Um ensaio sobre disfunção motora causada por agentes neurotóxicos, da responsabilidade duma equipa de investigadores da NOVA Medical School, veio comprovar a eficácia das moscas da fruta como sujeitos de experimentação animal. César Mendes, investigador que trabalha no estudo do movimento, faz a apologia dos insetos, porque "cerca de dois terços dos genes que estão envolvidos em doenças em humanos estão presentes na mosca da fruta". Que apresenta várias vantagens comparando com os tradicionais ratinhos usados em laboratório.."A mosca da fruta é um sistema genético por excelência. É fácil manipular o seu genoma e os seus neurónios. Em vez de estarmos a investir tanto tempo e tanto dinheiro em ratinhos, e há diretivas europeias no sentido de diminuir o uso por questões éticas, porque é que não simplificamos as coisas e usamos sistemas como a mosca da fruta? O ciclo de vida da mosca é de 11 dias, ao passo que o do rato é de um mês, e mesmo assim só o desenvolvimento embrionário. A mosca da fruta, oito horas depois de nascer, já está sexualmente ativa, já está a reproduzir-se, o que para nós, em laboratório, é muito útil. Quando queremos fazer cruzamentos e amplificar as moscas, e pôr uma mosca com um gene ou outro, os resultados são mais rápidos e mais baratos. Manter ratos é extremamente caro", explica ao DN ao investigador..Especificamente no estudo do movimento, ao qual César Mendes se dedica, há outra clara vantagem nas moscas. "A mosca da fruta é muito boa porque tem seis patas e se alguma coisa acontecer isso vê-se no movimento. Se medirmos com elevada resolução certos detalhes finos da locomoção já conseguimos ver defeitos mesmo em doenças neurodegenerativas. Quando fazemos aqueles ensaios normais, não se deteta nada", diz..O mais recente estudo a comprovar essa eficácia mediu os efeitos genéticos e biológicos de dois compostos químicos. César Mendes colaborou com Michael Kranendonk e Sebastião Rodrigues, do Centro de Toxicogenómica e Saúde Humana (ToxOmics) da Nova Medical School. "Eles estão mais focados na parte da toxicologia e vieram ter comigo porque sabiam que eu trabalhava com a mosca da fruta e no estudo do movimento. O desafio é testar os milhares de compostos químicos que nos rodeiam e que fazem as nossas vidas tão simples, como a laca e os cremes e todas aquelas coisas que vêm com os plásticos, e perceber qual o efeito biológico que têm. No ensaio pegámos em dois compostos, um que já se sabia que era neurotóxico e outro em que havia algumas dúvidas. O que fizemos foi expor as moscas durante o desenvolvimento e o que verificámos foi que, mesmo para o caso de um composto que se suspeitava ser neurotóxico e estar envolvido em doenças degenerativas, de facto esse composto já tem uma marca, já tem uma assinatura de movimento, já tem uma disfunção motora. E detetámos isso mesmo em concentrações relativamente baixas e com elevada sensibilidade comparativamente a outros ensaios.".O composto cuja neurotoxicidade já era conhecida é o BMAA, presente sobretudo em ambientes marinhos e que pode passar para os alimentos. Um dos animais que mais capta este aminoácido é o tubarão, ainda presente na alimentação de vários povos. O outro é o Chlorpyrifos, que era usado como pesticida e foi entretanto proibido e que se comprovou ter realmente efeitos na locomoção das moscas.."A questão da neurotoxicidade durante o desenvolvimento está a ser analisada cada vez mais, porque se está a ver, por exemplo na China, que tem impacto no sistema endócrino. Por vezes, quando aparecem bebés extremamente obesos, isso tem a ver com o desenvolvimento embrionário. Praticamente todas as doenças degenerativas vão ter, mais cedo ou mais tarde, um efeito no movimento, portanto o movimento é uma boa maneira de avaliarmos a função neuronal", explica César Mendes..O próximo passo, para além de continuar a analisar o efeito de outros compostos, é perceber o que pode ser feito para atenuar os seus efeitos. "Quando expomos um organismo a um agente neurotóxico, o corpo reage. Resta saber qual é a reação e saber se conseguimos preparar melhor o organismo a este tipo de compostos. Vamos imaginar que alguém vive numa zona perto de compostos químicos e que existem alterações no desenvolvimento do embrião. Será que conseguimos contrabalançar isso? Se dermos, por exemplo, genes antioxidantes ou de desintoxicação a estas moscas, será que ficam mais preparadas para esta exposição ao tóxico Quando encontramos uma resposta em sistemas mais simples isso vai guiar-nos para obter respostas em sistemas mais complexos, como os humanos.".ana.meireles@dn.pt