(Correção) Multa de 15 mil euros para diretor-geral suspeito de derrapagem de dois milhões
O Ministério Público (MP), junto do Tribunal de Contas (TdC) propõe que o ex-diretor-geral de Recursos de Defesa Nacional (DGRDN), que acusou de ter cometido seis infrações financeiras no processo da empreitada no antigo Hospital Militar de Belém (HMB), seja condenado ao pagamento de uma multa de 15 300 (valor corrigido, ver nota no final do texto), valor total de seis "infrações financeiras" multadas a 2550 euros cada uma.
De acordo com os autos consultados pelo DN no TdC, a procuradora-geral adjunta Teresa Almeida, que instruiu o inquérito, responsabiliza Alberto Coelho pela derrapagem de mais de dois milhões de euros nas obras do antigo hospital - em vez dos 750 mil euros que foram inicialmente avançados pelo Ministério da Defesa, foram gastos na reabilitação de três dos cinco pisos 3.2 milhões de euros - requereu o julgamento de Alberto Coelho por "infração financeira sancionatória, sob a forma negligente".
O valor proposto corresponde ao valor mínimo previsto na Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas e vai ser sujeito ao julgamento no TdC, cuja data ainda não está marcada.
Em causa estão, principalmente, os ajustes diretos feitos a três empresas, que o MP entende terem violado as regras da contratação pública, entre outros, por não terem tido autorização hierárquica superior (do Ministro, na altura João Gomes Cravinho), por não estarem documentadas e por extravasarem as competências delegadas no então Diretor-Geral.
Na altura estas três empresas apenas tinham contratos com a DGRDN, sendo que uma das empresas nem sequer estava habilitada a executar as funções para que foi contratada.
Esta investigação no TdC teve por base quase exclusivamente a auditoria da Inspeção Geral de Defesa Nacional (IGDN) ordenada por Cravinho em julho de 2020 (quatro meses depois da inauguração do reconvertido HMB em Centro de Apoio Militar Covid-19 (CAM) que também já concluíra pela responsabilização de Alberto Coelho.
A procuradora Teresa Almeida, que foi coordenadora da 9.ª Secção do Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa, especializada em crimes de cariz económico-financeiro, considerou que outros dois diretores subordinados de Alberto Coelho - Francisco Marques, diretor de Serviços de Infraestruturas e Património e Paulo Branco, diretor dos Serviços Administrativos e Financeiros, que assinaram também expediente relacionado com as adjudicações e seu financiamento, deviam ser ilibados de responsabilidade no caso.
A contrário do que era solicitado pela defesa de Alberto Coelho, a magistrada não inquiriu nenhum responsável do Exército, designadamente da equipa de acompanhamento da empreitada, a quem o ex-diretor-geral atribui diretamente a responsabilidade pelos "gastos suplementares que ascendem a 2 598 062, 46 euros por uma área de intervenção de 9100 m2" , quase três vezes mais que os 3 750 m2 inicialmente previstos.
Num ofício que remeteu ao Ministro a 14 de abril de 2020, Alberto Coelho, refere que os trabalhos foram concluídos nessa data, salientando que "em três semanas, tal como programado, foi-se muito além do inicialmente proposto. Praticamente todo o edifício está recuperado, operacional e com extras que nunca teve (deteção de incêndios e ar condicionado, por exemplo)".
A procuradora do TdC, no entanto, não colheu estes argumentos, lembrando o Exército não tem tutela sobre a Direção-Geral.
O ex-secretário de Estado Adjunto da Defesa, Jorge Seguro Sanches, começou a questionar Alberto Coelho sobre o "custo da obra" logo a 27 de março (o CAM Covid-19 foi inaugurado pelo primeiro-ministro a 30 de março), ao que o ex-diretor-geral responde, logo no dia a seguir confirma que serão os 750 mil euros, mas avisa que ainda não tem valores para "as outras coisas para pôr a funcionar e que são de quem vai tomar conta e sugestões do Exército".
