Na mesma semana, duas violações em que as vítimas foram brutalmente agredidas - uma delas até à morte - fizeram soar os alarmes no quartel-general da Polícia Judiciária (PJ), na Rua Gomes Freire, Lisboa. Os suspeitos foram detidos e estão em prisão preventiva. Um deles era reincidente e tinha sido libertado há pouco mais de dois meses da cadeia onde estava a cumprir uma pena de 11 anos por outra violação - de uma jovem enfermeira do hospital Amadora-Sintra, um caso que na altura chocou o país -, igualmente envolvendo um elevado grau de violência. Este perfil de violadores tem sido raro no passado, mas no último ano a PJ notou um crescendo de agressividade..Desde o início do ano, até final de novembro, a PJ abriu 474 novos inquéritos por este crime - nada de muito diferente da média da última década. Todos os anos, 400 a 500 mulheres são violadas e no ano passado foi este o crime violento que mais subiu, em contraciclo com o global da criminalidade violenta. Há muitos anos que a percentagem de presos por violação é de 4% a 5% dos reclusos. "Se o número de violações não desce é sobretudo porque há novos criminosos. É uma história antiga e renovada", assinala o psicólogo criminal Rui Abrunhosa Gonçalves. O que estes números não dizem é que a violência associada a estes crimes sexuais tem sido mais frequente, a ponto de levar a direção da Polícia Judiciária a procurar respostas mais profundas..Vítimas de 21 e 19 anos.A mulher assassinada era uma jovem de 21 anos. A única coisa que procurava era uma vida melhor. Foi isso que ela e a sua família sonharam quando deixaram o seu país e vieram para Portugal, há cerca de cinco anos. Há três meses, deixou a casa da família, na zona da Amadora, e alugou um quarto mais perto do seu local de trabalho, em Loures. Fazia limpezas em escritórios e lojas..Não terá reparado que começara a ser vigiada por um inquilino da casa onde partilhava outro quarto com a companheira. Na manhã do dia 8 de novembro, o homem de 27 anos entrou-lhe pelo quarto dentro e atacou-a selvaticamente para a violar. Ela debateu-se, resistiu e ainda conseguiu escapar por breves momentos das suas mãos. Enraivecido, o violador espancou-a e estrangulou-a. Para garantir que estava morta enfiou-lhe a cabeça num alguidar com água. Depois, o homem voltou para o quarto, esperou que a companheira voltasse do trabalho e os dois jantaram e dormiram..De novo sozinho no dia seguinte, aproximou-se da porta do quarto da jovem e sentiu um cheiro forte a cadáver. Já tinham passado mais de 24 horas. Pediu ajuda a um amigo e este sugeriu que o melhor era entregar-se. Foi o que fez - surpreendeu o piquete da Polícia Judiciária e contou o que tinha feito. Com todos os pormenores. Porquê?, perguntaram-lhe os incrédulos inspetores. "Fiquei irritado por ela ter resistido e não queria que me fosse denunciar", terá respondido friamente, de acordo com uma fonte que está a acompanhar o processo..O que os inspetores não esperavam de todo era que no decurso da investigação este agressor confessasse outro homicídio - que a PJ tinha em aberto há três anos -, de um homem encontrado afogado numa banheira. "Começámos a ver pontos em comum no modus operandi, pressionámo-lo para que nos esclarecesse e acabou por confessar", conta um dos investigadores..Reincidentes no crime.A outra vítima foi uma jovem de 19 anos que está a estudar na universidade. Ao entrar no carro, que deixara estacionado junto à estação de comboios na Linha de Sintra, foi empurrada e ameaçada com uma pistola. Vendada e atada, foi levada para um motel, onde foi espancada e violada durante cinco horas. No final, foi abandonada junto a outra estação ferroviária..Nunca viu a cara do agressor, mas a descrição daquilo de que se apercebeu no trajeto permitiu à PJ identificar o motel e depois, com recurso às câmaras de videovigilância, identificar o homem. Era um velho conhecido reincidente do mesmo crime. "Se não ficar preso e eventualmente internado, quando sair volta a fazer o mesmo", diz Pedro Maia, coordenador da secção de crimes sexuais da Judiciária. "Aquela jovem ficou destroçada. É brutal", sublinha..A direção da PJ partilha as apreensões dos seus inspetores e regista os sinais que vão chegando do terreno. "Temos a perceção de que pode ter havido uma alteração dos comportamentos, transformando em regra aqueles que eram exceção", reconhece o diretor nacional adjunto, Carlos Farinha..Estudar o perfil do criminoso.Ao mesmo tempo que investiga para deter os violadores - neste ano já foram presos 62 predadores, 39 dos quais estão em prisão preventiva (percentagem