Mudar ou não, eis a grande questão
Portugal tem de ser diferente para melhor esta noite frente à Áustria. De acordo. Mas o que é ser diferente? Mudar o sistema - e o processo - de jogo que foi trabalhado nas semanas anteriores ao arranque do Euro? Alterar três ou quatro jogadores e esperar que daí venha, por inspiração individual, o acrescento de qualidade que faltou frente à Islândia? Não me parece, até porque se o resultado foi mau a exibição esteve longe de ser desastrosa na primeira parte. Sem embargo de acreditar que pode haver mudança de nomes, e Fernando Santos já pré-anunciou algumas trocas, trata-se essencialmente de melhorar a ideia com que se trabalhou desde o início, adaptando-a às exigências de novo e diferente adversário. Concretizando por pontos:
1. Portugal preparou uma forma de jogar, com base num 4.4.2 com mobilidade dos atacantes e mais quatro médios declarados, capazes de assumir o jogo ofensivo mas também de garantir agressividade defensiva nos momentos sem bola;
2. A equipa defrontou um adversário fechado, de processos rudimentares mas consolidados, mas não encontrou a melhor forma de superar essa barreira;
3. Quando quis alterar a forma de jogar, promoveu uma pequena revolução de substituições consecutivas a partir do minuto 70 - com Renato a transportar, Quaresma a cruzar e, mais tarde, Eder junto a Ronaldo na área -, talvez tardias, e de contraste claro com o plano inicial.
Considero que há espaço para melhorar em cada uma das alíneas - no fundo relativas ao modelo de jogo de Portugal, à abordagem estratégica e à gestão do próprio - sem alterar no essencial o que foi planeado:
1. Portugal tem de fazer chegar a bola aos flancos mas conseguir que o jogo flua também pelo corredor central, que o contraste estatístico no primeiro jogo foi enorme - só nove ataques pelo centro e quase 60 pelos corredores laterais. Para isso precisa que os centrais assumam a construção de jogo, que Moutinho (ou quem fizer o lugar) se adiante mais vezes em relação ao médio defensivo e os alas surjam em posições interiores, tanto para dar linhas de passe como para libertar os flancos para as subidas dos laterais. Até porque o perfil de avançado que temos é de desequilíbrio e definição perto da baliza contrária, não contando muito para construir jogo;
2. A Áustria exige mais cuidado defensivo do que a Islândia, já que não tem um grande ponta-de--lança, mas é perigosa nas alas - e muito se Arnatovic puder surgir de um para um com o lateral português - e tem médios que surgem numa segunda vaga de ataque, como Alaba, claro, mas também Baum-gartlinger, faltando ainda saber como é que o treinador Koller vai resolver a ausência de Junuzovic. Atrás também falta um homem nuclear - Dragovic (deve entrar Prodl) - o que pode agravar os problemas defensivos da equipa. Portugal pode aproveitar o terreno entre a linha defensiva e a de meio--campo (que os médios-centro sobem muitas vezes juntos) e as costas da defesa austríaca, que não controla bem essa profundidade. É provavelmente um jogo em que Ronaldo, Nani ou Quaresma terão o espaço que lhes faltou para fazer miséria frente aos islandeses;
3. No primeiro jogo quase tudo era óbvio, agora é quase impossível prever como é que Fernando Santos vai organizar o 11: Nani ou Quaresma junto a Ronaldo? Ou jogam os três? E, se jogam os três, Nani será médio ou muda o sistema? E Moutinho sai para dar lugar a Renato Sanches? Ou avançam William e Adrien para replicar um meio--campo à Sporting? André Gomes fica ou sai? Nem na defesa é garantido que tudo permaneça igual.
Fernando Santos tem um saber acumulado deste tipo de provas e não acredito que promova uma revolução. É verdade que foi ao mudar quase tudo no segundo jogo que Scolari alterou o rumo da história no Euro 2004, e vamos lembrar-nos sempre disso. Mas também é verdade que não só tinha quase uma equipa completa (o Porto de Mourinho) pronta a servir tipo "plano B" como não deixou, mesmo assim, de perder outra vez com a Grécia. Neste caso, há trocas que podem implicar um ganho sem grande agitação do conjunto, como colocar William em vez de Danilo, optando por mais qualidade de circulação em vez de maior contundência nos duelos, e outras de maior risco mas dentro do modelo atual, como a de colocar Nani numa ala, garantindo mais criatividade ofensiva embora obrigando um jogador de talento a grande desgaste para que a equipa permaneça estável. Outras serão mais radicais, seja a mudança de sistema para 4.3.3, para juntar os três craques na frente e abdicando de um médio, ou a simples troca de Moutinho por Renato, que daria outra pujança ao meio-campo e capacidade de fazer chegar mais a bola ao ataque - em ações individuais - mas tornaria mais anárquica a organização da equipa. Para o bem e para o mal, cabe a Fernando Santos decidir. Claro que se mexer muito deixará a ideia de que não foram boas as primeiras escolhas, decididas e trabalhadas há mais tempo. No entanto, se estiver convencido de que precisa mesmo de mudar esta é a hora, que o jogo com a Áustria não se repete. E perder é proibido.