Merkel visita Auschwitz enquanto parceiros da coligação decidem futuro

A Alemanha vai contribuir com 60 milhões de euros para a manutenção do antigo campo de extermínio, numa altura em que se multiplicam atos antissemitas.
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Os antigos campos de concentração e extermínio de judeus de Auschwitz e Birkenau, situados na Polónia, vão ser visitados pela primeira vez pela chanceler Angela Merkel, que se torna o terceiro chefe de governo da Alemanha a visitar o espaço. Uma visita que não se fica pelo peso histórico e pelo simbolismo. A Alemanha vai contribuir com 60 milhões de euros para a conservação do espaço e espera-se um discurso da líder germânica.

Na véspera, Merkel recebeu os ministros-presidentes dos 16 estados alemães, que contribuíram com metade do dinheiro (a outra metade é do governo federal), e mostrou-se satisfeita com a obtenção de fundos. "É uma boa mensagem que levo comigo para a Polónia", comentou.

A visita decorre a convite da Fundação Auschwitz-Birkenau, que cumpre 10 anos, e é realizada com o presidente polaco, Mateusz Morawiecki, com um sobrevivente do campo e com representantes da comunidade judaica. Angela Merkel vai atravessar o infame portão de entrada, com o lema Arbeit macht frei (O trabalho liberta), antes de observar um minuto de silêncio em frente ao Muro da Morte, onde milhares de prisioneiros foram assassinados. No início da tarde, viajará para Birkenau, a três quilómetros do campo principal.

"Auschwitz é um museu mas também é o maior cemitério do mundo... [a memória] é a base para construir o presente e o futuro", disse o diretor do museu, Piotr Cywinski, à Reuters.

A deslocação de Merkel é vista como "um sinal particularmente importante de interesse e solidariedade numa altura em que os sobreviventes de Auschwitz são vítimas de insultos antissemitas e de e-mails de ódio", afirmou Christoph Heubner, vice-presidente executivo do Comité Internacional de Auschwitz.

Merkel já antes tinha visitado os campos de Dachau, Ravensbrück e Buchenwald, bem como o Memorial do Holocausto de Yad Vashem, em Jerusalém. Em Telavive, no discurso que proferiu no Knesset, o parlamento israelita, mencionou a "vergonha" dos alemães perante os crimes do regime de Adolf Hitler.

Antissemitismo em alta

Na Alemanha, as autoridades estão preocupadas com um aumento dos atos antissemitas. Em outubro, o país ficou chocado com um ataque terrorista a uma sinagoga em Halle, na Saxónia. O autor, que divulgou um manifesto antissemita, não conseguiu entrar no templo judaico e acabou por matar duas pessoas e ferir outras tantas ao acaso na rua e num restaurante.

O partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha (AfD), que tem crescido em popularidade a ponto de ser agora o terceiro (15% na mais recente sondagem, dois pontos a mais do que os sociais-democratas do SPD), tem defendido teses controversas de orgulho no passado militar e defende o fim da cultura do arrependimento e alguns dos dirigentes relativizam os crimes nazis.

O fenómeno não é exclusivo da Alemanha. Na vizinha França, mais de uma centena de túmulos foram profanados na terça-feira no cemitério judaico de Westhoffen, perto de Estrasburgo. Foi o mais recente ato de vandalismo numa região, a Alsácia, que tem sido palco de anteriores ações do género, e que levou o governo francês a criar um gabinete nacional de luta contra o ódio.

Medo de que a história se repita

O clima que se vive é tal que a sobrevivente de Auschwitz Esther Bejarano lançou um apelo. "Eu vi quantas pessoas foram mortas. Os meus pais e a minha irmã foram assassinados. É por isso que hoje temos de dizer às pessoas 'não se calem, façam alguma coisa'", disse esta mulher de 94 anos, cofundadora do Comité Internacional de Auschwitz. "Tenho medo de que a história se repita", declarou ao Der Spiegel .

Angela Merkel é o terceiro chefe de governo alemão a visitar o símbolo do Holocausto dos judeus, depois de Helmut Schmidt, em 1977, e Helmut Kohl, em 1989 e 1995.

Entre 1940 e 27 de janeiro de 1945, quando os prisioneiros foram libertados pelo Exército Vermelho, o campo de Auschwitz foi palco do maior campo de extermínio: os historiadores estimam que cerca de 1,1 milhões de pessoas foram mortas, dos quais um milhão de judeus.

Localizado na cidade polaca de Oswiecim, a 50 km de Cracóvia, Auschwitz fica a três quilómetros de Birkenau. Este campo tornou-se em 1942 o principal local de extermínio de judeus como parte da "solução final", com quatro câmaras de gás e outros tantos crematórios.

Os judeus, que chegavam a Birkenau de comboio em vagões de transporte de gado, eram na maioria dirigidos diretamente para as câmaras de gás. Apenas aqueles que podiam trabalhar como escravos eram temporariamente deixados vivos.

A UNESCO aprovou em 2007 uma alteração da designação oficial de Auschwitz, agora denominada "Auschwitz-Birkenau, campo de concentração e extermínio nazi alemão (1940-1945)".

Grande coligação em risco

A visita da chanceler decorre num momento delicado da política interna alemã. É nesta sexta-feira que arrancam os trabalhos do congresso do SPD, que se estende até domingo. Os delegados do mais antigo partido alemão reúnem-se em Berlim para aprovar os resultados da eleição por voto direto dos militantes da nova dupla de líderes, Norbert Walter-Borjans e Saskia Esken, bem como a estratégia política a seguir.

O homem que ganhou o título de Robin dos Bosques da Renânia por ter perseguido os evasores fiscais com resultados que falam por si - recuperou 6,3 mil milhões de euros para os cofres alemães - e a deputada especialista em tecnologias venceram as eleições com um discurso de rutura com a grande coligação CDU/CSU-SPD. Querem renegociar os termos do acordo, caso contrário querem ir para a oposição.

No entanto, é de esperar oposição a esta estratégia de tudo ou nada. Na quinta-feira, a comissão executiva do partido decidiu por unanimidade levar uma moção a votos na qual suaviza as condições para o partido se manter no governo. Por exemplo, a moção pede um aumento do salário mínimo, que está atualmente nos 9,19 euros por hora, sem indicar o novo valor exigido. Walter-Borjans e Esken exigiam um aumento imediato para 12 euros.

Até agora os dirigentes da CDU mostraram-se indisponíveis para reabrir negociações sobre o programa de governo.

Também o líder da JUSOS, a juventude do partido, disse numa entrevista que os delegados deviam pensar nas consequências da decisão. "Quem sai de uma coligação cede poder", disse Kevin Kühnert ao Rheinische Post.

O antigo líder do partido Martin Schulz, em entrevista concedida à Lusa antes de serem conhecidos os resultados das eleições internas, mostrou-se otimista quanto ao futuro do partido, ao dizer que está "no bom caminho" para vencer as próximas eleições. O ex-presidente do Parlamento Europeu nem sequer considerou a hipótese de o governo cair. "Este governo está no poder há 18 meses e só terminará de exercer em 2021", afirmou.

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