mais elevada que indica também maior gravidade) -, a PJ quer conhecer causas e por isso recorreu ao gabinete de Psicologia, no qual são estudados estes fenómenos e tratados os perfis de criminosos. "Este tipo de crimes, com condutas em contexto de privacidade, suscitam uma necessidade acrescida de conhecimento. Houve necessidade de atualizar os perfis dos agressores para tentar perceber o que está em causa", diz o responsável. Cristina Soeiro, psicóloga do gabinete, confirma que o último estudo é de 2010 e que o perfil que está a preocupar a sua direção era sempre exceção. "São um grupo de agressores mais jovens, possuem antecedentes criminais e são movidos por raiva, utilizando uma força excessiva para controlar a vítima. Querem controlar tudo e quando contrariados tornam-se ainda mais violentos." "Têm um nível elevado de antissociabilidade, têm outros crimes violentos associados e são normalmente psicopatas. A relação com as mulheres é agressiva, de poder e controlo. São pessoas muito perigosas", diz Abrunhosa Gonçalves..O Observatório das Mulheres Assassinadas acompanha a preocupação da PJ quanto ao crescendo de violência. Embora não em contexto de violação, nos casos de femicídios que analisou neste ano - 24 até 20 de novembro - há um dado novo que pode indiciar, na opinião da coordenadora do Observatório, Elisabete Brasil, esse mesmo reflexo de "fazer sofrer, torturar as mulheres, antes de as matar": pela primeira vez não foi a arma de fogo o meio mais usado (13% dos casos), mas facas, fogo, estrangulamento, agressão com objetos e asfixia..E como reduzir o número destes crimes, renovado todos os anos? "Talvez uma forma de prevenir fosse o aspeto repressivo funcionar melhor", reflete o coordenador da PJ, Pedro Maia. "O que digo é: para não correrem riscos, não facilitem a vida aos violadores, que estão sempre à procura de vítimas mais vulneráveis. Não são escolhidas por acaso", assevera Abrunhosa Gonçalves. "Temos de ir ao fundo das questões, fazer muito trabalho de prevenção através da educação, nas escolas, para acabar com este pensamento arcaico que ainda tantos homens têm e que gente de mais ainda aceita. Mudar profunda e estruturalmente este pensamento enraizado que quer dominar, torturar e fazer sofrer as mulheres", afirma Elisabete Brasil.
Na mesma semana, duas violações em que as vítimas foram brutalmente agredidas - uma delas até à morte - fizeram soar os alarmes no quartel-general da Polícia Judiciária (PJ), na Rua Gomes Freire, Lisboa. Os suspeitos foram detidos e estão em prisão preventiva. Um deles era reincidente e tinha sido libertado há pouco mais de dois meses da cadeia onde estava a cumprir uma pena de 11 anos por outra violação - de uma jovem enfermeira do hospital Amadora-Sintra, um caso que na altura chocou o país -, igualmente envolvendo um elevado grau de violência. Este perfil de violadores tem sido raro no passado, mas no último ano a PJ notou um crescendo de agressividade..Desde o início do ano, até final de novembro, a PJ abriu 474 novos inquéritos por este crime - nada de muito diferente da média da última década. Todos os anos, 400 a 500 mulheres são violadas e no ano passado foi este o crime violento que mais subiu, em contraciclo com o global da criminalidade violenta. Há muitos anos que a percentagem de presos por violação é de 4% a 5% dos reclusos. "Se o número de violações não desce é sobretudo porque há novos criminosos. É uma história antiga e renovada", assinala o psicólogo criminal Rui Abrunhosa Gonçalves. O que estes números não dizem é que a violência associada a estes crimes sexuais tem sido mais frequente, a ponto de levar a direção da Polícia Judiciária a procurar respostas mais profundas..Vítimas de 21 e 19 anos.A mulher assassinada era uma jovem de 21 anos. A única coisa que procurava era uma vida melhor. Foi isso que ela e a sua família sonharam quando deixaram o seu país e vieram para Portugal, há cerca de cinco anos. Há três meses, deixou a casa da família, na zona da Amadora, e alugou um quarto mais perto do seu local de trabalho, em Loures. Fazia limpezas em escritórios e lojas..Não terá reparado que começara a ser vigiada por um inquilino da casa onde partilhava outro quarto com a companheira. Na manhã do dia 8 de novembro, o homem de 27 anos entrou-lhe pelo quarto dentro e atacou-a selvaticamente para a violar. Ela debateu-se, resistiu e ainda conseguiu escapar por breves momentos das suas mãos. Enraivecido, o violador espancou-a e estrangulou-a. Para garantir que estava morta enfiou-lhe a cabeça num alguidar com água. Depois, o homem voltou