Meses para recuperar estragos da procura por um corpo perfeito
O ator Ângelo Rodrigues está internado no Hospital Garcia de Orta devido a uma infeção provocada por uma bactéria que se disseminou através de uma ferida. Além dos tratamentos que recebe neste hospital, está a fazer câmara hiperbárica no Hospital das Forças Armadas, em Lisboa, para acelerar a cicatrização.
Aquelas são as únicas informações confirmadas pela agência Glam, que representa o ator. "Não há qualquer prova sobre as especulações que se fazem sobre a sua situação clínica. Os médicos vão fazer um comunicado na próxima semana sobre a bactéria que o Ângelo apanhou e que vai desmontar tudo o que se tem vindo a dizer. Não há qualquer evidência clínica sobre o que se tem noticiado", diz a sua agente.
Mas os responsáveis do Hospital Garcia da Orta asseguram ao DN que manterão a posição inicial, ou seja, não haverá comunicado sobre a situação clínica do ator.
O que se tem vindo a dizer é que a infeção foi provocada na sequência de uma injeção de testosterona nos glúteos para conseguir um corpo musculado e definido, o que, segundo os especialistas, explica não só a imagem física do ator como a disseminação rápida da bactéria. Apresentava um corpo que leva anos a conseguir e característico dos atletas de competição e este tipo de prática torna a pessoa mais vulnerável clinicamente, razão pela qual a bactéria se instalou facilmente.
Há a pergunta: "Um homem bonito e com sucesso como Ângelo Rodrigues precisa disso?"
O psicólogo Pedro Coelho responde que sim. "Uma coisa é o que a pessoa vê, outra é o que os outros veem. Trata-se de uma dismorfia corporal, a pessoa tem uma perceção errada do seu corpo, sente-se insatisfeita com o que vê. Tem uma imagem idealizada do corpo e faz tudo para obter essa imagem, mas que está errada. O que ela vê está distorcido."
Sublinha que está a aumentar o número de pessoas que procuram um corpo ideal. Hoje há o culto do corpo e, até, há um nome para isso: vigorexia.
João Maciel, 61 anos, praticou culturismo e é proprietário do Artes Físicas Gym, em Moscavide, onde treinam culturistas. Argumenta que são situações diferentes, no caso do culturismo são atletas que se preparam para as competições, o que não significa que não existam excessos. Por isso, são cada vez menos os competidores no seu ginásio.
"O problema hoje é que a maior parte dos jovens querem resultados rápidos, não têm a paciência que eu tinha. Ando nisto há 40 anos e já treinava há 12/13 anos quando fiz a primeira competição. Têm de fazer muito exercício, alimentarem-se muito bem e descansar, só assim se conseguem resultados", critica João Maciel.
O programa de treino de que fala é para quem quer competir, mas verifica o mesmo comportamento naqueles que pretendem obter um "corpo de praia", um conceito que já se usava no seu tempo, mas que sofreu alterações. "Não basta ser magro e sem barriga, agora querem o corpo musculado, definido, o que não se consegue de um dia para o outro. São precisos cinco a seis anos, muito trabalho e uma boa alimentação."
Preocupações da sociedade atual e que têm provocado problemas de saúde graves atestam Biscaia Fraga, especialista em cirurgia plástica e reconstrutiva, e Sílvia Saraiva, endocrinologista. Cada vez recebem mais doentes devido ao uso de testosterona sem ser por razões médicas, o que é ilegal em Portugal.
No caso de Ângelo Rodrigues, as informações são veiculadas pelos media, explicadas por especialistas, multiplicadas nas redes sociais; mensagens de apoio mas também de quem refere não haver milagres na obtenção de resultados físicos, que é preciso muito trabalho e uma alimentação adequada.
Uma injeção pode introduzir uma bactéria no organismo quando a agulha não está esterilizada, não foram acauteladas as condições de higiene ou o líquido introduzido está infetado, explica a endocrinologista Sílvia Saraiva.
