de ter força para resolver os problemas do país. Quando vejo que há quem diga que as forças à esquerda foram empecilhos ou vem apelar à maioria absoluta como se isso fosse estabilidade, nós sabemos que isso não é verdade. Estabilidade foi haver um acordo à esquerda, que disse que não podia haver cortes nos salários e nas pensões."

Catarina não se desvia um milímetro da estratégia definida no Bloco para as eleições de 6 de outubro: reforçar o grupo parlamentar, evitar a maioria absoluta do PS e beliscar a direita. Aliás, a aposta em eleger mais deputados, como Aveiro, Viana e Viseu, será à custa de deputados do CDS. "A direita fez-nos o favor de mostrar que cada deputado que perder pode ser um deputado do BE", lembra a coordenadora bloquista, num almoço no antigo "cavaquistão", nos claustros da Pousada de Viseu, o mesmo local em que Passos Coelho fez campanha no passado (como em 2013).

É no mercado dos indecisos que o BE também aposta, como nota Catarina ao discursar em São João de Ver, freguesia de Santa Maria da Feira, no "maior jantar de sempre do Bloco no distrito de Aveiro", na segunda à noite: "Tanta gente que ainda não decidiu o seu voto" para domingo, quando só "faltam cinco dias". Na feira de Espinho, Catarina pergunta à mulher que traz ao cão de colo de uma mulher se pode dar "um beijinho à dona". "Essa é do PAN", atira-lhe um homem. Todos os votos contam.

Os bloquistas também procuram votos junto de gente que encontrou no BE uma caixa-de-ressonância das suas preocupações. No mega-almoço de Lisboa, no sábado passado, lá estavam mesas reservadas para representantes das assistentes da Santa Casa que conseguiram "finalmente" um contrato de trabalho, das amas da Segurança Social, dos pedreiros de Pedroselo, em Penafiel, dos moradores de bairros de Primeiro de Maio, em Barcelos, de Almada ou da Quinta da Lage, na Amadora, dos formadores do Instituto de Emprego e Formação Profissional, de grupos feministas, de jovens pelo clima ou "comunidades racializadas".

"Este Portugal há-de ser um país para todas e para todos"

Em Lisboa, Beatriz Gomes Dias, "será a primeira deputada negra do BE", defendeu no comício da FIL que "este país não tem sido para todas e todos e tem de ser". "Este país não tem sido para as empregadas de limpeza", "para os ciganos", "para os jovens agredidos pela polícia da Cova da Moura", "para os paquistaneses e nepaleses", "para os afrodescendentes que se manifestaram na Avenida da Liberdade", "para os que são estrangeiros no seu próprio país". "É este o meu compromisso, o nosso compromisso", sintetizou a candidata, para defender que "este Portugal há-de ser um país para todas e para todos".

No Porto, Maria Augusta, 87 anos, moradora em Miragaia, espera pela líder bloquista à porta de uma loja de bairro, na freguesia da Vitória, ao fundo da Rua das Taipas. Catarina sente-se em casa, viveu ali muito antes dos dias em que as obras de reabilitação se multiplicam, muito antes do número 85 que está à venda e do alojamento local que se instalou no prédio amarelo pintado de novo várias portas acima.

Maria Augusta recebeu ordem de despejo, apesar da lei a proteger por ter mais de 65 anos. "Hoje, a senhoria mandou-me esta carta registada. Tenho dez dias para sair da casa!", conta, sem se atrapalhar com o amontoado de jornalistas. Recebe 470 euros de reforma, para ficar na casa terá de pagar 400. "Fico com 70 euros para pagar água, luz, tudo", faz as contas impossíveis. "Eu nasci aqui, quero morrer aqui. Já estou farta de dizer que quero morrer onde nasci, onde morreram os meus pais, o meu marido e a minha madrinha." Maria Augusta é vítima de assédio. O prédio está em obras e a mulher é obrigada a subir umas escadas precárias em madeira, com andaimes a fazerem de corrimão - e mostra a sua foto no jornal, de meados de agosto. "Continua assim."

"Esta merda toda é culpa da Cristas"

Ao lado há quem esteja muito zangada, como a mulher de muleta que não para de falar para que a ouçam. "Esta merda toda é culpa da Cristas", atira, referindo-se à chamada lei Cristas, que para a esquerda facilitou os despejos. "Aqui não vem ela", dirá depois outra. "Já chega de turismo, onde vamos viver", continua a mulher que mais se quer fazer ouvir - e quase chora quando Catarina finalmente lhe presta atenção. Na montra da loja há um papel que avisa quem passa: "Cold drinks, boissons fraiches, bebidas frias." Catarina procura uma ponte. "O Porto precisa de turismo, e ainda bem que há turistas, mas o Porto também precisa de gente." Para isso, avisa, é preciso regulamentar a legislação que protege Maria Augusta.

