Motoristas desconvocam a greve mas braço de ferro mantém-se

Os motoristas de matérias perigosas desconvocaram a greve iniciada no dia 12. A decisão foi tomada este domingo, em plenário. Agora falta esperar pela reunião de terça-feira que irá sentar à mesa patrões e sindicatos para ver se é possível "um acordo histórico".
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Numa curta declaração aos jornalistas, foi o porta-voz do Sindicato dos Motoristas de Matérias Perigosas, Pedro Pardal Henriques, que anunciou a desconvocação da greve, que se prolongava já há sete dias e que era por "tempo indeterminado". Mas foi o presidente do Sindicato, Francisco São Bento, que justificou a decisão tomada em plenário dos motoristas, que começou este domingo pelas 16.30 e se prolongou até perto das 19:45.

Francisco São Bento garantiu que "é um passo em frente" a desconvocação da greve, apesar de parecer um recuo. E a razão fundamental, disse, é o facto da ANTRAM se mostrar disponível para uma reunião na terça-feira, mediada pelo Governo, sem condições sobre a mesa. E também porque "os motoristas querem mostrar ao país que nunca quiseram prejudicar os portugueses".

O sindicalista, que não quis adiantar quais as reivindicações de que não desistirão, admitiu que se não houver um entendimento entre o sindicato e a ANTRAM voltarão a equacionar outras formas de luta, como greve às horas extraordinárias, aos fins de semana e feriados.

Recordou ainda que a ANTRAM não cedeu um milímetro desde que a greve começou a 12 de agosto, mas que o Governo mostrou-se fortemente empenhado num entendimento entre os patrões e os motoristas. Mas o mesmo governo que "restringiu o direito à greve ", nomeadamente através do uso das Forças Armadas e de segurança para garantir os serviços mínimos.

O Governo tinha feito saber este domingo que se a greve fosse suspensa estava disponível para mediar uma reunião entre a ANTRAM - a associação representativa dos patrões - e o Sindicato Nacional de Motoristas de Matérias Perigosas. Este domingo já confirmou que a reunião vai mesmo ocorrer no Ministério das Infraestruturas e Habitação, tutelado por Pedro Nuno Santos.

À hora de almoço, o ministro do Ambiente apelava para o fim da greve. "Num dia que é obviamente importante porque há um plenário do sindicato [dos motoristas de matérias perigosas], apelo às partes para um entendimento e para que a greve chegue ao fim", afirmou João Pedro Matos Fernandes, numa conferência de imprensa no Porto para fazer um balanço da situação de emergência energética no país no sétimo dia da paralisação.

A primeira estrutura sindical a desconvocar a greve foi o Sindicato Independente dos Motoristas de Mercadorias (SIMM) depois de uma reunião com a ANTRAM, que decorreu quinta-feira sob a mediação do governo.

Costa saúda fim da greve

Em quatro tweets, o primeiro-ministro quis assinalar o fim da greve, formulando "votos de sucesso para o diálogo que agora se retoma entre as partes". António Costa saudou também o "elevado civismo com que os portugueses viveram esta semana difícil para todos e a forma pacífica e sem qualquer violência como foram conduzidas todas as manifestações".

O líder do Governo deixou ainda uma palavra para as Forças Armadas e de Segurança e a todos os agentes de proteção civil pelo "contributo que deram para minimizar os impactos da greve, no funcionamento dos serviços essenciais e na economia". E aos colegas de Governo "pelo seu empenho sempre articulado e com elevado espírito de equipa".

Na segunda-feira, Costa visitará a Entidade Nacional para o Setor Energético (ENSE) para avaliar as condições para declarar o fim da crise energética e convocar o Conselho de Ministros para o efeito.

A situação de crise energética teve como objetivo garantir os abastecimentos energéticos essenciais à defesa, ao funcionamento do Estado e dos setores prioritários da economia, bem como à satisfação dos serviços essenciais de interesse público e das necessidades fundamentais da população durante a greve dos motoristas.

ANTRAM negoceia com o que as empresas suportarem

A ANTRAM vai para a mesa das negociações, mas alerta que há uma condição: "Vamos negociar com uma condição, aquilo que as empresas podem suportar", disse André Matias de Almeida em declarações à SIC. Segundo o porta-voz da associação, as empresas vivem há três anos consecutivos em contra ciclo.

