"Modelo de Salazar era mais palatável do que o fascismo italiano para ditadores de direita"
Não estamos a falar de uma terceira via no fascismo, estamos a falar , como diz o título do seu livro, numa terceira via autoritária numa era marcada pelo fascismo. De que outras vias se distingue o salazarismo?
O período entre as duas guerras foi um laboratório político ditatorial muito importante. A ditadura que mais marcou as ditaduras de direita do pós-guerra, foi o fascismo italiano. E foi influente no Partido Nacional Socialista alemão, nos seus inícios. O fascismo italiano criou instituições, nomeadamente três centrais: a personalização do poder e o chefe carismático, o partido único de tipo revolucionário, e o sistema corporativo com um novo modelo de relações entre o capital e o trabalho. Por exemplo, a Carta del Lavoro do fascismo italiano, é o documento mais citado nas relações laborais de todas as ditaduras da era do fascismo. Dito isto, o nacional-socialismo alemão foi tendo uma evolução particular, e então para as elites conservadoras da Europa entre as duas guerras, o modelo de Salazar emergiu nos anos 1930, mas não resultado de esforço de propaganda. O salazarismo era um regime menor em termos de impacto internacional, mas criou um conjunto de instituições com as quais as elites conservadoras simpatizaram bastante.
Sendo um regime claramente de direita, porém, não tem a vertente revolucionária do fascismo italiano, nem se assemelha ao extremismo do hipernacionalismo alemão?
Exatamente. Não tem a vertente radical, tem um ditador que é elitista, professor universitário, católico, e tem uma Constituição que tenta sintetizar elementos liberais com autoritários. Já sabemos que os liberais foram eliminados por decreto e que vinga o autoritarismo, mas a Constituição portuguesa de 1933 tem essa preocupação. Além disso, não é um regime político de mobilização de massas. Isto faz com que para segmentos das elites católicas tradicionais na América-Latina, a citação do modelo de Salazar é mais palatável do que o fascismo italiano que tem uma imagem demasiado radical. De certa forma esta é a razão pela qual fiz este livro, porque quando estava na Universidade de Nova Iorque a escrever sobre as ditaduras latino-americanas, comecei a ver que a imprensa católica conservadora e reacionária, passava a vida a citar o exemplo de Salazar. E fui recolhendo exemplos do Chile, da Colômbia, da Argentina, do Brasil, e de outros países. Pensei, então, realizar uma obra coletiva com um conjunto de cientistas sociais de diversos países. Para minha surpresa, esta perceção e citação do modelo de Salazar, foi bastante maior do que supunha.
Não é só na América-Latina que Salazar atrai, mas também na Europa?
Exatamente, ou seja, mesmo na Europa ocupada. A ditadura do rei Carol da Roménia, cita o modelo de Salazar como exemplo a seguir. Já sabíamos que os conservadores de Vichy eram admiradores do salazarismo. Mas não sabíamos, por exemplo, que um grupo de ideólogos e empresários conservadores, quando a Alemanha Nazi invadiu a Dinamarca, tinham proposto ao rei - coisa que é recusada -, um regime autoritário seguindo alguns dos princípios do salazarismo. Isto era desconhecido. O mesmo se pode dizer das ditaduras bálticas. E da Eslováquia em plena segunda guerra mundial, cuja Constituição é em parte inspirada na constituição do salazarismo. O modelo do salazarismo foi utilizado pelas elites políticas locais, como o modelo mais palatável para congregar a direita autoritária do que o fascismo italiano.
Quando diz palatável, a imagem de Salazar ser um académico e não usar farda como Mussolini ou Hitler contou muito? Foi um modelo com que as elites conservadoras se identificavam muito?
Exatamente. Salazar prefigura o modelo de ditador tecnocrático conservador. Por acaso, era católico, mas poderia ser ortodoxo ou protestante, ou seja, cultivando os valores da tradição, do nacionalismo e, num certo sentido, o antirrevolucionário de direita.
Quando fala dessa terceira via autoritária, de certa forma, está a dar a sua leitura sobre a velha polémica de se Salazar era fascista ou não?
