Morreu André Jorge, "o melhor editor do mundo"

O catálogo da Livros Cotovia é a imagem do editor, que morreu aos 71 anos e nunca cedeu na qualidade, apostou na poesia, teatro e ensaio
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Maravilhas, gata da livraria, "está soturna como o dia". A Livros Cotovia perdeu o seu editor, André Jorge. "O melhor editor do mundo", diz, triste, António Pinto Ribeiro, sabendo que a classificação pode ser excessiva mas no André "tudo era excessivo, a obstinação, o perfeccionismo, os amores e desamores muito radicais."

André Jorge, de 71 anos, morreu no Instituto Português de Oncologia, em Lisboa. Fundou a editora em 1988 com o seu irmão, o poeta João Miguel Fernandes Jorge, que abandonou pouco tempo depois o projeto editorial. No facebook, a editora das capas sóbrias pontuadas por um pássaro negro escreveu: "André Jorge, editor da Livros Cotovia, deixou-nos hoje. Era um dos homens mais importantes da edição em Portugal, cujos critérios nunca se vergaram a modas ou lógicas de lucro. Os nossos leitores poderiam identificar esse princípio independente que ditava o lançamento de cada novo livro."

Essa obstinação é uma das suas marcas. Era também um "excelente contador de histórias e cozinheiro". António Pinto Ribeiro trocara nas últimas semanas algumas mensagens com "o André", em que este lhe dizia estar exausto, mas o programador e professor universitário não acreditou "que viesse a terminar desta maneira".

Morreu "o melhor editor do mundo", diz. "Tem um dos melhores catálogos europeus de livros, é reconhecido internacionalmente por isso", sublinha. "Há dois anos fez uma viagem ao Brasil para que a Cotovia se pudesse alargar, o que as editoras lhe diziam é que não tinham capacidade para acolher tanta qualidade editorial. Mas ele nunca abdicou dela".

Pinto Ribeiro é um dos 350 autores do catálogo da editora que atualmente publica cerca de 40 títulos por ano e soma mais de 700 títulos. Começou a publicar na Cotovia em 1995 e o último livro deveria ter saído em junho, mas não saiu devido à doença de André Jorge. "Se há alguma coisa que me configura como ensaísta deve-se a ele", refere dizendo estar "grato" por todo o cuidado que o editor teve com os seus textos.

"É uma figura mítica da edição, está para além deste País, a qualidade editorial ultrapassa as fronteiras deste País, a mediania da edição deste País", sublinha.

"Faz muita falta"

Entre os autores que a Cotovia publicou encontram-se A.M. Pires Cabral, Agostinho da Silva, Teresa Veiga, Daniel Jonas, Luísa Costa Gomes, Luís Quintais, Paulo José Miranda, Jacinto Lucas Pires, Eduarda Dionísio, o angolano Ruy Duarte de Carvalho e os brasileiros André Sant"Anna, Bernardo Carvalho, Carlito Azevedo e Marcelo Mirisola, assim como Martin Amis, Virginia Wolf, Roberto Calasso, Doris Lessing e Natalia Ginzburg, entre outros.

E Frederico Lourenço. "Editei mais de 20 anos na Cotovia. Traduzi o primeiro livro em 2002. Mandei o original por correio, ele gostou, escreveu-me. A partir daí até ao ano passado, com O Livro Aberto, tivemos uma ligação muito próxima. Foi um projeto comum", disse ao DN. "Era uma pessoa extraordinária", diz o autor de traduções de clássicos como a Ilíada e a Odisseia [de Homero], todos publicados por André Jorge. A editora distinguia-se "pela aposta em ensaios, poesia, teatro, géneros não tão bem tratados noutras editoras", sublinha.

Essa aposta, marca de água da Cotovia, foi ontem acentuada na nota de pesar do Presidente da República. Marcelo Rebelo de Sousa lembrou que o editor "dedicou especial atenção aos géneros menos comerciais, como o ensaio, o teatro e a poesia" e "contribuiu para a qualidade, diversidade e independência no mundo da edição".

Também o ministro da Cultura, Luís Filipe Castro Mendes, enalteceu o "legado literário" deixado pelo editor da Livros Cotovia, "demonstrado no valor do catálogo que publicou ao longo das últimas décadas." Estendeu o voto de condolências a todos os "autores que cresceram na Cotovia".

"Faz muita falta, espero que a editora continue o seu caminho", diz Frederico Lourenço.

"Continuamos a ser uma pequena editora, para um público leitor que sabe o que quer", escreve a editora na sua página na Internet.

O funeral realiza-se no domingo (sem velório) e, a pedido de André Jorge, será apenas para familiares e amigos próximos.

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