Mortes em ensaios clínicos podem ficar sem culpados
Os voluntários, seis homens com idades entre os 28 e os 49 anos, saudáveis, tinham começado a tomar o medicamento no dia 7, quinta-feira. No domingo, o primeiro revelou sintomas, tendo sido internado no dia seguinte no Hospital de Rennes, França. Está agora em morte cerebral. Outros cinco foram hospitalizados nos dias seguintes. Todos estavam a testar a nova molécula para a dor, produzida pela Bial - os ensaios clínicos decorriam em França. A ministra da Saúde francesa comunicou o acidente ontem de manhã e a polícia está a investigar. No entanto, não é certo que alguém venha a ser responsabilizado pelo incidente. Nestes casos é preciso que se prove que houve culpa dos envolvidos no processo para que alguém seja responsabilizado, já que os voluntários dão o seu consentimento informado.
O advogado José Jácome, especializado na área farmacêutica, explica: "Se alguém falhou com os cuidados a que está obrigado, será responsabilizado." No entanto, "se foi um efeito secundário que não estava previsto, ninguém poderá ser responsabilizado". E os voluntários que sofreram os efeitos adversos podem não receber indemnização.
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Segundo a ministra da Saúde, o ensaio clínico envolveu 198 pessoas, tendo 90 tomado o medicamento em teste em diferentes doses. Aos seis homens que foram hospitalizados em Rennes terá sido administrada a dose mais forte. Marisol Touraine diz que a situação é "inédita" no país. O caso está a ser investigado pelas autoridades judiciais.
Em comunicado, a Bial confirmou que o ensaio - conduzido pela Biotrial, em França - envolvia uma "nova molécula na área da dor (inibidor da enzima FAAH)". A empresa portuguesa realçou que o de-senvolvimento do medicamento "segue desde o início todas as boas práticas internacionais". Segundo a farmacêutica, "os resultados obtidos de acordo com as diretrizes internacionais permitiram o início dos ensaios clínicos em pessoas" e já mais de uma centena tinham participado "sem notificação de qualquer reação adversa moderada ou grave".
Joaquim Ferreira, professor de Farmacologia Clínica na Faculdade de Medicina de Lisboa, diz que a prioridade é perceber o que causou os efeitos adversos graves. "Mesmo numa fase muito precoce, é raríssimo existirem problemas desta gravidade." Para se discutir responsabilidades "é preciso saber a causa." E existem muitas entidades envolvidas no processo além da Bial e da Biotrial. "O Conselho de Ética aprova o ensaio e as agências do medicamento também avaliam."
Segurança do medicamento
António Vaz Carneiro, diretor do Centro de Estudos de Medicina Baseada na Evidência da Faculdade de Medicina de Lisboa, explica ao DN que os doentes que participam de forma voluntária na fase 1 são sempre saudáveis, ao contrário dos da fase 2. O objetivo é precisamente avaliar se há reação estranha, efeito inesperado ou se é tóxico. Mas tudo controlado em ambiente hospitalar, daí que envolva poucos doentes.
Neste caso, já teriam sido tratados quase uma centena, dos quais terão registado em simultâneo reações adversas graves. "Tendo sido detetadas ao mesmo tempo é porque terão sido tratados na mesma altura. O que acho estranho é haver reações graves, acidentes que por vezes não se podem evitar."
Situações que envolvam estas consequências podem acontecer nesta e noutras fases, mas o médico e investigador recorda-se de poucos casos que tenham envolvido tantos doentes. "Ocorreu um caso semelhante no Reino Unido, com um anticorpo monoclonal, que levou ao internamento de seis doentes, o que foi questionado na altura por não ser a prática habitual." Mas, apesar das reações, "a verdade é que esta é a única forma de fazer a ciência progredir". Apesar de haver um consentimento informado, os doentes, que nesta fase costumam ser remunerados, têm algum tipo de proteção em alguns países, porque as empresas têm seguros para cobrir estes riscos.
À margem da tomada de posse da nova direção do Infarmed, o ministro da Saúde referiu "estar a acompanhar a situação com enorme preocupação. Temos a maior consideração pelo trabalho da Bial".