Ministro da Defesa diz que informou ONU em 2020 sobre suspeitas de tráfico por militares portugueses
O ministro da Defesa revelou esta segunda-feira ter informado as Nações Unidas (ONU) em 2020 das suspeitas de tráfico que recaíam sobre alguns militares portugueses em missão na República Centro-Africana, garantindo que estes já não se encontravam naquele território.
"Informei [a ONU] de que a denúncia tinha ocorrido, que o assunto tinha sido encaminhado para as nossas autoridades judiciais e que todos os elementos pertinentes tinham sido entregues para investigação judiciária. E também, naturalmente, que os militares sob suspeita já não estavam na RCA e que portanto podiam ter toda a confiança em relação às nossas Forças Armadas como sempre tiveram", adiantou João Gomes Cravinho, em declarações à agência Lusa.
Gomes Cravinho disse ter sido informado sobre as suspeitas de tráfico de diamantes e ouro em missões na República Centro-Africana por militares portugueses em dezembro de 2019 pelo Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas (CEMGFA), almirante António Silva Ribeiro, que lhe falou da sua intenção de comunicar à Polícia Judiciária Militar (PJM) os casos.
Já "nos primeiros meses" de 2020, o ministro disse ter informado a ONU da situação.
O governante garantiu ainda que "aqueles cujos nomes tinham sido indicados como suspeitos já não regressaram à RCA em missões posteriores", vincando que "os militares denunciados já não estavam na RCA na altura da denúncia".
Questionado sobre a possível dimensão do caso, o ministro adiantou que a informação que lhe foi dada em dezembro de 2019 "dizia respeito a dois militares".
"Eu hoje vejo pelas notícias que houve 10 militares ou ex-militares que foram detidos, mas não tenho mais informação do que isso. Tudo indica que se trata de atividades assumidas a título individual por alguns militares e não por algo que tenha qualquer tipo de natureza sistémica", sustentou.
João Gomes Cravinho indicou que, para já, estão em causa apenas suspeitas, apesar de considerar "profundamente lamentável que haja este tipo de alegações em relação a militares portugueses".
"Muito importante também sublinhar que os procedimentos estabelecidos para lidar com este tipo de situação, com desvios de natureza criminal nas Forças Armadas, esses procedimentos foram entabulados de imediato, ou seja, tendo havido denúncias de irregularidades, essas denúncias foram imediatamente encaminhadas para a Polícia Judiciária Militar, que por sua vez fez o seu trabalho", adiantou.
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, disse esta segunda-feira que a "excelência" das Forças Armadas não está em causa com as investigações ao alegado "tráfego de diamantes" e sublinhou que a abertura da investigação interna só as "prestigia".
"Em boa hora as Forças Armadas, logo que tiveram conhecimento da denúncia, que foi no final de 2019, procederam à investigação imediatamente, envolvendo a Polícia Judiciária Militar, depois alargou-se à Polícia Judiciária, naturalmente, pelas implicações mais vastas do que o domínio nomeadamente das Forças Armadas", explicou Marcelo Rebelo de Sousa, questionado pela Lusa à margem de uma visita à Cidade Velha, Em Cabo Verde.
"E esse trabalho está em curso para se apurar o que é que aconteceu e para se tomar as medidas exemplares que devam ser tomadas. Quer dizer que foram as Forças Armadas as primeiras a perceberem que era preciso assumir essas responsabilidades. E isso só as prestigia, só aumenta o prestígio internacional que têm e que é reconhecido por toda a gente", acrescentou.
Segundo o Presidente da República, esse reconhecimento existe para com as forças nacionais destacadas na República Centro-Africana (RCA), mas também "nas que estão destacadas um pouco por todo o mundo".
"Tendo-se a noção exata de que, como em todas as sociedades, há casos isolados que devem ser punidas se for caso disso, mas a generalidade é um exemplo daquilo que é a qualidade, mais do que qualidade a excelência das nossas Forças Armadas", disse ainda o chefe de Estado.
Alguns militares portugueses em missões na República Centro-Africana podem ter sido utilizados como "correios no tráfego de diamantes, ouro e estupefacientes", revelou esta segunda-feira o Estado-Maior-General das Forças Armadas, adiantando que o caso foi reportado em 2019.
Em comunicado, o Estado-Maior-General das Forças Armadas (EMGFA) revelou que "o que está em causa de momento é a possibilidade de alguns militares que participaram nas FND [Força Nacional Destacada], na RCA, terem sido utilizados como correios no tráfego de diamantes, ouro e estupefacientes" e que "estes produtos foram alegadamente transportados nas aeronaves de regresso das FND a território nacional".
Vários órgãos de comunicação social noticiaram esta segunda-feira que a Polícia Judiciária estava a fazer buscas no Regimento de Comandos, e noutros cerca de 100 locais, por suspeitas de tráfico de diamantes e ouro em missões militares noutros países, como na República Centro-Africana (RCA).
De acordo com a nota do EMGFA, "em dezembro de 2019 foi reportado ao Comandante da 6ª Força Nacional Destacada (FND), na República Centro Africana (MINUSCA), o eventual envolvimento de militares portugueses no tráfico de diamantes".
"O comandante da FND relatou prontamente ao EMGFA a situação, tendo esta sido de imediato denunciada à Polícia Judiciária Militar (PJM) para investigação. A PJM fez a respetiva denúncia ao Ministério Público que nomeou como entidade responsável pela investigação a Polícia Judiciária", explicou.
Além da denúncia imediata, lê-se ainda na nota, o EMGFA "mandou reforçar os procedimentos de controlo e verificação à chegada dos militares das FND e respetivas cargas".
De acordo com o EMGFA, "os inquéritos militares e respetivas consequências estão pendentes das investigações em curso, com o cuidado de não interferir neste processo, ainda em segredo de justiça".
"Uma vez esclarecidas as responsabilidades, as Forças Armadas tomarão as devidas medidas sendo absolutamente intransigentes com desvios aos valores e ética militar. As Forças Armadas repudiam totalmente estes comportamentos contrários aos valores da Instituição Militar", sublinham.
Fonte ligada ao processo confirmou à Lusa que a operação está a decorrer em vários locais do país, entre os quais o regimento dos Comandos na Carregueira, Sintra, e que conta com cerca de 100 mandados de busca e detenção. Em causa estão suspeitas de tráfico de droga, ouro, diamantes e branqueamento de capitais.
Segundo a TVI, que avançou com a notícia da operação, os visados são militares, comandos e ex-comandos, militares da GNR e agentes da PSP que terão usado missões portuguesas da ONU, nomeadamente na República Centro Africana (RDA) para cometerem os crimes.
Atualmente, de acordo com dados disponibilizados pelo Estado-Maior-General das Forças Armadas na sua página oficial, estão empenhados na RCA 180 militares portugueses no âmbito da MINUSCA e 45 meios. Também na RCA, mas no âmbito da missão de treino da União Europeia (EUTM-RCA), estão atualmente empenhados 25 militares.
A MINUSCA tem como objetivos "apoiar a comunidade internacional na reforma do setor de segurança do Estado, contribuindo para a segurança e estabilização" da República Centro-Africana, informa ainda o EMGFA.
A RCA caiu no caos e na violência em 2013, depois do derrube do ex-Presidente François Bozizé por grupos armados juntos na Séléka, o que suscitou a oposição de outras milícias, agrupadas sob a designação anti-Balaka.
Desde então, o território centro-africano tem sido palco de confrontos comunitários entre estes grupos, que obrigaram quase um quarto dos 4,7 milhões de habitantes da RCA a abandonarem as suas casas.