Como é que a sua formação como engenheiro contribuiu para sua pesquisa como neurocientista? Eu tive muita sorte. Comecei a vida como um estudioso clássico, estudando latim e grego, e não me saí muito bem. Então desisti e trabalhei durante vários anos, fiz um curso de engenharia aeronáutica e consegui emprego como engenheiro aeronáutico. Isso deu-me uma compreensão de coisas como a eletrónica. Quando decidi começar a estudar o cérebro estava numa posição muito boa porque, para ser honesto, muita da ciência está intimamente ligada à tecnologia. Para dar um exemplo, na época em que eu estava a trabalhar outra vez, não era possível registar os neurónios dos animais em liberdade. Havia algum trabalho com primatas, mas a maior parte foi feita virtualmente. Então, eu estava em condições de inventar as tecnologias, que me permitiram miniaturizar a parte elétrica - os circuitos em miniatura permitiram-nos colocar amplificadores muito pequenos na cabeça. Para ter uma ideia, eu agora faço parte de um projeto que está em andamento há 10 anos, que é parte europeu e parte americano, para desenvolver novas técnicas de gravação em elétrodos. Naquele tempo, costumávamos ter apenas um fio, um local de gravação, agora temos elétrodos para que possamos gravar em muitas células, e podemos colocar vários para registarmos, em muitos casos, 6 000 locais diferentes no cérebro..E que descobertas isto trouxe? Isto é importante porque podemos olhar para uma célula de cada vez, mas grande parte da forma como o cérebro funciona é por interações entre redes. Então, até chegarmos a este ponto em que podemos gravar muitas células, não podíamos ver essas interconexões. Já sabemos que muito do que acontece no hipocampo é baseado em redes de células e não apenas células, então podemos perder qualquer célula e isso não fará diferença. Eu não sou um determinista tecnológico, mas acredito que algumas tecnologias são vitais e se não as tivermos não podemos alcançar determinados progressos..Ganhou o prémio Nobel de Medicina em 2014 pela descoberta das células de lugar. O representa essa descoberta? Acho que representa a primeira demonstração clara de que podemos entender como o cérebro cria. E eu quero mesmo dizer criação. Não acho que haja, e é aqui que me separo de muitos dos meus colegas, um espaço lá fora no mundo físico como pensamos. Acho que se olharmos para o que os físicos nos estão a dizer, é um mundo muito estranho com algo entre 11 e 19 dimensões. Considerando que nosso mundo é um mundo euclidiano de três dimensões, e eu acho que é um mundo que nós mesmos criámos..Trata-se de perceção subliminar? Não, é uma criação. Não é algo que percebemos. O que fazemos é pegamos na informação, visual e outros tipos, e criamos esse conceito de "Aqui é um lugar, certo? Há um lugar entre minhas mãos", mas não há nada realmente lá. Eu sei onde está e posso dizer "vou trazer este trabalho para este lugar", mas não há nada realmente lá. E, de facto, no nosso labirinto, o animal está a ir para um local no espaço. Quando ele está a percorrer o labirinto, não há nada lá. No nosso labirinto, há apenas um pedaço de espaço para o qual ele está a ir, e ele entende isso, porque ele tem um conceito na sua cabeça de que existe este lugar, e aquele lugar, e como eles estão todos ligados. Acho que minha contribuição, que eles provavelmente reconheceram, foi esta ideia de que poderíamos olhar para a atividade das células e ver como elas criaram algumas das ideias importantes que temos sobre o mundo..Essa descoberta parece um pouco assustadora. Pensar que o que pensamos que realmente existe talvez esteja apenas dentro da nossa cabeça. Não é que tudo está dentro da nossa cabeça. Há algo lá fora. Uma das coisas importantes que Kant disse foi que havia algo chamado os seus conceitos do mundo, e depois há algo chamado ding an sich, a coisa em si. E ele achava que a coisa em si era completamente incognoscível, você nunca seria capaz de saber o que realmente estava lá fora, porque foi sempre filtrado através das suas ideias. Então, nunca será capaz de realmente entender o mundo, a menos que pense em termos de conceitos espaciais e temporais, e tenho certeza de que há um pouco de verdade nisso..Como é que se sentiu quando ganhou o Nobel e o que isso representou para pessoalmente e para o seu trabalho? Foi realmente fantástico. Não vale a pena negar que pensei que é a conquista de uma vida. As pessoas acham que isto facilita a vida, mas ainda tenho problemas para conseguir bolsas e ainda tenho problemas para publicar artigos. Muitas pessoas estão interessadas em mim, não pelo meu trabalho, mas pela minha fama, querem alguém que tenha esse prestígio. Recebe-se muitos convites para fazer coisas nas quais, francamente, eu não sou muito bom, para falar em conferências onde não sei nada sobre o assunto. Acho que alguns de meus colegas vencedores do Nobel acham muito difícil continuar a fazer pesquisa depois de ganharem. É difícil. Eu tentei, e acho que tenho sido razoavelmente bem sucedido. Mas há coisas boas, tornamo-nos um porta-voz da ciência e damos um rosto humano à ciência..Que investigação tem atualmente em mãos e quais descobertas ainda podemos esperar de John O'Keefe? Ainda estou a trabalhar no hipocampo dos roedores, a tentar entender o que ele faz. Eu realmente quero saber como essa parte do cérebro funciona. Estou a colaborar com neurologistas e cientistas da computação e muitas outras pessoas para tentar encontrar maneiras de testar pessoas, usando testes especiais para ver se podemos detetar sinais muito precoces de demência. E, ao mesmo tempo, estamos a analisar modelos animais de demência para tentar entender o que está errado nos seus cérebros e descobrir maneiras de intervir ou prevenir. Existe ainda outra área do cérebro pela qual estou muito interessado. É uma área que estudei há muitos anos, a amígdala, que muitas pessoas acreditam estar envolvida principalmente nas emoções do medo. O nosso trabalho sugere que tem mais funções, que está envolvida na identificação de aspetos etológicos do ambiente, outros animais, alimentos que o animal gosta. Eu gosto de fazer coisas diferentes das outras pessoas. E, claro, amígdala e hipocampo, eles falam um com o outro... Ainda não estou pronto para me reformar..ana.meireles@dn.pt