Não foi na Gulbenkian ou na Casa da Música, mas na Igreja Matriz da vila alentejana de Mourão, que, em Portugal, se viu e ouviu pela primeira vez o Janácek Quartet. Aconteceu no passado dia 30, nesta igreja seiscentista consagrada a Nossa Senhora das Candeias, no âmbito de mais um fim de semana do Terras sem Sombra, que há 18 edições divulga música e património cultural e natural no Alentejo interior e costeiro. Estreias como esta são, para José António Falcão, diretor artístico do Festival, "a demonstração de que este se está a consolidar na agenda internacional de música antiga e erudita, com presenças cada vez mais frequentes de artistas nacionais e estrangeiros de grande qualidade.".Vindos da República Checa (o que justificou a presença em Mourão do embaixador daquele país em Portugal), os quatros músicos do Janácek Quartet (dois intérpretes de violino, um de violoncelo e outro de violeta) apresentaram obras de Josef Suk, de Dvorák e do seu patrono, Leos Janácek (1854-1928). Criado em 1947 por estudantes do Conservatório de Brno, o ensemble (que já teve várias formações, a última das quais data de 2015) adoptou o nome deste músico em homenagem às suas composições para quarteto de cordas e é presença frequente nas mais importantes salas e festivais do mundo..Mas como sempre acontece nestes fins de semana, nem só a música mereceu destaque na programação. Em foco, com visita guiada por Luis Bibiu e José António Falcão, esteve o Castelo de Mourão, construído no século XIV, em época de ameaça castelhana à raia. Construído por João Afonso, crê-se que no reinado de Dom Afonso IV (já depois do Tratado de Alcanices ter determinado que Mourão era terra portuguesa), seria objeto de obras de melhoramento quase 200 anos depois, por iniciativa de Dom João III, e, já no século XVII, viria a desempenhar papel importante nas Guerras da Restauração. A partir deste local, hoje despojado de funções bélicas, o visitante pode desfrutar de uma vista privilegiada sobre o que é o maior lago artificial da Europa e uma das mais profundas transformações da paisagem operada por mão humana na Península Ibérica, o Alqueva..Também por isso, foi aqui que, no domingo de manhã, se realizou o passeio dedicado às questões da biodiversidade, parte imprescindível dos fins de semana do Terras sem Sombra. Com uma albufeira de 250 km2 e mais de 1100 km de margens, a barragem do Alqueva, que entrou em funcionamento há precisamente 20 anos (as comportas foram fechadas a 8 de fevereiro de 2022), criou um imenso lago que abrange os concelhos de Portel, Moura, Reguengos de Monsaraz, Mourão e Alandroal. Sob a direção de Dinis Cortes (na observação de aves) e dos técnicos da EDIA - Empresa de Desenvolvimento e infra-estruturas do Alqueva, Dinis Ferro e Manuel Cascalheira, os visitantes ficaram a saber que este é território de elevada riqueza faunística e florística, eleito por espécies como a águia de asa-redonda, a coruja do mato ou a garça real (que se fez aparecida). O que não é incompatível com as potencialidades turísticas do local, já que as margens da albufeira oferecem várias praias fluviais - às de Monsaraz, Mourão, Amieira, Cinco Reis, Tapada Grande e Alqueva juntar-se-ão em breve as do Alandroal, Alqueva-Moura e o Eco-Parque Albergaria dos Fusos. Isto para não falar no paredão da barragem com 96 metros de comprimento..Mas Alqueva não é apenas paisagem. Com uma área de influência de 10 000 m2, o seu sistema global de rega é constituído por um conjunto de 69 barragens e reservatórios que abastece a indústria e renovou de forma profunda a atividade agrícola na região, já que integra perto de 2 mil kms de extensão de condutas na rede secundária para levar a água às parcelas dos agricultores, 40 estações elevatórias e perto de 7 mil pontos de entrega de água..Na oferta cultural proporcionada ao viajante, há que destacar ainda o Museu da Luz, em que se faz a interpretação de uma paisagem social, cultural e natural transformada. Nas imediações há ainda que referir, para além do castelo de Mourão, os de Monsaraz, Portel, Moura, Alandroal ou Juromenha, bem como o cromeleque do Xerez, para além do património submerso mas acautelado pelas entidades competentes. À época da construção da barragem, foram