Metade dos portugueses acha que os media não escrutinam o poder
Portugal continua a ser um dos países que mais confia nas notícias, e um dos países que mais preocupado está com as notícias falsas e desinformação. São dois dados que aparecem no novo relatório do Reuters Institute regionalizado para Portugal pelo OberCom - Observatório da Comunicação. O país continua no no topo da lista dos preocupados, ficando atrás apenas do Brasil, com "proporções de 75% e 85%, respetivamente".
58% dos portugueses confia nas notícias que lê - um número que é apenas ultrapassado pela Finlândia, com 59%. Em França, por exemplo, este nível baixa para os 24%. E isto talvez tenha alguma coisa a ver com o facto de metade dos inquiridos dizerem ter "cruzado fontes" para verificar se um acontecimento "era noticiado da mesma forma". E há um dado ainda mais animador: "cerca de 2/5 decidiram não partilhar uma notícia porque não sabiam se a cobertura era certeira". Há ainda muito quem tenha abandonado fontes de informação por fraca qualidade noticiosa e escolhesse outras pela mesma razão (30% e 29% dos portugueses, respetivamente).
Embora esta confiança diminua para 44% quando se fala de redes sociais - ou notícias acedidas através delas - elas são a principal forma de acesso a notícias online 26,3%, com o maior aumento face a 2018 (23,3% em 2018). O acesso direto aos sites das marcas noticiosas tradicionais teve uma quebra de 3,8 pontos para 20,4%. Em 2019, 90% dos portugueses usaram pelo menos uma aplicação do universo Facebook na semana anterior - e 65% para consumir notícias. 3/4 dos portugueses usaram app de mensagens, e quase 30% para consumir notícias. Os portugueses são fortes clientes das redes sociais, apesar de se preocuparem com notícias falsas, o que deixa em aberto quais os efeitos do consumo através das redes, se esse consumo é detetado ou não.
Segundo o relatório, da autoria de Gustavo Cardoso, Ana Pinto Martinho e Miguel Paisana, o aumento do uso das redes sociais como principal forma de acesso a notícias tem outra consequência: "Em paralelo com o decréscimo dos acessos diretos, isso representa uma tendência preocupante para as marcas de notícias, cada vez mais dependentes das redes sociais para a monetização dos seus conteúdos, perdendo, no processo, receitas publicitárias e relacionadas com a visibilidade direta dos seus recursos online".
Isto é ainda mais grave porque Portugal regista níveis baixíssimos de pagamento por informação digital: apenas 7,1%. "Em 2017, interpretámos os dados relativos ao período 2015-2017 (2016-9,2/2017-9,5%) com alguma esperança, antevendo que em 2018 iríamos finalmente ultrapassar a barreira dos 10,0% de portugueses a pagar por notícias online no ano anterior, a verdade é que a tendência evoluiu de forma negativa", conclui o relatório. A média dos países do inquérito é 13% e na Noruega estes valores atingem os 34%.
Ou seja, a vontade de pagar por notícias não tem qualquer relação nem com a situação económica do país, nem com a confiança nessas notícias, nem, ainda, com a mudança por parte dos media. Com a crescente implantação de modelos pagos (Público, Expresso, Observador, DN) 66,2% dos inquiridos dizem que lhes é pedido para pagar por notícias pelo menos uma vez por semana. E 21,2%, admitem que isso acontece várias vezes por dia. Mas isso, nada parece alterar. Há que dizer, no entanto, que mesmo em países como Espanha ou Reino Unido, com apenas 9% de propensão para pagamento de notícias, há casos de grande sucesso de conteúdos pagos, como o El Diário - pagamento por membros e - o The Guardian - com um milhão de subscritores.
Embora a resposta a perguntas sobre a confiança geral nas notícias seja positiva, a verdade é que este inquérito revela algum nível de insatisfação sobre o trabalho que é feito pelo jornalismo, em concreto. Os inquiridos têm uma visão menos positiva em termos de abordagem no tom correto - apenas 12% concordam que os media abordam os acontecimentos no tom correto - e apenas 27,3% acham que os tópicos noticiados são relevantes. Quase metade 50,6% considera que os media não escrutinam os poderes. Isto conjuga-se com a noção de que as suas visões não são representadas pelos media, que se expressa na opinião de que "as pessoas deviam ser consultadas quando são tomadas decisões importantes", e que "os Governantes não se preocupam com o que as pessoas como eu pensam": são 83,7% os que acham isto.
Aliás, a percentagem de pessoas que evita notícias é bastante elevada em Portugal - com 31% dos portugueses face à média de 32% na amostra global. "41,5% dos portugueses dizem estar cansados da quantidade de notícias com que
se deparam. Os politicamente indecisos e indefinidos tendem a apresentar níveis de cansaço mais significativos face aos restantes inquiridos", diz o relatório.
"A orientação política dos inquiridos é uma variável-chave na interpretação dos dados deste ano", diz o relatório: "27,2% dos portugueses dizem-se de esquerda, 42,1% ao centro, 9,0% de direita e um quinto (21,8%) indecisos ou indefinidos. Os portugueses indecisos ou indefinidos tendem a confiar menos em conteúdos noticiosos (49,3%) do que a amostra portuguesa em geral. Tendem, também, a ter menos interesse por política em geral, a preocupar-se menos com a legitimidade de conteúdos noticiosos online, e têm uma visão menos positiva do papel do jornalismo."
Croácia, Turquia e Grécia são os países onde mais se evitam notícias de forma ativa, e Japão, Dinamarca e Finlândia os países onde menos o fazem. "O país onde se verificou a maior variância no sentido positivo, é o Reino Unido: o caos causado pelo Brexit levou a que mais 11% dos britânicos passassem a evitar notícias de forma ativa e voluntária".
A principal fonte de acesso a informação voltou a ser a televisão, 58%, seguida da internet, 30,9%. Mas há dados interessantes no que diz respeito ao consumo: a internet é mais consumida por mais velhos do que por mais novos no que diz respeito às notícias (mais de 55 anos) e os podcasts aumentaram bastante a sua presença na vida informativa - 34% dos portugueses dizem ter escutado um podcast, sendo que as preferências vão para os específicos.
E, claro, são os mais jovens os que mais ouvem. Entre os 18 e os 24 anos, mais de metade escutaram um podcast no mês anterior (52,4%) sendo que quase 48% dos inquiridos entre os 25 e os 34 anos também o fez. Os homens tendem a ouvir mais (56%) do que as mulheres (49%).
No estudo diz-se que "este dado é particularmente interesse sobre tudo pelo impacto positivo que pode ter no alcance de audiências que procuram novos formatos, tecnologicamente mais dinâmicos e interessantes e pode ser explorado de forma otimizada não pela importação de conteúdos áudio dos canais tradicionais para o online mas pela criação dedicada de conteúdos temáticos originais, especificamente desenhados para as novas formas de audição".
Pode encontrar uma versão completa do relatório aqui.