A ação de campanha tem um pretexto: o dia em que a lei de bases da Habitação entra em vigor, nascida de um entendimento difícil à esquerda. Não há ponta sem nó. A campanha do Bloco de Esquerda é a de um partido em crescimento, empenhado em ações fortes, como o almoço de Lisboa, onde chegam militantes em autocarro e os bilhetes de entrada com códigos QR são lidos num telemóvel, mas onde ficam vazias umas dez meses no fundo da sala da FIL.

Catarina Martins anda na estrada há meses, mas de forma mais intensa nas últimas semanas. Segue numa carrinha com o staff mais direto, os assessores de imprensa, o responsável pela campanha bloquista, Jorge Costa. Numa ação de campanha em Matosinhos, com pessoas com deficiência, fazem em compasso de uns 15 minutos, estacionados a uns 200 metros da Junta de Freguesia de Matosinhos e Leça da Palmeira, um edifício reabilitado pelo executivo municipal socialista e que contou na inauguração dessa reabilitação com o ministro da tutela. O salão nobre da junta tem o nome de Guilherme Pinto, outro socialista e antigo presidente da Câmara, e o presidente da autarquia, Pedro Sousa, faz questão de ir cumprimentar a delegação do BE.

Na sala estão pessoas deficientes que têm uma "vida independente" e esse é o motivo do encontro, uma das causas bloquistas, que apresenta nas suas listas seis candidatos com deficiência. Jorge Falcato foi o rosto dessas políticas no Parlamento na última legislatura. "Há uma coisa que não tenho dúvidas: a minha entrada deu mais visibilidade às pessoas com deficiência", diz aos jornalistas. Também para falar aos jornalistas, Catarina opta por se sentar, uma entre iguais.

Presente no encontro, Nélson Morais, investigador, de Vila Nova de Gaia e que trabalha no Porto, explica ao DN que a comunicação social também não dá visibilidade à deficiência - e a estas pessoas. "As pessoas com deficiência também têm uma opinião, e hoje não têm voz", diz. E exemplifica: uma manifestação pela vida independente, no Porto (e em Lisboa e Vila Real, em maio deste ano) não teve praticamente nenhum eco na comunicação social.

A visibilidade que já não é problema

A visibilidade do Bloco, hoje em dia, já não é problema. Na portuense Rua das Taipas, há o miúdo que fica pasmado quando se apercebe da presença da líder bloquista, "olha a Catariiiiina", na mais deliciosa pronúncia tripeira; no lisboeta Parque das Nações, os curiosos iam comentando (e filmando, sobretudo estrangeiros) a passagem de uma breve arruada, onde as manas Mortágua animavam a malta, mas quase sem interação popular.

Em Viseu, o cenário seria muito semelhante: entre a pousada e o Parque Aquilino Ribeiro, num domingo à tarde, o percurso de uns 300 metros só foi mais longo porque quem guiava os bloquistas optou por ir atravessar numa passadeira mais abaixo para que Catarina Martins e Bárbara Xavier (a cabeça-de-lista pelo distrito) não fossem apanhadas com a sede da Aliança em pano de fundo.

Bárbara é uma das grandes apostas do partido, que espera ter esta jovem, psicóloga, de 27 anos, sentada no próximo Parlamento, depois de nas eleições europeias o partido ter ultrapassado o CDS no distrito, que é historicamente avesso à esquerda (só PSD, PS e CDS elegeram deputados no círculo desde o 25 de Abril). "Vamos fazer acontecer. Eleger a Bárbara Xavier em Viseu é fazer história", apontou Catarina.

A jovem candidata nota ao DN que "as vozes de Viseu não têm sido grande coisa até agora" e apresenta-se de "corpo e alma" para o fazer. Natural da Guarda, de família com origens no Caramulo, estudante em Coimbra e hoje a viver e trabalhar em Viseu, Bárbara diz que chegou a altura de passar do ativismo, de "estar só a mandar vir" e "ser mudança". Se a ouvisse, Catarina certamente concordaria, mas a coordenadora do Bloco já tinha seguido. A campanha não espera e todos os minutos contam. Não se faz acontecer de braços cruzados.

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