mobilizados vários grupos constituídos por arqueólogos, técnicos e estudantes, que procederam a estudos e escavações na área a ser inundada, tendo sido identificados mais de duzentos sítios arqueológicos, abrangendo vestígios de vários milhares de anos entre o Paleolítico e as Idade Média e Moderna. Uma das ações desenvolvidas foi um levantamento arqueológico-topográfico atualizado dos vestígios da fortificação romana (conhecida como Castelo de Lousa), optando-se por preservá-la para as futuras gerações. Essa tarefa foi empreendida através do envolvimento dos vestígios com sacos de areia, cobertos por sua vez com uma pasta especial de cimento, visando evitar o desgaste provocado pelas águas..Complementarmente, a antiga Aldeia da Luz, foi evacuada entre 1998 e 2003, tendo os seus moradores sido reassentados numa nova povoação, em cota mais elevada, em torno de uma nova igreja para a padroeira, Nossa Senhora da Luz, do novo cemitério (que recebeu os despojos do anterior), e de um museu dedicado aos testemunhos da ocupação da região. O projeto de reassentamento sob o título de Cemitério, Igreja de Nossa Senhora da Luz e Museu da Luz, de autoria dos arquitetos Pedro Pacheco e Marie Clément, recebeu o Prémio Internacional Arquitetura em Pedra - 2005.Nesta 18.ª edição, o Terras sem Sombra já passou por lugares como Vidigueira, Mértola, Alter do Chão, Arraiolos, Beja, Ferreira do Alentejo, Santiago de cacém ou Castelo de Vide e, depois de uma interrupção em agosto, terá a próxima paragem em Odemira (3 e 4 de setembro), com um concerto do pianista filipino Raul Sunico e passeios pelo Vale de Santiago (património) e ribeira do Torgal (biodiversidade). Seguir-se-ão ainda Montemor-o-Novo (18 e 19 de setembro) e Sines (22 e 23 de outubro)..Já este ano, o Festival Terras sem Sombra foi reconhecido com o título de qualidade EFFE Label 2022-2023, da Europe for Festivals, Festivals for Europe (EFFE), atribuído pela European Festivals Association (EFA), um projeto do Parlamento Europeu e Comissão Europeia que visa distinguir e promover os melhores Festivais culturais da Europa..dnot@dn.pt
Não foi na Gulbenkian ou na Casa da Música, mas na Igreja Matriz da vila alentejana de Mourão, que, em Portugal, se viu e ouviu pela primeira vez o Janácek Quartet. Aconteceu no passado dia 30, nesta igreja seiscentista consagrada a Nossa Senhora das Candeias, no âmbito de mais um fim de semana do Terras sem Sombra, que há 18 edições divulga música e património cultural e natural no Alentejo interior e costeiro. Estreias como esta são, para José António Falcão, diretor artístico do Festival, "a demonstração de que este se está a consolidar na agenda internacional de música antiga e erudita, com presenças cada vez mais frequentes de artistas nacionais e estrangeiros de grande qualidade.".Vindos da República Checa (o que justificou a presença em Mourão do embaixador daquele país em Portugal), os quatros músicos do Janácek Quartet (dois intérpretes de violino, um de violoncelo e outro de violeta) apresentaram obras de Josef Suk, de Dvorák e do seu patrono, Leos Janácek (1854-1928). Criado em 1947 por estudantes do Conservatório de Brno, o ensemble (que já teve várias formações, a última das quais data de 2015) adoptou o nome deste músico em homenagem às suas composições para quarteto de cordas e é presença frequente nas mais importantes salas e festivais do mundo..Mas como sempre acontece nestes fins de semana, nem só a música mereceu destaque na programação. Em foco, com visita guiada por Luis Bibiu e José António Falcão, esteve o Castelo de Mourão, construído no século XIV, em época de ameaça castelhana à raia. Construído por João Afonso, crê-se que no reinado de Dom Afonso IV (já depois do Tratado de Alcanices ter determinado que Mourão era terra portuguesa), seria objeto de obras de melhoramento quase 200 anos depois, por iniciativa de Dom João III, e, já no século XVII, viria a desempenhar papel importante nas Guerras da Restauração. A partir deste local, hoje despojado de funções bélicas, o visitante pode desfrutar de uma vista privilegiada sobre o que é o maior lago artificial da Europa e uma das mais profundas transformações da paisagem operada por mão humana na Península