Morreu Sue Lyon, a 'Lolita' de Stanley Kubrick

Poucos serão capazes de identificar a atriz que participou dos filmes <em>A Noite do Iguana</em> (1964) e<em> Evel Knievel</em> (1971) e<em> Alligator - O Jacaré Gigante</em> (1980), mas se se disser que era a<em> Lolita</em> de Nobokov o nome de Sue Lyon é logo reconhecido.
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A atriz que fez de Lolita no filme de Stanley Kubrick morreu na passada quinta-feira.

Sue Lyon tinha 73 anos, mais 59 do que a idade da menina que protagonizou no cinema e que seduzia o personagem representado pelo ator James Mason.

O filme foi adaptado do polémico romance de Nabokov, no qual Lolita e Humbert Humbert tinham um caso proibido pela extrema diferença de idades e viviam peripécias tão escaldantes como inimagináveis.

A atriz, que deixa uma filha, vivia em Los Angeles e faleceu no dia a seguir ao Natal. A notícia só foi sabida ontem à noite e foi confirmada por um amigo de longa data de Sue Lyon. Este acrescentou que a morte deveu-se a causas naturais, já que a atriz estava há muito debilitada na sua saúde.

Sue Lyon tinha 14 anos quando fez um dos papeis principais em Lolita, sendo que a sua carreira enquanto atriz estava muito no princípio. Stanley Kubrick descobriu-a no espetáculo The Loretta Young Show, tendo ficado fascinado pela sua representação.

Após a descoberta da jovem, o realizador considerou que ela era a jovem ideal para representar o papel de uma menina de 12 anos que se envolve com um homem muito mais velho. A escolha da atriz teve a concordância do autor do romance, Nabokov.

Sue Lyon nasceu na localidade de Davenport, no estado norte-americano de Iowa, e foi a última dos cinco filhos. Quando tinha dez meses, o pai morreu e a família viveu tempos difíceis. Mais tarde, a mãe achou que Sue poderia ser modelo e decidiu ir viver para Los Angeles. A jovem iniciou uma carreira com vários anúncios e passagens de modelos, mas foi no programa de televisão que deu nas vista e o realizador que a iria consagrar a descobriu. Após uma entrevista, Lyon obteve sem dificuldades o papel de Lolita. A decisão de Stanley Kubrick deveu-se ao facto de a jovem atriz de 14 anos ser muito sensual e parecer um pouco mais velha.

A interpretação de Sue Lyon valeu-lhe um Globo de Ouro de melhor atriz revelação. O sucesso de Lolita fez com que realizadores prestigiados a convidassem para outros papéis, entre os quais John Huston e John Ford, em muito devido ao seu corpo e sensualidade.

Em 1986, Sue Lyon deu por terminada a sua carreira cinematográfica, após uma década de papéis menores.

A polémica de Lolita

O romance de Nabokov e o filme de Kubrick estiveram sempre envolvidos em polémica devido ao tema: Dolores Lolita Haze seduzia Humbert Humbert. O romance datava de 1955 e o filme é de 1962, tendo tido um remake posteriormente, em 1997, em que James Mason era interpretado por Jeremy Irons, Sue Lyon por Dominique Swain e a mãe, antes Shelley Winters, por Melanie Griffith.

O romance foi desde a sua publicação objeto de controvérsia, afinal Nabokov colocava um professor universitário de Literatura de meia-idade obcecado por uma jovem de 12 anos. Se esse affair já não fosse um tema complexo para a altura, Nabokov envolve Dolores e Humbert numa relação sexual, enquanto casa com a sua mãe e se torna padrasto da personagem.

Apesar da polémica, a narrativa logo alcança um grande destaque no mundo literário e foi quase imediatamente eleito como um clássico e a expressão Lolita transformada em uso popular. O romance foi mesmo considerado um dos 100 melhores romances da revista Time e a BBC incluí-o na lista dos 200 "romances mais amados" no Reino Unido.

Um filme que poderia nunca ter sido feito

O filme de Stanley Kubrick foi lançado em 1962 e, tal como o romance de Nabokov - que escreveu o argumento inicial - foi envolvido em várias situações que dificultaram a vida ao realizador. Kubrick chegou mesmo a revelar que se soubesse as restrições com que iria lidar na adaptação de Lolita talvez nunca tivesse avançado. É que a comédia dramática que James Mason e Sue Lyon protagonizam tinha partes muito picantes que a classificação da entidade norte-americana obrigou a suavizar e a obrigar ao funcionamento da imaginação do espetador.

O argumento final, em número de páginas muito inferior ao que Nabokov pretendia, caracterizava o personagem Humbert como um homem com uma fixação em jovens devido a uma grande paixão por uma amiga de adolescência. Ao descobrir Lolita, aluga um quarto na casa da mãe da jovem para poder estar perto dela. Descobertos, Humbert e Dolores fogem pelos Estados Unidos até que a jovem escapa ao professor universitário. Só muitos anos depois, Humbert descobre Dolores, que está casada, pobre e grávida.

A escrita do romance ocupou Nabokov durante cinco anos e em 1953, quando o apresentou a uma editora inglesa, os responsáveis recusaram editá-lo devido ao tema. O próprio Nabokov pensou em publicar o livro sob pseudónimo e as sucessivas recusas atrasaram a sua edição, até encontrar uma editora francesa, a Olympia Press, que disse sim. Impressos cinco mil exemplares, repletos de gralhas, poucos meses depois a opinião positiva do escritor Graham Green fez com que se olhasse o romance de outro modo. Mas a censura inglesa e francesa acabou por mandar retirar das livrarias aquele "lixo pornográfico" e só ao fim de dois anos é que reapareceu. Entretanto, uma editora sueca e outras dinamarquesas e holandesas traduziram e publicaram Lolita.

A edilção norte-americana surgiu em 1958 e foi um sucesso, vendendo mais de 100 mil exemplares em poucos dias e batendo todos os recordes. Como as polémicas foram tantas, Nabokov acrescentou um posfácio a Lolita para explicar as questões morais colocadas pelo romance, uma espécie de epílogo que continua a ser publicado desde então.

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