André Matias de Almeida adiantou ainda que vão estudar o documento que o Sindicato Nacional dos Motoristas de Matérias Perigosas apresentar com as reivindicações que considera legítimas. O responsável sublinhou que o importante é que "está dado um passo para o diálogo". E recordou que as negociações têm o seu tempo. "A negociação pressupõe avanços e recuos".

De aumentos para 2021 e 2022 até mais 50 euros

Nestes sete dias de greve, os motoristas de matérias perigosas ameaçaram secar as bombas de gasolina e parar o País com uma greve por tempo indeterminado para exigir aos patrões o cumprimento de um acordo de aumentos salariais para 2021 e 2022 e um novo contrato coletivo que assegurasse o cumprimento dos tempos de trabalho. Sete dias depois do início da paralisação, esquecida a corrida aos postos de gasolina que deixaram muitos com o ponteiro a zeros e com o regresso à "normalidade" assegurada por forças policiais e Forças Armadas, o Sindicato Nacional de Motoristas de Matérias Perigosas (SNMMP) aceitou abrir mão de quase todas as suas exigências para tentar chegar a um acordo.

Mas quais eram as exigências?

Depois de quase "duas décadas de não valorização salarial", os motoristas exigiam um acordo para aumentos graduais no salário-base até 2022: dos atuais 630 euros para 700 euros em janeiro de 2020; 800 euros em janeiro de 2021 e para 900 euros em janeiro de 2022. Uma subida que, acrescida aos prémios suplementares que estão indexados ao salário-base, daria 1400 euros em janeiro de 2020, 1550 euros em janeiro de 2021 e 1715 euros em janeiro de 2022. O aumento do próximo ano seria, assim, de 70 euros no salário-base, mais 55 euros nos prémios. A que somaria um novo subsídio de operações para os motoristas de matérias perigosas.

Para além dos salários, o SNMP reivindicava ainda um novo contrato coletivo de trabalho com um prazo mais estendido. Objetivo: assegurar que o contrato, em vez de dois anos, passasse a ter uma duração de seis, garantindo a priori aumentos de 50 euros de ano para ano a partir de 2021.

A proposta - adiantou Pardal Henriques, o advogado que é a cara do sindicato - visa aumentar o salário base dos motoristas para mil euros até 2025, com indexação ao crescimento do salário mínimo nacional, que permitiria "um prazo mais dilatado para que as empresas possam cumprir com aquilo que ficar estabelecido no CCT e para que haja a paz social que o país necessita".

Na lista de reivindicações estava ainda o cumprimento da legislação europeia em matéria de tempos de trabalho e descanso semanal, com uma limitação de horas e o seu pagamento integral. De acordo com o Sindicato de Motoristas de Matérias Perigosas, estes profissionais trabalham entre 15 e 18 horas por dia e, a esta altura, já esgotaram as 200 horas suplementares do ano.

O aumento do valor dos seguros, exames médicos suportados pelo patronato e a atualização do valor das ajudas de custo eram outras das exigências.

O que conseguiram até agora

Ainda na quarta-feira, a Federação dos Sindicatos de Transportes e Comunicações (FECTRANS), o maior sindicato do setor que não tinha aderido à greve, assinou um "memorando de entendimento" com a ANTRAM, que representa os patrões, para começar a negociar um novo contrato coletivo. A primeira reunião está agendada para 12 de setembro. Para já, está garantido um aumento mínimo de 266 euros por mês para "um motorista de pesados que, por exemplo, transporte combustíveis e trabalhe com camiões cisterna". A acrescer está um prémio de 125 euros de subsidio de operações. O trabalho noturno passa também a ser pago à parte.

Este "memorando de entendimento" melhora os salários, valoriza questões como as diuturnidades e muda conceitos de atribuição de regras de ajudas de custo diárias no transporte ibérico e internacional, garantiu José Manuel Oliveira, coordenador da FECTRANS.

Depois de quatro dias de greve, o Sindicato Independente dos Motoristas de Mercadorias (SIMM), um pequeno sindicato com apenas 1200 filiados que se tinha juntado ao protesto dos motoristas de matérias perigosas, acabou por desconvocar a paralisação e aceitar as mesmas condições.

O que os divide

Mas afinal o que divide ainda patrões e motoristas de matérias perigosas, depois de estes já se terem mostrado dispostos a abrir mão da exigência de desdobramento dos aumentos salariais para 2021 e 2022? Uma diferença de 50 euros - os motoristas de matérias perigosas exigem que, dada a especificidade das suas funções, o subsídio de operações seja não de 125 euros como para os restantes profissionais mas de 175 euros, mais 40% que a associação patronal considera "injusta" e "incomportável" para as empresas.