para o quarto, esperou que a companheira voltasse do trabalho e os dois jantaram e dormiram..De novo sozinho no dia seguinte, aproximou-se da porta do quarto da jovem e sentiu um cheiro forte a cadáver. Já tinham passado mais de 24 horas. Pediu ajuda a um amigo e este sugeriu que o melhor era entregar-se. Foi o que fez - surpreendeu o piquete da Polícia Judiciária e contou o que tinha feito. Com todos os pormenores. Porquê?, perguntaram-lhe os incrédulos inspetores. "Fiquei irritado por ela ter resistido e não queria que me fosse denunciar", terá respondido friamente, de acordo com uma fonte que está a acompanhar o processo..O que os inspetores não esperavam de todo era que no decurso da investigação este agressor confessasse outro homicídio - que a PJ tinha em aberto há três anos -, de um homem encontrado afogado numa banheira. "Começámos a ver pontos em comum no modus operandi, pressionámo-lo para que nos esclarecesse e acabou por confessar", conta um dos investigadores..Reincidentes no crime.A outra vítima foi uma jovem de 19 anos que está a estudar na universidade. Ao entrar no carro, que deixara estacionado junto à estação de comboios na Linha de Sintra, foi empurrada e ameaçada com uma pistola. Vendada e atada, foi levada para um motel, onde foi espancada e violada durante cinco horas. No final, foi abandonada junto a outra estação ferroviária..Nunca viu a cara do agressor, mas a descrição daquilo de que se apercebeu no trajeto permitiu à PJ identificar o motel e depois, com recurso às câmaras de videovigilância, identificar o homem. Era um velho conhecido reincidente do mesmo crime. "Se não ficar preso e eventualmente internado, quando sair volta a fazer o mesmo", diz Pedro Maia, coordenador da secção de crimes sexuais da Judiciária. "Aquela jovem ficou destroçada. É brutal", sublinha..A direção da PJ partilha as apreensões dos seus inspetores e regista os sinais que vão chegando do terreno. "Temos a perceção de que pode ter havido uma alteração dos comportamentos, transformando em regra aqueles que eram exceção", reconhece o diretor nacional adjunto, Carlos Farinha..Estudar o perfil do criminoso.Ao mesmo tempo que investiga para deter os violadores - neste ano já foram presos 62 predadores, 39 dos quais estão em prisão preventiva (percentagem mais elevada que indica também maior gravidade) -, a PJ quer conhecer causas e por isso recorreu ao gabinete de Psicologia, no qual são estudados estes fenómenos e tratados os perfis de criminosos. "Este tipo de crimes, com condutas em contexto de privacidade, suscitam uma necessidade acrescida de conhecimento. Houve necessidade de atualizar os perfis dos agressores para tentar perceber o que está em causa", diz o responsável. Cristina Soeiro, psicóloga do gabinete, confirma que o último estudo é de 2010 e que o perfil que está a preocupar a sua direção era sempre exceção. "São um grupo de agressores mais jovens, possuem antecedentes criminais e são movidos por raiva, utilizando uma força excessiva para controlar a vítima. Querem controlar tudo e quando contrariados tornam-se ainda mais violentos." "Têm um nível elevado de antissociabilidade, têm outros crimes violentos associados e são normalmente psicopatas. A relação com as mulheres é agressiva, de poder e controlo. São pessoas muito perigosas", diz Abrunhosa Gonçalves..O Observatório das Mulheres Assassinadas acompanha a preocupação da PJ quanto ao crescendo de violência. Embora não em contexto de violação, nos casos de femicídios que analisou neste ano - 24 até 20 de novembro - há um dado novo que pode indiciar, na opinião da coordenadora do Observatório, Elisabete Brasil, esse mesmo reflexo de "fazer sofrer, torturar as mulheres, antes de as matar": pela primeira vez não foi a arma de fogo o meio mais usado (13% dos casos), mas facas, fogo, estrangulamento, agressão com objetos e asfixia..E como reduzir o número destes crimes, renovado todos os anos? "Talvez uma forma de prevenir fosse o aspeto repressivo funcionar melhor", reflete o coordenador da PJ, Pedro Maia. "O que digo é: para não correrem riscos, não facilitem a vida aos violadores, que estão sempre à procura de vítimas mais vulneráveis. Não são escolhidas por acaso", assevera Abrunhosa Gonçalves. "Temos de ir ao fundo das questões, fazer muito trabalho de prevenção através da educação, nas escolas, para acabar com este pensamento arcaico que ainda tantos homens têm e que gente de mais ainda aceita. Mudar profunda e estruturalmente este pensamento enraizado que quer dominar, torturar e fazer sofrer as mulheres", afirma Elisabete Brasil.