"Face ao exposto, das diligências de recolha de prova, inquirição de testemunhas e relatório de autopsia, resulta a firme convicção da inexistência de qualquer indício de intervenção de terceiros na morte de Danijoy, que foi de causa natural, sendo certo que as suspeitas suscitadas nos autos e que estiveram na decisão de reabertura do inquérito, resultam de rumores e opiniões sem qualquer sustentação factual", conclui a Polícia Judiciária (PJ) no seu relatório final da investigação à morte deste jovem, aos 23 anos, a 15 de setembro de 2021 no Estabelecimento Prisional de Lisboa (EPL)..Depois de vários protestos, a que juntaram movimentos antirracistas, e dúvidas que tinham sido suscitadas pela família, especialmente pela mãe Alice Pontes, convicta de que o seu filho teria sido assassinado por guardas prisionais, a Procuradoria-Geral da República (PGR) ordenou em novembro de 2021 a reabertura do processo, que tinha sido arquivado logo depois do óbito, em setembro de 2021..Num inquérito desta vez titulado pela 11ª secção do Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa, que investiga os crimes "especialmente violentos", a PJ fez um "fact check" de todas as alegadas "incongruências" apontadas..Porém a decisão do DIAP foi voltar a arquivar o processo e Adriano Malalane, o advogado da família, que já leu este relatório, admite interpor um "recurso hierárquico ou pedir a abertura da instrução". Entende que "as incongruências se mantêm" e lembra que "no meio prisional é muito difícil testemunhas que contrariem a versão dos guardas, porque ali ninguém é livre"..Malalane queria "ver desfeita a narrativa da morte natural", mas reconhece que a PJ "foi verificar informações e testemunhos". Possivelmente, considera, "só uma exumação permitiria certezas"..Inconformado com a concluída causa de morte "natural", já antes noticiada pelo DN, o movimento "Vozes de Dentro", que apoia reclusos e familiares, em especial pertencentes a minorias e classes desfavorecidas, convocou uma nova manifestação para o próximo dia 10, a exigir "verdade e justiça" também em relação às mortes de Daniel Rodrigues, ocorrida no mesmo dia que a de Danijoy no EPL, e Miguel Cesteiro, que faleceu na cadeia de Alcoentre..Uma das "incongruências" suscitadas era o facto de, na autópsia, terem sido detetadas substâncias para tratamento de esquizofrenia. A mãe garantiu que esta doença de foro psiquiátrico nunca tinha sido diagnosticada ao filho e Adriano Malalane lembra que "numa avaliação do Instituto Nacional de Medicina Legal (INML) também não tinha também sido confirmada"..Em resposta, a PJ indica as consultas de psicologia e psiquiatria que levaram a esse diagnóstico. Na primeira avaliação, quando chegou ao EPL, a 20 de agosto de 2020, para cumprir os seis anos de cadeia a que tinha sido condenado por roubo de telemóveis, "o recluso relatou ouvir vozes há cerca de um mês, coçando-se sem parar referindo "estou a coçar porque é o que eu estou a ouvir, se não coçar estou lixado" (sic) e diz que as vozes lhes dão indicações"..Numa consulta de psiquiatria a 29 de janeiro de 2021, foram diagnosticadas "alucinações auditivo-verbais, sendo prescrita terapêutica com olanzepina, diazepam, zolpidem e diplexil", substâncias detetadas pela autópsia..Quanto à metadona, suja presença no sangue estava também indicada no relatório da autópsia e que tinha suscitado também dúvidas por não haver qualquer indicação de que Danijoy estivesse a fazer terapêutica de substituição de opiáceos, a PJ acredita que "o recluso teve acesso a esta substância por via dos canais ilícitos que se sabe existirem nos estabelecimentos prisionais, através dos quais é possível conseguir todo o tipo de produtos tais como, entre outros, telemóveis e produto estupefaciente"..A PJ falou também com testemunhas que a mãe de Danijoy dissera saberem das agressões contra o filho (uma delas teria visto um guarda com roupas ensanguentadas), mas tudo foi negado pelas mesmas, ou porque locais que indicaram não estavam relacionados com a zona de detenção em causa, ou porque os factos que descreviam não batiam certo..Por sua vez, a médica e a enfermeira de serviço que atestaram a morte de Danijoy, garantiram que este não tinha quaisquer lesões traumáticas quando o observaram na cela, facto depois confirmado pela perícia médico-legal, que afastou a possibilidade de "que [Danijoy] tenha sido alvo de agressão física"..Testemunhou a enfermeira, citada no relatório da PJ, que "o cenário no interior da cela estava composto sem sinais de luta, ficando com a impressão que o indivíduo teria adormecido e falecido durante o sono (...) e não existia qualquer vestígio de sangue na roupa ou na cela"..Quando confrontada com a presença de metadona nas análises ao recluso, a mesma testemunha garantiu que esta não estava prescrita, sublinhando que " a toma da mesma por indivíduo não viciado em drogas duras, como era o caso do falecido, pode provocar sonolência e, em casos mais graves, falência cardíaca, respiratória ou hepática"..A PJ indica ainda que o irmão de Danijoy se deslocou ao piquete desta polícia "exigindo saber se os responsáveis pela morte do irmão haviam sido detidos" e que "num discurso pautado por ideias de conspiração e manipulação do sistema prisional visando o encobrimento da verdade sobre a morte e de perseguição à sua pessoa, disse ter provas, por conversas mantidas com reclusos do EPL, que o irmão fora morto por três guardas"..Os elementos de prova que dizia ter, "corporizados em conversas com os referidos reclusos, através das redes sociais, as quais gravara, foram apagadas porque as suas redes sociais foram pirateadas por hackers a mando do "sistema""..A Judiciária foi ouvir o recluso referido pelo irmão de Danijoy que saberia das agressões e ameaças dos guardas, mas este afirmou que Danijoy "não lhe confidenciou nenhuma situação em que a vida dele estivesse em perigo". Disse à PJ que "ouviu rumores de que Danijoy fora morto à pancada pelos guardas prisionais, sendo esta informação que transmitiu" ao irmão deste, "mas nunca lhe disse ter presenciado qualquer agressão"..Recorde-se que este caso acabou por influenciar uma alteração aos procedimentos da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais e, na sequência de uma notícia do DN dando conta de que a PJ não era chamada a investigar praticamente nenhuma morte (nem sequer os suicídios, apesar de serem classificados como morte violenta) de reclusos, um despacho da então ministra da Justiça Francisca Van Dunem determinou que os Serviços Prisionais são obrigados a comunicá-las diretamente à Judiciária.