Ibérica, o Alqueva..Também por isso, foi aqui que, no domingo de manhã, se realizou o passeio dedicado às questões da biodiversidade, parte imprescindível dos fins de semana do Terras sem Sombra. Com uma albufeira de 250 km2 e mais de 1100 km de margens, a barragem do Alqueva, que entrou em funcionamento há precisamente 20 anos (as comportas foram fechadas a 8 de fevereiro de 2022), criou um imenso lago que abrange os concelhos de Portel, Moura, Reguengos de Monsaraz, Mourão e Alandroal. Sob a direção de Dinis Cortes (na observação de aves) e dos técnicos da EDIA - Empresa de Desenvolvimento e infra-estruturas do Alqueva, Dinis Ferro e Manuel Cascalheira, os visitantes ficaram a saber que este é território de elevada riqueza faunística e florística, eleito por espécies como a águia de asa-redonda, a coruja do mato ou a garça real (que se fez aparecida). O que não é incompatível com as potencialidades turísticas do local, já que as margens da albufeira oferecem várias praias fluviais - às de Monsaraz, Mourão, Amieira, Cinco Reis, Tapada Grande e Alqueva juntar-se-ão em breve as do Alandroal, Alqueva-Moura e o Eco-Parque Albergaria dos Fusos. Isto para não falar no paredão da barragem com 96 metros de comprimento..Mas Alqueva não é apenas paisagem. Com uma área de influência de 10 000 m2, o seu sistema global de rega é constituído por um conjunto de 69 barragens e reservatórios que abastece a indústria e renovou de forma profunda a atividade agrícola na região, já que integra perto de 2 mil kms de extensão de condutas na rede secundária para levar a água às parcelas dos agricultores, 40 estações elevatórias e perto de 7 mil pontos de entrega de água..Na oferta cultural proporcionada ao viajante, há que destacar ainda o Museu da Luz, em que se faz a interpretação de uma paisagem social, cultural e natural transformada. Nas imediações há ainda que referir, para além do castelo de Mourão, os de Monsaraz, Portel, Moura, Alandroal ou Juromenha, bem como o cromeleque do Xerez, para além do património submerso mas acautelado pelas entidades competentes. À época da construção da barragem, foram mobilizados vários grupos constituídos por arqueólogos, técnicos e estudantes, que procederam a estudos e escavações na área a ser inundada, tendo sido identificados mais de duzentos sítios arqueológicos, abrangendo vestígios de vários milhares de anos entre o Paleolítico e as Idade Média e Moderna. Uma das ações desenvolvidas foi um levantamento arqueológico-topográfico atualizado dos vestígios da fortificação romana (conhecida como Castelo de Lousa), optando-se por preservá-la para as futuras gerações. Essa tarefa foi empreendida através do envolvimento dos vestígios com sacos de areia, cobertos por sua vez com uma pasta especial de cimento, visando evitar o desgaste provocado pelas águas..Complementarmente, a antiga Aldeia da Luz, foi evacuada entre 1998 e 2003, tendo os seus moradores sido reassentados numa nova povoação, em cota mais elevada, em torno de uma nova igreja para a padroeira, Nossa Senhora da Luz, do novo cemitério (que recebeu os despojos do anterior), e de um museu dedicado aos testemunhos da ocupação da região. O projeto de reassentamento sob o título de Cemitério, Igreja de Nossa Senhora da Luz e Museu da Luz, de autoria dos arquitetos Pedro Pacheco e Marie Clément, recebeu o Prémio Internacional Arquitetura em Pedra - 2005.Nesta 18.ª edição, o Terras sem Sombra já passou por lugares como Vidigueira, Mértola, Alter do Chão, Arraiolos, Beja, Ferreira do Alentejo, Santiago de cacém ou Castelo de Vide e, depois de uma interrupção em agosto, terá a próxima paragem em Odemira (3 e 4 de setembro), com um concerto do pianista filipino Raul Sunico e passeios pelo Vale de Santiago (património) e ribeira do Torgal (biodiversidade). Seguir-se-ão ainda Montemor-o-Novo (18 e 19 de setembro) e Sines (22 e 23 de outubro)..Já este ano, o Festival Terras sem Sombra foi reconhecido com o título de qualidade EFFE Label 2022-2023, da Europe for Festivals, Festivals for Europe (EFFE), atribuído pela European Festivals Association (EFA), um projeto do Parlamento Europeu e Comissão Europeia que visa distinguir e promover os melhores Festivais culturais da Europa..dnot@dn.pt