Miguel Ventura Terra: homem de família, arquiteto e vereador
Se a obra arquitetónica de Miguel -Ventura Terra (1866-1919) espalhada por Lisboa, fala por ele e pelo seu talento. Menos conhecida é a sua faceta de vereador da câmara municipal, um cargo que ocupou entre 1908 e 1913, eleito pelos republicanos, em que apostou a exposição Do Útil ao Bello, que se pode ver até 21 de outubro no Torreão Poente da Praça do Comércio.
As sessões de câmara em que participou foram transcritas, passadas para a primeira pessoa, lidas e gravadas, dando voz às preocupações do arquiteto, nascido em Seixas (Caminha) e formado no Porto e em Paris. Ouve-se Ventura Terra defender, por exemplo, que o Mercado da Ribeira se transforme num mercado geral, no âmbito de um projeto mais vasto que tem para a cidade.
A faceta de político de Ventura Terra é uma das três que a exposição tenta abordar, explica, numa visita guiada a arquiteta Hélia Silva, comissária da exposição juntamente com Ana Isabel Ribeiro e Rita Mégre. "Falava, falava, falava", realça a arquiteta. E ocupou-se na sua passagem pela vereação, que teria repetição curta em 1913, de quatro grandes ideias: o direito à intervenção da câmara na estéticas das novas edificações, o projeto do Parque Eduardo VII, o alargamento da Rua do Arsenal e o estudo de uma planta de melhoramentos da cidade que previa sobre o Tejo entre Santa Catarina e Almada e uma transformação da zona entre o Cais do Sodré e Santos. "O que é que se discute hoje na câmara?", ri-se a comissária.
Ventura Terra, cujos 150 anos do nascimento foram assinalados ao longo de 2016 com várias iniciativas e visitas a casa com a sua assinatura, foi muito requisitado pela elite nacional e trabalhou muito de perto com o influente açoriano Alfredo Bensaúde, judeu, que o convida para projetar a sua casa em Lisboa, a sinagoga (ao lado da casa do arquiteto), e, como primeiro diretor do Instituto Superior Técnico, este instituto. "Sabíamos que ele tinha feito um instituto, começámos a investigar e descobrimos que o museu de Civil do Técnico tinha umas zincogravuras de um projeto de arquitetura para o Técnico", explica Hélia Silva. A exposição traz à luz detalhes. "Ficava num terreno paralelo à Assembleia da República [trabalho de Ventura Terra, também], para o lado do Jardim das Francesinhas".
É um arquiteto influente e está nos lugares de influência. Em 1903, está na fundação da sociedade de arquitetos, embrião da Ordem dos Arquitetos, e é o seu primeiro presidente. Está no arranque da Comissão dos Monumentos Nacionais. Desenha todo o tipo de tipologias, privadas e públicas, como é o caso dos liceus Camões, Pedro Nunes e Maria Amália. "Era muito trabalhador", refere. Percebe-se: morreu aos 53 anos com e uma longa lista de obras concluídas.
Hélia Silva diz que esta exposição foi pensada para ter várias camadas de leitura. A rápida, de 20 minutos, ouvir os sons e ver as imagens; A de 30 minutos, "lendo as gordas". Outra, lendo os textos que acompanham as imagens, de 90 minutos. Sempre com a possibilidade de espreitar em vídeo o interior de edifícios de Ventura Terra que nem sempre estão acessíveis ao público como a Assembleia da República, o Palácio Mendonça, liceus, a sinagoga ou o teatro Politeama. E em outubro é lançado, com a Videoteca de Lisboa, um documentário sobre a obra do arquiteto.
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