Falta saber até onde vão ceder sindicatos e patrões para pôr fim a esta greve que ninguém queria, mas que acabou por ser suspensa apenas ao 7.º dia. O País fica à espera da reunião de terça-feira, que terá como mediador o Governo, no meio de muitos considerandos e novas ameaças de greve às horas extraordinárias, fins de semana e feriados.

E ao 7.º dia a greve acabou. Quais os momentos chave?

A greve dos motoristas de matérias perigosas não parou o país, mas chegou a provocar o caos nas bombas de combustível ainda antes de começar. Desde o primeiro dia, o Governo colocou em marcha um plano para minimizar os efeitos da paralisação, com militares e forças policiais a garantirem o transporte de combustíveis para infraestruturas críticas, como os aeroportos.

Uma greve que esgotou postos de combustível ainda antes de começar

A 15 de julho, dois sindicatos independentes dos motoristas avançaram com um pré-aviso de greve por tempo indeterminado a partir de 12 de agosto, acusando a Associação Nacional de Transportes Públicos Rodoviários de Mercadorias (ANTRAM) de recuar nos compromissos de aumentos salariais acordados em abril, após a primeira paralisação. Em causa estava um acordo que previa aumentos graduais no salário-base até 2022. A cinco dias do início da greve (7 de agosto), o Governo definiu um caderno de serviços mínimos que começavam nos 50% e iam até aos 100% e fez saber que estavam a ser preparadas alternativas para o transporte. Em simultâneo, preparou a declaração de crise energética. Mas o caos estava lançado: os portugueses, em pleno mês de férias, correram para os postos de combustível para encher depósitos dos carros e jerricãs, provocando longas filas, muitas horas de espera, deixando muitas bombas sem combustível ainda antes da greve começar.

Governo decreta requisição civil e chama Forças Armadas

Logo ao fim do primeiro dia, o Governo concretizou a ameaça que tinha deixado no ar e decreta a requisição civil parcial, considerando que os serviços mínimos, apelidados de "máximos" pelos sindicatos, não estavam a ser cumpridos. O abastecimento no Algarve, com muitos portugueses de férias, e o aeroporto de Lisboa foram os pontos mais críticos. Com 120 militares no terreno, muitos à frente de um volante de camião cisterna, o abastecimento começou lentamente a regressar à normalidade, no meio de alguma tensão depois de alguns motoristas terem sido notificados pela polícia e obrigados a regressar ao trabalho.

Motoristas de matérias perigosas isolados

Ao terceiro dia de greve, a ANTRAM e a FECTRANS, que não aderiu à greve, assinaram um memorando de entendimento, para começar a negociar, a 12 de setembro, um novo acordo coletivo que prevê aumentos de 120 euros para 2020 e alterações às horas extraordinárias. Um dia depois, com os trabalhadores cansados e desiludidos com os resultados da greve, o SIMM, o outro sindicato que tinha aderido à paralisação, desconvoca a greve e deixa o Sindicato Nacional dos Motoristas de Matérias Perigosas (SNMMP), que entretanto tinha pedido a mediação do Governo, cada vez mais isolado.

Maratona negocial

Pela primeira vez, sexta-feira o SNMMP admite suspender temporariamente a greve logo que as negociações sejam iniciadas. Pedro Nuno Santos, ministro das Infraestruturas, faz um novo esforço e convoca uma reunião que se iniciou às 16 horas de sexta-feira e terminou às duas da manhã de sábado. Dez horas de negociação que esbarraram na intransigência da ANTRAM em negociar com a greve a decorrer. Um dia depois, com a situação num beco sem saída, a ANTRAM diz-se disponível para pedir a mediação do Governo, caso a greve fosse suspensa. Mas sindicatos e patrões nunca chegaram a sentar-se à mesa de negociações. E os motoristas deixam uma decisão para o plenário de domingo.

Terminou a greve

Foram precisas mais de três horas para o plenário de motoristas de matérias perigosas anunciar a desconvocação da greve. O sindicato considerou estarem reunidas as condições para negociar com a ANTRAM. E, entre muitos considerandos, deixaram uma ameaça no ar: caso os patrões se mostrem intransigentes nas negociações, poderão avançar com uma greve cirúrgica às horas extraordinárias, fins de semana e feriados. O País fica à espera da reunião agendada para terça-feira, às 16 horas, mediada por Pedro Nuno Santos, o ministro das Infraestruturas.

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