Depois de várias insistências, sem resposta, Alberto Coelho, acaba por confirmar, em ofício a um de julho, que "o custo total dos trabalhos, inicialmente previstos por esta Direção-Geral (orçamentados em 750 mil euros a que acresceram os trabalhos suplementares solicitados pelo Exército), ascende a 2 598 063,46 euros" (sem IVA).
Da consulta do processo no TdC foi possível ainda confirmar que o relatório da auditoria à empreitada está integrado, desde fevereiro de 2021, num inquérito do MP que investiga suspeitas de corrupção no ministério da Defesa.
O pedido para o envio este documento foi formulado a Teresa Almeida pela procuradora Celestina Morgado, da 1ª Secção do DIAP de Lisboa do Crime Económico Financeiro, no âmbito de um inquérito já aberto em 2018, que partiu de uma denúncia feita aos procuradores titulares do caso de Tancos, que também terá como visado Alberto Coelho.
Segundo a revista Visão, em causa estão crimes de peculato, participação económica em negócio e corrupção.
Conforme noticiou o DN nesta sexta-feira, o ex-diretor-geral nunca foi interrogado pelas autoridades nestes quatro anos.
Acresce que, soube ainda o nosso jornal, uma terceira denúncia chegou à Unidade Nacional de Combate à Corrupção (UNCC) da PJ em abril do ano passado. Fortemente documentada e tendo também Alberto Coelho como principal alvo, visava alegados favorecimentos, contratações e compras que levantavam dúvidas. A UNCC partilhou o dossiê com o DIAP que o terá juntado ao inquérito de 2018.
Alberto Coelho, ex-presidente do Conselho de Jurisdição do CDS, era um dos mais antigos e resistentes quadros de topo do ministério da Defesa. Em 1980 servira no Estado-Maior General das Forças Armadas (EMGFA) e, em 1992 fora transferido para a Direção-Geral de Pessoal e Infraestruturas do Ministério da Defesa.
Em janeiro de 2015 fora nomeado ainda pelo governo PSD/CDS como diretor-geral de Recursos, onde se manteve até fevereiro de 2021.
Já sabendo das conclusões da auditoria da IGDN, quando anunciou que não ia renovar a sua comissão de serviço (refutou que se tratava de uma exoneração), João Gomes Cravinho reiterou que Coelho é uma "pessoa extremamente qualificada e capaz" e "prestou enormes contributos ao Ministério, que lhe estará sempre grato".
De seguida, em abril, nomeou-o presidente do Conselho de Administração de uma empresa pública na esfera das indústrias de Defesa, a ETI (Empordef - Tecnologias de Informação, S.A), do universo da holding estatal IdD Portugal Defence, cuja direção era, à data, do atual secretário de Estado da Defesa, Marco Capitão Ferreira.
Lamentavelmente o DN foi induzido em erro no Tribunal de Contas nos esclarecimentos obtidos sobre o valor total da multa proposta pelo MP, quando consultava o processo. A dúvida era mesmo se o valor indicado no relatório da acusação, de 2550 euros, era o total ou se devíamos multiplicar pelas seis "infrações económicas". Fomos (mal) informados de que se tratava do valor total.
Agradecemos à Sra. Procuradora-Geral Adjunta Teresa Almeida, responsável pela instrução deste processo e pela dedução da acusação, o email enviado com a correção do valor.
Registe-se ainda que o DN esteve quase três semanas à espera que o Tribunal de Contas autorizasse a consulta de um processo que estava findo e não estava em segredo de justiça. Quando estava a consultá-lo, na passada sexta-feira, não lhe foi facultada cópia (útil para na redação poder tirar dúvidas que surgissem como a presente) sendo exigido que fizesse novo requerimento. Tudo práticas que não facilitam o acesso à informação pública e o jornalismo de rigor.