Não, não estou. Deixe-me dizer que creio que, atualmente, vale a pena falar sobre a época do fascismo e de ditaduras de direita, quase todas influenciadas pelo fascismo italiano. O fascismo italiano foi a matriz e muitos outros ditadores vão procurar instituições e adaptá-las.
E sabe-se que Salazar era um admirador de Mussolini.
Sim, isso é indiscutível. A Mocidade Portuguesa e a Legião Portuguesa, são instituições tipicamente inspiradas pelo fascismo italiano. O próprio Estatuto do Trabalho Nacional, copia princípios da Carta del Lavoro. Creio que o debate fascismo ou não fascismo perdeu um pouco de sentido, é demasiado técnico. Mas o que é interessante verificar é que, no fundo, o fascismo italiano foi uma fonte de difusão de instituições autoritárias na Europa entre as duas guerras. No entanto, o nacional-socialismo não o foi, influenciou muito pouco as outras ditaduras. O salazarismo, em grande parte porque se consolida nos anos 30, tem para os intelectuais conservadores da Igreja Católica um modelo positivo. E a Igreja Católica foi muito importante para popularizar políticos católicos no Uruguai, por exemplo, utilizando o modelo salazarista para se demarcar do fascismo italiano e da sua imagem mais radical. Sobretudo, quando com o Eixo o fascismo italiano se começa a confundir com o nacional-socialismo alemão, com todas as suas dimensões racistas, e a caminho da Guerra Mundial.
No caso específico do Brasil e de Getúlio Vargas, um homem do autoritarismo mas que na hora H está na Segunda Guerra Mundial com os americanos e envia tropas para a Europa combater nazis e fascistas. Também se inspirou em Salazar?
Getúlio Vargas não tem as origens de Salazar. É um político republicano proveniente das elites oligárquicas do Brasil. É pragmático, mas na Constituição de 1937 vai inspirar-se em parte na ditadura de Salazar. Como diria um dos seus ideólogos, as nossas instituições são as vossas câmaras corporativas portuguesas. Há um intenso diálogo entre juristas portugueses autoritários, nomeadamente Marcello Caetano, e os juristas que vão dar a ossatura ao Estado Novo de Getúlio Vargas. A identidade entre os dois regimes é grande e Getúlio Vargas nunca será um pró-fascista no sentido clássico da palavra. E permita-me salientar que representa mais uma procura de elites políticas nacionais do modelo mais palatável, para se legitimarem, do que propriamente um efeito da propaganda de Salazar.
Este aspeto palatável de Salazar e esta atração do salazarismo enquanto modelo, é desta era do fascismo, mas não existe pós-1945?
É interessante que quer o franquismo, quer o salazarismo no pós-guerra, ensaiam um novo tipo de legitimidade política ditatorial. Tentam ser aquilo a que chamaram "democracias orgânicas". Segmentos de elites conservadoras ainda vão referindo o salazarismo de vez em quando, mas a imagem positiva do salazarismo esgota-se com a Segunda Guerra Mundial, mesmo por parte das elites católicas e conservadoras. Porque o próprio corporativismo cristão de que Salazar se orgulhava tanto, também fica associado à era do fascismo. Como dizia um político autoritário colombiano, em 1950, "vamos tentar instituir um regime corporativo, mas vamos terminar com o nome que ficou associado ao fascismo".
Foi feita uma comparação com Salazar, em 2015, aquando da vitória na Polónia do PIS e de Jaroslaw Kaczynski. Esta alusão a Salazar foi feita em duas componentes: o conservadorismo católico do político e a dedicação ao Estado, não tendo casado. Não é a mesma coisa de que estamos a falar aqui?
Não é a mesma coisa, porque aqui estamos a falar sobretudo do modelo de instituições políticas, mas não há dúvida nenhuma de que Salazar enquanto líder austero, dedicado teoricamente à nação, não corrupto e com valores conservadores, foi muito citado na época. E continuou a ser citado depois disso, não estranho que possa haver essa referência. Aliás, posso dizer-lhe até que Francis Fukuyama o citou há pouco tempo quando veio a Portugal, de como a imprensa neocristã ultraconservadora americana, ainda hoje dá o exemplo de Salazar como o bom regime.
leonidio.ferreira@dn.pt