Militares no Iraque. "É impressionante treinar com 50 graus às 10.00"

Primeiro contingente oriundo da Zona Militar dos Açores destacado para uma missão no estrangeiro está instalado na base espanhola Gran Capitán, em Besmaya.
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Dar formação militar com temperaturas de 50 graus centígrados às 10.00 horas da manhã "é impressionante", mesmo passados quase quatros meses desde a chegada ao Iraque. "Não pensei que suportaria" tanto calor, "mas o processo de aclimatização é contínuo", explica o major português Bruno Esteves ao DN.

"É muito fácil" beber pelo menos 10 garrafas de água de meio litro por dia, nomeadamente os instrutores que têm de dar formação entre as 10.00 e o meio-dia. "São os iraquianos que pedem os horários" e cabe aos militares da coligação internacional - apesar de suarem em bica - estarem à altura das circunstâncias, adianta, sem qualquer lamento.

Bruno Esteves comanda a primeira força a sair da Zona Militar dos Açores para uma missão externa, que está no Iraque desde o passado dia 5 de maio e que, até agora, já deu formação a 791 efetivos das forças de segurança - designação que inclui militares e polícias de unidades tipo GNR - iraquianas envolvidas no combate contra os terroristas do Estado Islâmico.

Fardados com o camuflado de padrão deserto, os portugueses lidam com "três condicionantes". A primeira delas é a das condições climatéricas. "Julho foi o mês que mais nos custou e agosto também está a custar", assume aquele oficial superior do Exército, valorizando o período de aprontamento em Portugal que lhes permitiu "chegar ao teatro de operações em boa forma física".

A segunda decorre de os iraquianos "saírem ou irem para o campo de batalha, por vezes, sem ter ido a casa", enquanto a terceira condicionante está associada à entrega de "algum armamento", pois "eles querem logo ter instrução de tiro" - o que tem a vantagem de ser "uma forma de os motivar", assinala Bruno Esteves.

Acresce que "é sempre complicado ministrar formação a quem por vezes vem da frente de combate ou vai para lá", reconhece o oficial de infantaria. "Mas nós temos a capacidade de dar a volta e conseguimos cumprir a missão", levando os militares iraquianos a complementar a sua experiência ou treino de combate com a aquisição de "certos princípios básicos esquecidos".

O aspeto central dessa preocupação reside na competência, na habilidade, dos soldados iraquianos em disparar e detetar explosivos improvisados. "No tiro temos de ir ao básico: fazer uma mirada, controlar a respiração e o dedo no gatilho... há necessidade de ajustar a mira e o ponto de mira", conta o oficial.

Saber que as unidades iraquianas vindas da frente de combate "tiveram muitas baixas ou consumiram muitas munições", acrescenta Bruno Esteves, é um indicador dessas falhas na sua formação inicial de tiro e deteção de explosivos improvisados.

As matérias sanitárias constituem outra área relevante da formação dada aos iraquianos, de que é exemplo ensinar-lhes a colocar um torniquete para não se esvaírem em sangue".

Rotina em Besmaya

O dia-a-dia dos 30 militares portugueses, metade dos quais natural dos Açores, começa às 03:45 da madrugada na base militar Gran Capitán (espanhola).

"Entre as 04 e as 04:10 toma-se o pequeno-almoço. Às 04:35 ou 40 é a saída para os locais de treino", uma vez que "a instrução começa às 05 e acaba às 10 da manhã, exceto no caso do batalhão da Polícia Federal, em que se inicia às 07 e prolonga até ao meio-dia, indica Bruno Esteves.

Tanto a base como as carreiras de tiro e os locais de treino em engenharia e artilharia estão no chamado Complexo de Formação de Besmaya (BRC, sigla em inglês), a cerca de 50 quilómetros de Bagdade.

Contudo, o transporte a partir do aquartelamento é feito num pequeno autocarro precedido por viaturas de transporte blindadas RG31 e Lince (espanholas), que atuam como força de proteção. Atrás segue uma viatura pesada Iveco, que transporta os materiais de ensino.

Os alunos do contingente português cuja formação de 10 semanas terminou há dias pertenciam a um batalhão de uma brigada do Exército iraquiano, uma companhia ranger (força de reação rápida) e uma bateria de artilharia dessa mesma grande unidade. A nível da polícia, foi também um batalhão.

Embora o total de efetivos nos cursos de armas coletivas de tiro e atirador especial tenha sido de 791, muitos destes elementos frequentaram também ações de formação específica e curta duração em áreas como o socorrismo e a engenharia.

Fundamental para o sucesso da missão dos portugueses é a comunicação, que no Iraque exige o recurso a intérpretes. Mas como "há perda de informação" quando há vários interlocutores, "nós vamos ganhando mecanismos para lidar com isso", diz Bruno Esteves.

Acresce que os intérpretes no Iraque são "um recurso valioso e caro", pelo que é frequente "ter um para 60 [formandos], o que não é fácil". Daí que existam duas estratégias para minimizar esses efeitos negativos: a primeira é "exemplificar, porque torna a instrução mais fácil"; depois, "sendo portugueses, com três meses de teatro já há militares com palavras básicas aprendidas".

Exemplos? "Contar um dois três, andar mais rápido ou mais devagar... parece que não, mas esses pormenores de aprender palavras básicas faz com que a transmissão da mensagem" seja mais rápida e direta, enfatiza o oficial.

Certo é que, para os portugueses e em particular para a força oriunda da Zona Militar dos Açores, esta primeira missão de paz no exterior oferece "duas experiências diferentes", conclui o major Bruno Esteves.

"Uma é poder trabalhar num ambiente internacional com espanhóis, norte-americanos e ingleses. A outra é dar formação a militares que apesar de terem muitas falhas básicas, como no tiro, já passaram pelo campo de batalha", refere o comandante da força portuguesa, cuja comissão termina em novembro.

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