A introdução da bactéria provoca um abcesso, que deve ser drenado e tratado com antibióticos; passa a flemão (inflamação) se não resultar o tratamento de primeira linha, rapidamente se transforma numa fasceíte necrotizante (infeção que causa a morte dos tecidos moles), diz Biscaia Fraga.
"A pessoa corre risco de vida e, graças aos cuidados intensivos e de cirurgia do Hospital Garcia de Orta, está a conseguir controlar-se a infeção. Agora é salvar a coxa e a perna e fazer a reconstrução dos tecidos, com fisioterapia e reabilitação funcional e cirurgias. Leva tempo e podem ficar sequelas", alerta o médico Biscaia Fraga.
Adianta que Ângelo Rodrigues está a fazer tratamentos no Centro de Medicina Subaquática e Hiperbárica (CMSH), na unidade hospitalar das Forças Armadas, no Lumiar, em Lisboa. Sessões numa câmara hiperbárica, em geral semanais e com a duração de uma hora, e que possibilitam uma cicatrização mais rápida. E faz vacuoterapia no Hospital Garcia de Orta.
A medicina hiperbárica trata as doenças "num meio ambiente com pressão superior à pressão atmosférica obtido através da utilização da câmara hiperbárica", explica o Hospital Particular do Algarve, onde existe um equipamento idêntico ao do Hospital das Forças Armadas. O paciente está dentro da câmara e respira oxigénio puro a uma pressão superior à atmosférica fazendo que determinadas doenças respondam favoravelmente, como infeções. "No ambiente hiperbárico, a dissolução do oxigénio no plasma (que normalmente é desprezível) aumenta significativamente", conseguindo-se de imediato a hiperoxigenação tecidular, além da vasoconstrição e da redução do líquido intersticial acumulado [edema]." E a vacuoterapia permite a remoção de contraturas e melhora a circulação linfática.
Biscaia Fraga e Sílvia Saraiva têm recebido nos consultórios doentes das consequências da injeção de testosterona, homens na generalidade. No caso da estética, é o crescimento das glândulas mamárias, aparecimento de acne, atrofia dos genitais, disfunção sexual e, até, impotência. No caso da endocrinologia, diminui a produção natural de hormonas.
A hormona da testosterona e sucedâneos é a que provoca resultados mais rápidos e eficazes para adquirir massa muscular", diz Biscaia Fraga. Também há mulheres que a usam, mas a nível cutâneo e para atingir uma boa performance, mais energia, em determinados momentos.
"Quem toma hormonas também toma suplementos, normalmente é um cocktail, faz um ciclo, obtém resultados rápidos mas que acabam por estagnar, nessa altura aumenta a frequência dos ciclos", explica Sílvia Saraiva. Vão ao seu consultório "quando verificam que as suas próprias hormonas diminuem". Acrescenta: "Quando as coisas correm mal e, quando correm mal, correm muito mal".
Recuperar de toda aquela situação clínica é difícil, têm de se fazer um desmame da testosterona e tratar o corpo de forma a produzir naturalmente as hormonas de que necessita. Os médicos acreditam que ser um jovem de 31 anos ajuda na recuperação.
"O Ângelo Rodrigues não só está a sofrer clinicamente como está sujeito à exposição mediática sobre a sua saúde. Quando recuperar, deverá pensar que ajudou a prevenir problemas em outros jovens", diz Sílvia Saraiva. Acrescenta: "Tem de recuperar a parte física local, a parte física metabólica (funções renal, hepática e hormonal) e a parte psicológica e tem de ter acompanhamento psicológico."
Os médicos compreendem que um ator, um modelo, uma pessoa com uma exposição mediática como a de Ângelo Rodrigues seja levada a cometer excessos em prol da imagem. Daí que defendam que estes casos sejam úteis para alertar as pessoas, em especial os jovens, para os perigos que correm quando se sujeitam a determinados tratamentos. Defendem mais informação, inclusive campanhas de sensibilização.
O ator da SIC precisará de tratamento psicológico e psiquiátrico, defende Pedro Coelho: "Estas perturbações causam ansiedade, o que tem de ser tratado com medicação, e precisa de terapias para que a pessoa se ajuste à realidade, para perceber como é que deve lidar com o seu corpo."